Eu não vou dizer que não me diverti horrores, mas foi um trabalho puxado. Você tem ideia de quantos filmes de terror bons foram lançados este ano? E eu não vi tudo, não vi o recente do Cronenberg, não vi a nova Orfã ainda, não consegui completar 30 resenhas, não deu tempo, então esta é uma seleção menor do que eu queria… preciso de um estagiário. Bom, as listas que não foram feitas dos anos em que o blog ficou parado, serão lançadas no próximo ano, com calma. Antes de seguirmos com esta, que conta com filmes imperdíveis de diversos países, com interpretações bem distintas do terror, algumas menções honrosas:

O tenso The Exit, a loucura surreal de Alex Garland Men, o interessante A Vigília, que assim como o anterior, está na parte de Shorts no Instagram do Muito Molho e Soft and Quiet, o terror sem cortes muito bem ensaiado, que não está na lista por ser um pouco irresponsável com seus estereótipos. 

29 – GLORIOUS – de Rebekah Mckendry

Com um grito desesperado, escutado nos confins do Universo, Wes, um motorista com o coração partido, inadvertidamente convida uma força sinistra para um posto de beira de estrada desativado, onde ele descansa e queima os pertences da ex. O pobre sozinho no local se embebeda, desmaia e acorda sem as calças no dia seguinte, vomita no banheiro e no meio desse caos, uma voz amigável puxa conversa do sanitário ao lado. Papo incômodo vai, papo incômodo vem e Wes segue mais desconfortável do que nunca para a porta, mas não pode sair, não até realizar o desejo do deus mitológico, destruidor de mundos e apaixonado pela humanidade, ocupando a privada ao lado. 

Com o melhor uso de um banheiro nojento desde Jogos Mortais e a voz magnífica e cheia de personalidade de J.K. Simons, no papel da entidade que precisa de um favor de Wes, o escolhido, para tentar salvar o mundo, Glorious é uma comédia de terror absurda e angustiante, feita com um orçamento baixíssimo (como é a maioria de filmes com praticamente uma locação), apesar dos ótimos efeitos especiais. Uma folia com o chamado terror cósmico, muito divertida de assistir.

28 – RESURRECTION – de Andrew Semans

Margaret (Rebecca Hall) já teve a amarga experiência de um relacionamento abusivo num passado distante, o que fez com que, entre outras precauções, nem relacionamentos normais ela busque mais. Uma mulher de negócios bem-sucedida e mãe amorosa de uma adolescente tranquila, que com bom humor tenta escapar da super proteção materna, ela tem uma vida normal. Ótima executiva, péssima cozinheira. Tudo vai bem até que em uma conferência de trabalho, ela vê de longe e sem ser vista, David, o ex. De repente, toda aquela noção de controle, toda a preparação física e psicológica, toda a segurança que ela acreditava ter começam a desabar, bem rápido.

David é o monstro dos monstros e ele começa a aparecer em todos os lugares que ela está, como uma maldição. Ameaçador e imprevisível, acabando com a sanidade mental de Margaret e a pior parte, é que ninguém acredita que ele está de volta na vida dela. Ela está completamente sozinha. Resurrection podia ser um thriller, mas ele é sombrio demais e tem uma peça importante faltando, para que o filme fizesse parte do gênero que tentou substituir o terror nos anos 90. Este aqui é terror mesmo.  

27 – SOME LIKE IT RARE – de Fabrice Eboué

Sophie e Vincent são os donos de um modesto açougue na França, que assim como o casamento deles, já não anda muito bem das pernas há algum tempo. Um dia, eles matam acidentalmente um vegano, ligado a um grupo de protestantes que quase arruinou o comércio deles. Para despistar a polícia, eles decidem manter o corpo no freezer do açougue… eu preciso realmente elaborar mais sobre aonde esta história vai parar? Talvez você já tenha sacado o plot, mas o que você não sabe é o quanto esta comédia de terror é divertida e um verdadeiro dedo do meio, da terra da culinária e dos protestos, para os dois lados desta briga.

É obvio que a carne nova, batizada de “porco iraniano”, vira um sucesso na vizinhança e rapidamente salva o pequeno açougue, da condição de membro mais pobre dos associados à profissão, assim como o casal à beira do divórcio. O filme brinca descaradamente com o chamado “V Power”, redefinindo os conceitos de chato e lunático, para encaixar direitinho nas próximas vítimas, quando eles decidem levar uma vida de serial killers de um alvo seleto e alimentado a base de folhas. Se veganos forem transformados em vilões, mesmo que em uma versão branda, já ajuda a dupla a trabalhar no abate em paz. A melhor coisa é que a história não se limita a criticar um só lado. Como um bom francês, ninguém escapa de julgamento, dos arrogantes salvadores do planeta, aos desalmados consumidores de carne e um monte de outros personagens que estão lá para colocar seus defeitos em evidência. Hannibal Lecter ficaria orgulhoso, mas o filme sabe que o cara não é um exemplo que alguém deva seguir.

26 – LOBISOMEM NA NOITE (WEREWOLF BY NIGHT) – de Michael Giacchino

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Feito no mesmo estilo, com a falta de cor e tudo, dos filmes de monstros dos anos 30 e 40, a Marvel introduz seu primeiro personagem de terror clássico ao grande público, com Lobisomem na Noite, o melhor filme do estúdio este ano, por mais curtinho que tenha sido e não sendo lançado nos cinemas. Veterano das trilhas sonoras para cinema, o compositor Michael Giacchino faz um ótimo trabalho como diretor de primeira viagem, que sabe homenagear e extrair referências sem copiar a marca registrada de seus antecessores. Um filme com as características visuais que este apresenta, com este tema, com os cenários pomposos, os figurinos espalhafatosos e os personagens caricatos, poderia facilmente jogar um diretor menos seguro na categoria de imitador de Tim Burton.

Gael Garcia Bernal, se infiltra em um torneio centenário, onde diversos caçadores de monstros, de famílias tradicionais desta atividade, disputam o controle da casa principal, junto com um amuleto poderoso que vem de brinde, em uma batalha coletiva até a morte, enquanto uma fera gigante caça os caçadores. As intenções do personagem de Gael são nobres e ele não quer machucar ninguém, mas infelizmente os eventos daquele combate estão muito além do controle dele. 

25 – MORTE, MORTE, MORTE (BODIES, BODIES, BODIES) – de Halina Reijn

Na brincadeira infantil da minha época, chamávamos de “killer”. O recente campeão de vendas da indústria dos games chamou de Among Us, traduzido para O Impostor no Brasil. Uma diversão despretensiosa, que inclui a licença para desconfiar sem culpa dos amigos e a oportunidade para ser mocinho e vilão no mesmo jogo, é o que faz com que o passatempo continue sendo transmitido de geração em geração, de diversas maneiras e ele também chega no cinema, na sua versão mais catastrófica, com uma quantidade de baixas entre os jogadores, que nem os meus pesadelos de menina poderiam imaginar. 

Um grupo de jovens, se reune na mansão de um deles, para realizar uma festa e acompanhar com alguma segurança e muita privacidade, o tornado que se aproxima. Os membros mais abastados do clã, recebem com educação e um certo receio os mais recentes e desprovidos de grana no grupo. Não creio que seja preconceito, apenas precaução, mas o que importa é dizer que tem gente ali se conhecendo pela primeira vez, além de que certas conexões feitas antes da festa, são passam de algumas semanas. Eu não sei se é a ingestão de drogas, que vai de recreativa a profissional, que faz com que certas manifestações violentas pela noite sejam encaradas com naturalidade, mas sei que mesmo chapados e em um clima pesado, eles decidem jogar aquele jogo, que exige o mínimo de concentração e o máximo de espírito esportivo. Aí a luz sofre uma queda longa por causa da tempestade… e o primeiro corpo aparece! Gente rica + drogas + falta de noção = pior do que pobre em cabana na floresta, em um filme de terror qualquer.

24 – MAD GOD – de Phil Tippett

Em um futuro distópico, após a queda das civilizações, uma figura solitária denominada “o assassino”, desce pelos escombros do velho mundo, com um mapa na mão e uma missão a cumprir. Naquela paisagem dantesca, onde o único caminho é para baixo e tudo é resolvido com conflito e destruição, uma voz infantil dá ordens nas caixas de som, para que criaturas grotescas explorem criaturas sem alma. Perigo e hostilidade em toda a parte, nenhum lugar é seguro, ninguém tem compaixão. Quem está permitindo tudo isto? Tanta dor e sofrimento? Onde estão os heróis que deveriam impedir atrocidades e salvar os inocentes? Estamos talvez diante da vida como ela é, só que mostrada de uma maneira acelerada, para expor a loucura que é sobreviver entre ascensões e quedas de impérios?

Não é o filme mais fácil de acompanhar, porque a narrativa está longe de ser tradicional e porque não tem humanidade suficiente para que o público crie vínculos. É uma história de crueldade, que não é necessariamente acompanhada de malícia. Como se a diferença entre o bem e o mal não existisse. Misturando live action e um dos melhores e mais complexos trabalhos de stop motion que eu já vi, o diretor Phil Tippett lança, após trinta anos de produção, uma verdadeira obra-prima do visual macabro. 

23 – O MENU (THE MENU) – de Mark Mylod

A bordo de um yatch, entusiastas, conhecedores, celebridades e esnobes se reúnem para visitar o restaurante mais exclusivo de que se tem notícia, localizado em uma ilha paradisíaca. Sem habitantes, apenas os funcionários, o estabelecimento e uma estrutura de cultivo que o sustenta. Somente Margot, vivida por Anya Taylor-Joy, parece se incomodar com o transporte partindo depois de deixar os clientes em terra firme. Ela também percebe e estranha o modo brusco como a grandiosa porta do local se fecha, assim que todos os convidados entram, como se mesmo literalmente ilhados, a nata da sociedade ainda tivesse que se preocupar com segurança. Margot também é a única achando ridículo toda a pompa, o preço e a pretenção do cardápio, mas como é minoria e provavelmente a mais pobre no local, acompanhando o namorado sem noção, ela fica quieta, por um tempo. Ser a diferentona pode ser uma vantagem neste filme, mas apenas se for bem usada.

Como que um chef de cozinha, certamente adepto ao estrelismo e ao abuso de poder, consegue unir com tanto sucesso os empregados em uma missão controversa, que exige completa e inquestionável devoção? A resposta, é o ódio pelos clientes, que supera muito o ranço pelo patrão. Ralph Fienes está muito bem como o comandante supremo de um plano maluco, assim como o restante do elenco de rostos mais ou menos conhecidos, nesta história surpreendente de Mark Mylod, ótimo diretor de episódios soltos em várias séries, que estreia em longas com esta estranha revolta do proletariado contra a elite, que não exige melhores salários ou algo do tipo. Acabou o tempo das reivindicações, agora é a hora da retaliação.

22 – FRESH – de Mimi Cave

Noa está de saco cheio de encontros vazios com homens fúteis, mas quando se vê prestes a jogar a toalha e encher a casa com dezenas de gatos, ela conhece Steve, o ápice da perfeição. Ele é inteligente, engraçado, super articulado e com apenas alguns fios de cabelo no peito faltando para virar o Henry Cavill. Eu sei que não é a coisa mais fofa, ou justa de apontar sobre um casal, mas é evidente que o filme força o aumento de um já existente espaço nos níveis de beleza entre os dois, mostrando Noa como uma mulher que deveria se sentir muito sortuda na presença de um verdadeiro adonis, mas o propósito disso não é diminuir a importância da garota. Tome cuidado com o deus grego, que te aborda no lugar público e te atrai, antes de conhecer seus familiares e amigos, para o lugar privado. Não beba nada do que ele te oferecer e apenas coma a comida dele, se tiver um bom plano de fuga em mente. 

Fresh, estrelado por Sebastian Stan e Daisy Edgar-Jones (do maravilhoso Normal People), mostra uma angustiante corrida contra o tempo e eletrizante luta pela sobrevivência, com um tema grotesco e muito difícil de aparecer em Hollywood de uma maneira tão explícita, ou de uma maneira tão européia. A diretora de clipes e curtas Mimi Cave, faz sua estreia na direção de longas, passando pano para a mocinha e condenando o vilão, quando os dois cometem o mesmo pecado, porque tudo está na intenção. A dele é o domínio, a dela é ter novamente a chance de um maravilhoso e confortante encontro vazio com outro homem fútil, no futuro. Eu tenho certeza de que ela seria muito menos exigente, depois do Steve. 

21 – MARCAS DA MALDIÇÃO – INCANTATION (ZHOU) – de Kevin Ko

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Acreditar em bênção ou em praga, faz com que o negócio funcione? Se a resposta for sim, este found footage pseudo interativo está no caminho certo, forçando o público a participar de uma suposta onda fatal de azar, que aumenta de intensidade enquanto continuamos ousando a acompanhar a história. Antes que todas as intenções da protagonista sejam reveladas, somos convidados a fazer exercícios de percepção visual, repetimos cânticos em uma língua que não sabemos, aprendemos os gestos sagrados e sim, a manipulação está tão na cara, quanto os clichês de filmes de found footage e dos filmes sobre maldições. Nada disso importa! Eu não tive a coragem de realizar nenhuma das tarefas e fingi que não era comigo, quando a moça pedia a colaboração de quem assiste, para cancelar a maldição. Não me enfia nessa, querida, ninguém te obrigou a correr atrás de encrenca.

Li Ronan, se apresenta formalmente para reforçar que o que estamos para assistir é uma história real. Ela está em um pesadelo há seis anos. Tragédias acontecem com tanta frequência ao redor dela, que ficou impossível criar a própria filha. Ela tem uma explicação, que a faz parecer insana e ajuda a manter a menininha sob a guarda do Estado. Ainda grávida, ela e alguns companheiros videomakers invadiram o território de uma entidade sagrada, completamente intolerante ao desrespeito. O que vemos no filme, é todo o material em vídeo que ela conseguiu reunir durante os anos, para tentar provar sua tese de maldição para quem puder resolver seu problema. É preciso crer para ajudar, só que entrar no mundo dela, onde a solidão se tornou o padrão, significa colocar um alvo nas costas. Uma ótima produção de Taiwan, sobre os mais variados tipos de medo. 

20 – NÃO, NÃO OLHE (NOPE) – de Jordan Peele

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O comediante e recentemente diretor Jordan Peele, não demonstra sinais de que vai fazer outra coisa além de terror no cinema, com mais um filme desconcertante e repleto de cenas inesquecíveis. O alvo de sua crítica, em forma de corpos dos personagens se multiplicando por conta de decisões equivocadas, é a obsessão generalizada com tudo o que envolve a cultura da celebridade e, sejamos francos, com redes sociais e dispositivos de captura de imagem, disponíveis a todos como nunca antes na história, é um tema não apenas atual como necessário, já que ninguém está a salvo de querer aparecer mais do que os quinze minutos que nos são garantidos; assim como uma crítica ao apego demasiado ao passado, sejam aos dias de glória ou aos dias de trauma, que seguram a humanidade como reféns do retrocesso.

Pode ter sido uma escolha estranha, enfiar uma invasão alienígena no meio do comentário social, mas Peele sempre utiliza os elementos menos prováveis do terror, para alfinetar seu público. Aqui, dois irmãos menos competentes nos negócios, do que o patriarca recentemente morto em um acidente bizarro, precisam se reinventar para manter a propriedade da família, enquanto um ser sobrenatural, estacionado alguns quilômetros acima deles, ameaça acabar com a ordem natural (que já não anda muito bem) das coisas. Ótimas atuações de Daniel Kaluuya, Keke Palmer e como é bom ver Glenn novamente, Steve Yeun, no papel do homem que não hesita em lucrar com absolutamente nada. 

19 – PÂNICO (SCREAM) – de Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett

A regra é clara! Quando não tem numeração depois do título, é um reboot, mas quando os atores principais reprisam os papéis, é algo mais especial. A obra-prima de terror dos anos 90 de Wes Craven, recebe uma homenagem muito bem feita, uma década depois da última continuação, mantendo os personagens com a percepção de que estão vivendo dentro de um filme de terror e tirando um sarro da nova onda de filmes-cabeça do gênero, como Hereditário e A Bruxa. A gente nem precisa assistir aos anteriores novamente, porque o assassino, seguindo um roteiro que entende que a geração Z não se sentiria obrigada, força a primeira vítima a uma trívia que refresca a memória dos mais velhos e atualiza os mais novos. 

A mensagem do filme é simples: mesmo vivendo na era dos eruditos, não despreze os trashs, porque a contagem de corpos é muito maior e eles são bem mais divertidos. O enredo é o mesmo de sempre, com gente desocupada usando Ghostface para matar os amigos, por um motivo fútil. A autoparódia é constante, assim como os sustos e a curtição com a nossa cara, cada vez que um deles é alarme falso. Um trabalho de amor, ou não teria reunido o ex-casal David Arquette e Courteney Cox para viver novamente o ex-casal Dewey e Gale. É de arrepiar ouvir de novo alguém chamando Sidney, com aquela voz psico-debochada no telefone, assim como é um grande prazer ver a incorporação bem-sucedida do moderno à velha fórmula e é claro, um dos personagens tem a tarefa de apontar este feito para nós.

18 – HELLRAISER – de David Bruckner

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Outro reboot e eu não vou mentir. Senti falta de Doug Bradley como Pinhead, mas não a ponto de não curtir muito esta refilmagem cheia de estilo e inspiração, do diretor David Bruckner, que teve o bom senso de mudar o gênero do vilão principal, sem manchar o legado do original ou fazer do ato uma panfletagem feminista. Novas e carismáticas vítimas, com muito mais a perder por associação fraternal, do que estamos acostumados, já que antigamente, o inferno era, digamos, longe de ser um acidente. A atmosfera de tormento e desespero continua, mas com a presença de inovadores trabalhos de maquiagem e cenários muito bem construídos, resultados de modernidade e um orçamento decente, trazendo um pouco de frescor (só que o ar continua podre, claro) para um dos maiores clássicos de terror dos anos 80.

A mais temida peça geométrica do mundo, vai parar nas mãos de Riley, uma jovem ex-viciada em drogas, que estava tentando se reerguer financeiramente, da pior maneira que encontrou. Tudo o que ela conseguiu, foi novamente envolver todos que ela conhece, nas consequências de suas péssimas decisões, só que desta vez, com resultados catastróficos. As características mais marcantes da fotografia e dos efeitos do original de Clive Barker, são respeitadas, mas melhoradas, já que estamos algumas décadas mais hábeis nestes quesitos cinematográficos. O plot por sua vez, parece simplificado, mas sem nenhum prejuízo que pudesse ser sentido, mesmo que se tratasse de um filme completamente original. Os novos cenobitas continuam assustadores e eu vou parar de me opor com tanto fervor, a quem se propor a fazer releituras de certas obras. 

17 – WHAT JOSIAH SAW – de Vincent Grashaw

Eu vou considerar este um lançamento de 2022, já que foi quando este e alguns outros desta lista, saíram do circuito dos festivais, para a apresentação do público geral. O filme é separado por capítulos, mas é um pouco mais complexo do que a divisão de etapas da narrativa. Com uma forma bem diferente de contar a história, o filme que seria rápido se mostrasse apenas o ponto de vista de quem aguarda certas chegadas, se transforma em uma saga muito interessante e misteriosa, sobre a história de uma família desunida e cheia de segredos, usando as divisões para também mostrar como vivem os membros distantes, que são convocados em caráter de emergência para retornar à casa da juventude, palco de  todas as lembranças terríveis que eles ainda não conseguiram superar. 

O Josiah do título, é o pai rude e sádico, que vive para atormentar o filho autista que permaneceu na casa com ele. Um dia, algo acontece, uma assombração, que não vemos, apenas Josiah vê e ele é um mentiroso, mas é uma coisa tão séria diante daqueles olhos ateus, que o homem até para de beber. A esposa morta apareceu e segundo o patriarca completamente perplexo, ela está no inferno. Para livrar a alma da mulher, eles precisam colocar a casa capenga em ordem e o mesmo vale para a família capenga. Os outros filhos precisam voltar ao lar o mais rápido possível. Vai ser um problema e tanto, já que o que pode estar mantendo os desgarrados longe, é outra coisa vista por Josiah, há muito tempo atrás. 

16 – HATCHING – de Hanna Bergholm

Além do canibalismo, outro tema que marcou presença no terror este ano, foi a preocupação excessiva da nossa sociedade, com curtidas e a divulgação de imagens de uma vida perfeita nas redes sociais. A potencialmente mais perigosa vertente, no mundo dos influenciadores modernos de comportamento, serve de inspiração para este finlandês cheio de alegorias, ao retratar a transformação de uma jovem e imaculada personalidade, quando exposta ainda muito cedo aos bastidores de uma realidade fabricada, pelas mãos inescapáveis de outra personalidade muito mais forte e obcecada com a validação de estranhos.

A impressionável pré-adolescente e aspirante a ginasta Tinja, encontra o ovo de uma ave morta no quintal e resolve cuidar dele em casa. Com o passar dos dias, nos quais a menina se prova cada vez menos digna da aprovação de uma mãe muito exigente, o ovo cresce e toma proporções surreais, com Tinja como uma gentil e secreta cuidadora… até que o ovo gigante choca, liberando uma criatura monstruosa, super apegada e com tendências homicidas, que mesmo evoluindo para uma aparência mais aceitável socialmente através dos dias, ainda é desequilibrada demais para o controle de Tinja.

15 – TERRIFIER 2 – de Damien Leone

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Senhoras e senhores, estamos diante de uma nova diva do cinema! Engraçado, apavorante e com uma das melhores caracterizações visuais em anos, o vilão é uma criação doentia e semi-sobrenatural, cuja sede de sangue consegue fazer com que o filme se destaque, entre os que pavimentaram o caminho para ele. Motivo ele não tem, porque quem nasceu com tanto carisma, não precisa de justificativas. Art – o palhaço assassino, veio de um primeiro filme que pouca gente viu, mas ele não quer nem saber. Trata-se de uma série recente de filmes de terror, que já decidiu que será cult, antes mesmo de atingir um número respeitoso de expectadores para isso. Algum maluco assistiu ao primeiro, com toda a sua inventiva precariedade e resolveu investir pesado, para se certificar de que a nova musa do terror não morresse no ostracismo. 

 Terrifier 2 é absolutamente brutal. O primeiro também não era para os fracos de estômago, mas com esta continuação o diretor queria ter a certeza de que certas cenas do filme, seriam usadas como referência de espetáculo de crueldade em slashers, sempre que alguém fizesse uma lista sobre o assunto. Art está agora mais bem fotografado e suas vítimas são interpretadas por atores profissionais, que não fazem feio quando contracenam com o palhaço, que é inegavelmente uma estrela. Neste filme ele persegue dois irmãos na noite de Halloween, sem pressa, para primeiro não perder a diversão com os que cercam suas vítimas. O pai morto da adolescente Sienna e do irmão mais novo Jonathan, sabia que o palhaço iria visitar os filhos algum dia, mas não sabemos muito sobre como isso é possível. Talvez o diretor Damien Leone, queira reservar esta parte da história para Terrifier 3.

14 – THE SADNESS – de Rob Jabbaz

Jim e Kat, um casal de jovens taiwaneses, comete um erro fatal no início de uma epidemia, na qual a população contaminada, está prestes a manifestar o vírus da maneira mais monstruosa e degenerada que conseguir… um pouco antes que os sinais fiquem evidentes, eles se separam, indo cada um para um lado da cidade com seus afazeres, sem nenhum meio de comunicação. Não é bem um caso de o amor tentando triunfar diante dos problemas do mundo. É mais sobre os desavisados tentando sobreviver e se reencontrar, quando o mundo está se transformando em um verdadeiro inferno.

The Sadness é um festival acelerado de sangue, gore e as maiores barbaridades, acontecendo em qualquer lugar, a qualquer hora do dia, sem nenhum pudor. É de se admirar que sequências de violência extrema, fabricando imagens de difícil digestão, tenham sido filmadas fora dos ambientes habituais, geralmente mais fechados e reservados a este tipo de depravação. Vemos matanças em lugares públicos lotados e é bem desconcertante, principalmente porque mesmo que este filme seja o mais próximo do que veremos na lista de um terror de zumbis, não se trata exatamente de zumbis. Cientes e dispostos, obcecados e cruéis, os contaminados são incansáveis como robôs, fazendo do filme uma experiência inesquecível, em meio a tantos outros de terror sobre vírus fictícios, onde os infectados tem pelo menos a desculpa de já estarem mortos, para agir sem pensar.

13 – ATÉ OS OSSOS (BONES AND ALL) – de Luca Guadagnino

Deve ser a primeira vez na minha existência como parte do público de um filme, que eu assisto a um pai abandonando a filha à própria sorte e não me revolto. Ele entendeu, depois de muitos anos amando a filha e vivendo como um nômade por causa dela, que o futuro de Maren precisa ser solitário. Não é por culpa de ninguém, as coisas simplesmente são como são. Ela não é a única da própria espécie, existem vários e eles conseguem perceber a presença uns dos outros. Alguns são mais bem resolvidos em relação aos seus lugares na cadeia alimentar, outros sentem remorso. Alguns são casuais, outros, vingativos e todos tem uma fome incontrolável por carne humana.

Bones and All é um road trip, não apenas porque Maren viaja com o namorado canibal à procura da mãe, mas também porque os personagens deste filme não podem arcar com as consequências de ficarem no mesmo lugar por muito tempo. No caminho, ela encontra semelhantes, que sonham em viver bem, mas não podem pela natureza vampiresca. A nutrição é necessidade, a vilania é uma escolha. Ao lado de um verdadeiro parceiro, ela é forte, sabendo se defender e atacar, mas os dois são muito jovens. Tem sempre alguém mais forte, experiente e cansado daquela vida. O filme é longo e o terror é quase ofuscado pelo romance, mas ainda é mais um imperdível do diretor Luca Guadagnino (Suspiria, Me Chame Pelo Seu Nome).

12 – THE BLACK PHONE – de Scott Derrickson

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Joe Hill, também conhecido como Stephen King Junior é o autor do conto no qual este filme se baseia e como filho de peixe… autor de terror é, ou algo do tipo, é uma história envolvendo crianças, violência sem misericórdia e visões sobrenaturais, acontecendo algumas décadas antes de invenções tecnológicas e da divulgação em massa de crimes reais, que fariam pais, professores e simpatizantes de crianças em segurança, terem muito mais cuidado, ao vigiar uma vizinhança onde elas desaparecem aos montes. Ótimas atuações, personagens cativantes e uma sensação que ninguém remove, de que a vítima atual será apenas mais uma, na coleção do maníaco.

Gwen é a encantadora mini-mãe-Diná, que sonha com acontecimentos futuros. O irmão dela, Finney, é o nerd prestes a se tornar a nova presa de Ethan Hawke, que aparece bastante e está muito bem, mas escondido atrás de máscaras no filme. Sem pistas sobre os sumiços das crianças, sem corpos para revelar o que está realmente acontecendo e com uma comunidade se acostumando a ignorar as notícias ruins, Finney só pode contar com dois trunfos duvidosos para sobreviver: a ajuda controversa que a irmã fornece à policia e as esclarecedoras ligações, vindas do telefone preto desconectado dentro do cativeiro.

 

11 – SISSY – de Hannah Barlow e Kane Senes

Cecília, uma super good-vibes-youtuber-guru-da-respiração (sim, isso existe), recebe as curtidas nos seus vídeos relaxantes de vida saudável, no apartamento minúsculo ao lado da pia repleta de louças e da pilha de caixas de pizza. É a cara da imagem pessoal falsa vendida nas redes sociais. Duzentos mil seguidores e nenhum amigo. Um belo dia, ela reencontra casualmente a melhor amiga de infância, que está prestes a se casar. Sissy, desculpe, Cecília é convidada para o noivado e imediatamente entra novamente na vida da amiga, agarrando com unhas e dentes a oportunidade de viver uma vida menos glamurosa, mas com os pés no chão. Antes de um pré-noivado, para o qual ela também está convidada e que será realizado com a presença de poucos amigos, em uma residência longe da civilização, uma postagem na rede social da noiva faz Cecília entrar em pânico. A anfitriã do mini-encontro é alguém do passado dela, alguém que mudou para muito pior o rumo da vida de Sissy, quando ela era ainda muito pequena. 

Deve ser um pesadelo, ser forçado a conviver civilizadamente com a causa das suas neuroses, mas fica pior. O ato no passado, doloroso, preciso e permanente, que causou todo o trauma, partiu de Cecília e agora, a presença da jovem na casa provoca a ira vingativa da antiga antagonista. Não dá nem para ficar totalmente do lado da personagem título, já que mesmo que ela ainda fosse uma criança na época, o resultado é algo inegável e inescapável, com o qual a outra teve e terá que lidar por toda a vida. Só que o melhor do filme, além de uma das mais impressionantes quedas já filmadas para o cinema, neste australiano de baixo orçamento, é que por mais que a gente pense saber para onde esta história inevitavelmente caminha, é incrível tudo o que Sissy é capaz de fazer para evitar um desfecho certo, mas que não lhe agrada. 

10 – SORRIA (SMILE) – de Parker Finn

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Que campanha de marketing! Que ideia legal para o comportamento do vilão. Como você vai pedir ajuda se não tem nada concreto contra ele? Não há nada demais, ele só está sorrindo! É exagerado? Sim! É desnecessário, desconfortável, estranho…? Sim, e daí? Experimente reclamar de alguém que sorri demais, para sentir o julgamento do ouvinte sendo direcionado para você. A descrença na vítima, ou no receptor da gentileza macabra, é intensificada pelo pré-requisito que os escolhidos possuem: um trauma que causou sequelas na alma. No consultório psiquiátrico onde a mais recente amaldiçoada trabalha, é muito mais fácil acreditar em gente calma do que em gente histérica e a protagonista desta história sabe muito bem disso, então o procedimento é a discrição, o pavor silencioso, na medida do possível. No local tem também uma escala de dor representada por emojis e ela deveria ter prestado mais atenção nesse detalhe. O da carinha triste, representa a pior condição e o do sorriso aberto representa a ausência de dor. É só o que o monstro quer fazer pelos sofredores… acabar com o dodói! Mas não sem antes providenciar uma semana divertida de sustos e tortura psicológica.

Sorria é um filme onde o principal elemento é o medo e as pessoas que o sentem são simples coadjuvantes, enquanto o encosto pula de coitado para coitado, aliviando permanentemente todos os sofrimentos. Uma emocionante investigação, que pega emprestado elementos de outros filmes de terror, para criar algo completamente inédito, mas sem ao menos uma pitada de humor, ironicamente.  

9 – X e PEARL – de Ti West

Me perdoem por burlar as regras e colocar logo dois na mesma posição, mas para mim os filmes são mais do que obra primária seguido de história de origem, são filmes que se complementam, mesmo que suas narrativas estejam separadas por muitas décadas. Com um original e sua prequel lançados no mesmo ano, eu acredito que era exatamente isto o que queria Ti West, um diretor que me agrada bastante, desde A Casa do Diabo (The House of the Devil – 2009). Ele nos queria incrédulos no primeiro filme e nos desafiava a questionar o preconceito, não em relação ao pornô, para isso ninguém liga, mas em relação à faixa etária da ninfomaníaca homicida. No segundo, ele nos leva ao passado da velhinha e mostra como alguém como ela brotou naquele lugar. “Monstros também envelhecem”, no primeiro filme e “todo idoso tem uma história mais impressionante do que sonham os jovens ao redor deles”, no segundo filme.

Em “X”, que começa com as proporções de tela típicas de filme B de terror dos anos 70, porque West brincando com a época retratada é uma marca registrada; um grupo independente, mas experiente de produção de filmes adultos, aluga uma casa no campo para usar como locação no próximo projeto. Os donos do local, um casal já bem frágil pela idade avançada, não sabe das intenções da produção, mas a agitação de um lado e a curiosidade do outro, levam a um encontro sanguinolento, digno de slasher com vilão alto e forte. Muito bem humorado, ousado e sinistro, com Mia Goth interpretando a estrela principal da produção e debaixo de quilos de maquiagem, também a esposa do fazendeiro. Algo que faz sentido, quando sabemos que os dois papéis são exigentes fisicamente e mais ainda, quando voltamos no tempo no filme seguinte, e Mia ganha uma oportunidade ainda melhor para mostrar seu talento.

“Pearl”, mostra a juventude da assassina em 1918, quando morava com os pais no campo, enquanto o marido lutava na Primeira Guerra. A propriedade rural é a mesma do outro filme, mas algo está drasticamente diferente. Não é apenas o rejuvenescimento, é o colorido excessivo, de uma produção que poderia ser um antigo musical, se a protagonista não fosse tão perturbada. Enquanto ajuda (que nem a cara dela) com as tarefas de casa, inclusive a cuidar de maneira bem inapropriada, do pai em estado quase catatônico, Pearl sonha em se tornar uma estrela de cinema, mas não adianta só querer o céu, quando a jovem se comporta como o capeta. As frustrações vão se acumulando, as palavras duras e sábias da mãe, que vive fora do mundo de fantasia da filha, começam a pesar e Pearl não consegue segurar a máscara de sanidade na cara por muito tempo. Ela tem realmente um talento, ele só é ilegal e perverso.

Mia Goth estava muito bem como Maxine em X, mas realmente se superou como Pearl. É dela também o roteiro, junto com Ty e eu nem me incomodo com o longo monólogo que ela tem, na porção final do filme com a câmera fixada em seu rosto, porque ela está esplêndida, porque não é vaidade e porque o texto é um grito desesperado e honesto de uma psicopata, que não sabe o que fazer para viver de outra maneira. O segundo filme é mais do que um adendo satisfatório ao primeiro, ele eleva as duas histórias a um status que o original não conseguiria sozinho. A melhor coisa é que tem um terceiro filme a caminho e eu mal posso esperar!

8 – SALOUM – de Jean Luc Herbulot

Durante a guerra civil de 2003 em Guiné-Bissau, um grupo de mercenários denominado As Hienas de Bangui, faz fortuna protegendo endinheirados da fúria dos militares que tentam tomar o poder. Eles não são o que a humanidade tem de pior, mas pelo preço certo, defendem os piores com unhas e dentes. A caminho de Dakar, o monomotor com três Hienas, um poderoso traficante e uma mala cheia de barras de ouro, é atingido pelo inimigo e forçado a pousar em Saloum, no Senegal. Trata-se de uma gigantesca reserva ecológica, com uma pousada eco-amigável no meio, que os fugitivos usarão de esconderijo com identidades falsas, até conseguirem um modo de colocar o avião de volta no ar. Aí eles se deparam com uma surpresa. Depois, outra surpresa, depois outra e quando você acha que nada mais pode acontecer fora dos planos, o terror chega para aniquilar todo mundo, neste épico de terror/western africano, sobre as consequências da violação de templos sagrados, no solo e no corpo. 

Senegalês de língua principalmente francesa, Saloum consegue enfiar em um só filme política, crimes de guerra, história e o misticismo da cultura do país. Os três protagonistas começam como sujeitos desagradáveis, preocupados com sujeira em seus sapatos caros e ameaçando uns aos outros de traição toda hora, mas lhes dê tempo e você sentirá uma preocupação de mãe por eles. Tribal e moderno, sarcástico e emotivo. Um filme que condena e que celebra, com um pé em Beasts Of No Nation e outro em Um Drink No Inferno, divertido, revoltante, imprevisível, bem montado e um pouco assustador também. 

7 – WATCHER – de Chloe Okuno

Estrelando a nova Scream Queen do momento, Maika Monroe (Mia Goth fica em segundo lugar, Anya Taylor Joy em terceiro) e Burn Gorman que, coitado, nasceu para ser um livro que se julga pela capa, Watcher é uma espécie de Encontros e Desencontros (Lost In Translation – de Sofia Coppola), em uma versão sem romance e muito sinistra. Na história, Julia se muda para o país do marido, cuja língua ela não fala, porque ele conseguiu um ótimo emprego. Perdida pelas ruas de Bucareste e sozinha no apartamento pela maior parte do tempo, ela começa a notar que o vizinho do prédio da frente a observa do escuro do apartamento dele. É isso ou é um manequim na janela tarde da noite, de tão inapropriado e estático que é o comportamento. Pelo que ela consegue entender, tão isolada todos os dias, existe um assassino a solta e mulheres estão aparecendo decapitadas pelo bairro. Algo me diz que colocar cortinas nas janelonas desprotegidas, pode ser uma solução simples, mas temporária para o problema. 

Watcher é tão tenso, que quase causou ainda mais problemas no meu esôfago, já tão comprometido pela coca-cola. Julia está sozinha até quando está acompanhada, porque não tem absolutamente nada de concreto contra o vizinho, para conseguir ajuda pra se proteger dele. Nem da polícia, nem do marido e eu confesso, nem do público. Não há nenhuma evidência, nenhuma ação brusca, na verdade, todos os erros embaraçosos e no limite da legalidade, são cometidos por ela, que não consegue evitar de desconfiar e temer se transformar na próxima vítima, de um homem que pode nem saber que ela existe. Mas é Julia a personagem que seguimos por todo o canto, então se ela se sente ameaçada, a gente tem que pelo menos sentir junto com ela. E sentimos mesmo!

6 – SOMETHING IN THE DIRT – de Justin Benson e Aaron Moorhead

O terror cósmico, ou a tentativa dele, ataca novamente, vindo das mãos sempre hábeis da minha dupla favorita de diretores/roteiristas Justin Benson e Aaron Moorhead, que também estão novamente nos papéis principais do filme. Aqui eles são dois vizinhos que se conhecem em Los Angeles, onde uma fumaça e alguns helicópteros passando, podem ser um incêndio real ou algumas filmagens em andamento. Quando ambos testemunham um evento extraordinário, que acontece somente no apartamento de um deles, eles resolvem documentar outras manifestações que continuam acontecendo no mesmo local. Sendo amadores, capturar em vídeo o que poderia ser a prova definitiva do sobrenatural, fica muito complicado. Sendo amigos recentes, perguntas invasivas, segredos e mentiras acabam dominando a produção, de um filme sobre fazer filmes, onde não temos certeza do que é real e do que é simulado, criando aquela confusão que Benson e Moorhead não vivem sem. 

Something In The Dirt é dedicado a “fazer filmes com os amigos”, mas mesmo que os criadores insiram seus próprios Home Vídeos na edição, junto com uma porrada de outras imagens, usadas para ilustrar conversas paralelas, típicas de quem ainda está construindo a confiança com um estranho, eu duvido que se trate de algo autobiográfico, como foi mais ou menos em The Endless. Eles não estando interpretando a eles mesmos, já que entre outras coisas, a dupla nas telas não sabe o que está fazendo e um deles é claramente menos escolarizado do que o outro. O filme é uma pergunta simples, mostrada de um jeito complexo: Você é o tipo de pessoa que ignora ou que abraça todas as coincidências que vê? Justin e Aaron abraçam com certeza e o fazem com competência e harmonia, mas com este filme, também mostram que estão cientes de como suas carreiras e suas vidas, poderiam ter dado muito errado, se qualquer coisa em suas trajetórias tivesse sido um pouco diferente.

5 – NÃO FALE O MAL (SPEAK NO EVIL) – de Christian Tafdrup

O cenário pode ser belo, mas a trilha diz para a gente não baixar a guarda, sabiamente. Patrick e Karin são holandeses, Bjorn e Loise são dinamarqueses e ele se conhecem durante as férias em uma pousada na Itália. Meses mais tarde, os holandeses convidam o outro casal para passar o final de semana na Holanda. As crianças se deram bem e foi uma estadia tão harmoniosa durante o verão, que os dinamarqueses não podem recusar o convite, mas é aí que está o problema em conhecer pessoas fora do habitat natural delas. O risco de encontrar personagens agradáveis ao invés de personalidades reais é muito alto. Só que ninguém assistindo a este filme poderia suspeitar, que a fantasia seria o completo oposto da realidade.

Não Fale o Mal é o pior da lista em termos de tormento, porque sabemos que os aspectos mais brandos do terror aqui, mostrados no desconforto e no clash de culturas, são tão realistas quanto os aspectos mais monstruosos, com a grande e abominável revelação que nos derruba no final do filme. O último ato é uma reviravolta perversa, mas não uma fantasia típica do gênero. É o que poderia acontecer com qualquer um, quando ignora os instintos e os surtos eventuais de animosidade, em nome da educação e do entendimento. Fofo no começo, tenso no meio e hediondo no final. Talvez forte demais para os apreciadores casuais de terror. 

4 – DEADSTREAM – de Joseph Winter

A sub-celebridade da internet Shawn Ruddy, lida da maneira esperada, por sua personalidade caótica, com um possível cancelamento: fazendo da repercussão negativa uma piada e se possível, gerando ainda mais lucro para o canal dele. Seus vídeos já fizeram muito sucesso por um bom tempo, com direito a investidores de fora e merchandising próprio, porque a ideia do vlog era muito legal. Em cada vídeo, Shawn abordava um medo pessoal que ele se propunha a superar, enfrentando a experiência com a chacota habitual. Com a iniciativa de voltar a ser um streamer monetizado e reascender o interesse dos seguidores, ele decide fazer uma live onde o tema é o maior dos seus medos, os fantasmas! A proposta é passar uma noite inteira em uma suposta casa mal-assombrada, algo que qualquer youtuber conseguiria simular, com alguma grana e uma casa grande e velha. O que o público recebe, no entanto, está longe de ser uma simples tentativa de manter a relevância. Aquilo é real, ou Shawn é tão competente que merece mesmo uma segunda chance?

Deadstream é um found footage, tão legítimo quanto qualquer um que você já tenha visto, ou seja…  O filme é uma zoação tão gigantesca, que não paramos de questionar nada do que vemos, ao mesmo tempo em que também não paramos de tomar sustos, em um terror ao mesmo tempo esculhambado e muito bem coreografado, para parecer uma insanidade sobrenatural, ao estilo de A Morte do Demônio, só que ininterrupta. O diretor Joseph Winter, que também interpreta Shawn, faz seu personagem suar em um filme eletrizante, grotesco e hilário, um dos mais divertidos do ano, tirando sarro de dentro para fora da cultura dos influencers, com seu público infantil e cínico e da cultura do terror também, com seu público impressionável e eternamente apavorado.

3 – HELLBENDER – de John e Zelda Adams e Toby Poser

Eu já vi muitos filmes sobre bruxas, mas nenhum me fez temer tanto o potencial da bruxaria quanto Hellbender. Sabe aquelas bandas de heavy metal com look demoníaco, que você jamais indicaria para o seu amigo crente, para ele não pensar besteira de você? Pois o seu amigo crente pode ter razão no julgamento. Izzy e a mãe tem uma dessas bandas, com maquiagem gótica e tudo. Só as duas, estilo White Stripes, em uma bela demonstração de sintonia e harmonia, mas não há igualdade. Elas moram em uma propriedade afastada no meio da floresta, em uma cidade minúscula, mas só a mãe tem a permissão para sair e ver pessoas. Izzy tem uma doença contagiosa a qual só a mãe é imune. Os passeios à civilização são apenas para comprar coisas divertidas como cds e obras de arte, porque comida elas catam pelo mato (notem que eu não falei de plantação ou caça). Mãe e filha são veganas, não comem carne nem nada de origem animal de jeito nenhum. Não podem arriscar pegar gosto pelo estritamente proibido e possivelmente desastroso.

Uma produção em família, Hellbender tem mãe, pai e filhas da vida real, trabalhando atrás e na frente das câmeras, com um filme que leva feitiçaria tão a sério, que nos faz até aprender a reconhecer encantamentos só de bater os olhos nos ingredientes. Efeitos visuais super inventivos para um orçamento tão modesto e uma narrativa em que a tensão é crescente, até ficar monstruosa. Há algo sombrio se aproximando no horizonte, ou no terceiro ato, que é o termo menos poético, mas igualmente ameaçador. Sobra para o público aguardar o inevitável, enquanto as meninas do filme se divertem de uma maneira bem peculiar. Um ótimo independente, sobre a rebeldia adolescente elevada a parâmetros infernais, para ensinar que não dá para ser mãe e amiga ao mesmo tempo. 

2 – THE INNOCENTS – de Eskil Vogt

Utilizando um grupo de crianças, que vai da benção mais absolutamente angelical ao digamos, mais propenso a uma vida adulta cheia de crimes e crueldade, o diretor nórdico Eskil Vogt conta uma história apavorante sobre a luta do bem contra o mal, onde as proporções do combate chegam a níveis apocalípticos, tendo heróis e vilões com mais truques na manga do que as aparências mostram. Se bem que, como sugere o desfecho do filme, no qual todos milagrosamente sentem a partida de um semelhante; qualquer um de nós, independente do tamanho ou de super poderes, tem a capacidade para realizar feitos incríveis e para causar desastres irreparáveis. 

Na história, Ida e sua família se mudam para um condomínio cheio de crianças, onde a menina tem muitas dificuldades para fazer amigos, como sempre teve, por ter que cuidar da irmã mais velha com autismo severo. A vida toma um novo rumo quando ela conhece Ben, outro solitário esperto, divertido, com muita imaginação e um talento nato para a telecinese e a telepatia, mas poucas relações de afeto e referências positivas. Com o bullying se intensificando dentro e fora de casa, o menino começa a reagir às adversidades de maneiras cada vez mais violentas, o que assusta Ida e a deixa em estado permanente de tensão. Se Ben está se desenvolvendo em um super-vilão, é a função dela tentar encontrar um futuro super-herói, nem que seja para estabelecer o equilíbrio na vizinhança.

1 – NOITES BRUTAIS (BARBARIAN) – de Zach Cregger

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Na humilde opinião desta amadora na crítica e profissional no amor pelo terror, este foi realmente o melhor, em um ano repleto de coisas muito boas. O diretor Zach Cregger não possui apenas a habilidade de suspender, com muito bom humor, a sensação de pânico no ápice sem perder o nosso interesse, mudando o tom e a ambientação do filme de tempos em tempos até que chegue um outro pico de pânico. Ele também tem a habilidade de substituir medos muito reais, como não ir bem em uma importante e decisiva entrevista de emprego, ou estar só com um charmoso estranho em um bairro quase deserto; por medos que nunca imaginamos ter, como coisas que acontecem neste filme, que eu ainda não ouso mencionar para não estragar a festa de ninguém. 

Noites Brutais é literalmente uma montanha russa. Mesmo quando estamos experimentando as partes mais sossegadas do passeio, não dá para relaxar. Na história, dois desconhecidos reservam acidentalmente a mesma casa por uma noite, na parte mais fantasmagórica da cidade quase abandonada que se tornou Detroit. É incrível, vendo o trailer mais uma vez, perceber que ele não revela quase nada e ainda cria expectativa no público, mas nem teria como revelar mais do que pedaços da primeira parte do filme e continuar com coesão, porque a loucura de eventos inesperados e personagens bem construídos que nos enganam o tempo inteiro, é algo que só funciona em um longa muito bem escrito e dirigido. Parabéns Zach, com selo tomatinho de aprovação, estarei acompanhando sua carreira de perto e com muito carinho! 

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