A Marvel invade o nosso espaço, com direito àquela vinheta que enjoamos de tanto ver, sendo repaginada excepcionalmente para obedecer ao tema, mas Lobisomem na Noite estrelado por Gael García Bernal, não parece muito com os tradicionais filmes de super heróis e sim com os lendários clássicos de terror, iniciados entre os anos vinte e trinta, encerrados entre os quarenta e cinquenta, sendo reanimados esporadicamente nas décadas seguintes. Mas eu acho que era essa a ideia mesmo: não ser como os outros inspirados pelos quadrinhos ainda, é muito curto para isso. Trata-se de uma introdução ao segmento dos monstros da editora de comics, produzida demais para ser o primeiro episódio de uma série e curta demais para ser toda a história do personagem. É um especial de Halloween (que eu peguei com alguns dias de atraso), que não alcança nem uma hora de duração, pomposo, mas não dramático; engraçado, mas completamente capaz de arrancar bons sustos.
Em uma dimensão bastante estilosa no multiverso dos quadrinhos, destemidos guerreiros provam seu valor, matando os vilões inspirados na Era Dourada de Hollywood, mais precisamente os monstros do terror, como vampiros e outras criaturas sobrenaturais, enquanto o resto da humanidade somente os reconhece como instrumentos de entretenimento, na literatura ou no cinema. Seguindo a tradição de suas famílias, devotas ao extermínio de ogros e outras ameaças terríveis, caçadores são treinados para o combate, geração após geração, para assegurar o controle do surgimento dessas aberrações entre a população normal. A mais atuante destas dinastias de protetores da humanidade, acaba de perder seu patriarca, uma figura que era a cara do deboche ou da frieza, dependendo de quem o descreve. Ele era também por direito o guardião da Pedra de Sangue, um amuleto poderosíssimo que permite ao dono, entre muitas vantagens, reinar sobre os dirigentes das outras casas. O velório no Templo Sagrado, reune representantes das outras linhagens, só que não apenas para a despedida do morto. Sempre que o objeto especial fica sem dono, uma caçada extraordinária precisa ser realizada com um representante de cada família, para determinar quem será o próximo a ficar com o amuleto e exercer o domínio sobre o grupo.

O compositor Michael Giacchino faz uma ótima estreia na direção, com um filme despretensioso e muito divertido que homenageia os avós dos vilões do cinema de terror, misturando o clássico e o contemporâneo, com um preto e branco granulado na tela, capturado por enquadramentos modernos. O design antiquado das criaturas abatidas, com suas cabeças como troféus nas paredes, contrasta com o frescor excêntrico no visual dos caçadores, dificultando a localização do período no qual se passa esta história escrita para a t.v., mas com notáveis “queimaduras de cigarro”, que insinuam registro do filme em película, assim como exibição em cinemas. Eu me perguntava como seria a transformação, sabendo que nada ainda superou Um Lobisomem Americano em Londres (1981) e que bom foi constatar que a direção, ciente do tiro no pé que poderia ser uma recriação daquela sequência icônica, decidiu nem tentar. A criatura título, possui exatamente a configuração que precisa ter, sem exceder os limites da maquiagem da época usada como referência. Para preservar a dignidade dos traços modestos, eles são mostrados em instantes breves de iluminação estroboscópica, mantendo o mistério e a reputação, tão bem trabalhadas antes do bicho aparecer.
Uma aparição grotesca, porém festiva do morto dá o pontapé inicial para o início dos jogos. O corpo mal esfriou, mas o costume exige que durante uma noite sangrenta, que é o tempo no qual o filme se passa, os habituais colaboradores na perseguição contra os bichos, precisam lutar entre si para obter o grande prêmio, utilizando somente as ferramentas disponibilizadas pelo anfitrião, que oscilam entre o medieval e o steampunk, com uma fera solta entre eles no sofisticado e complexo jardim da propriedade. O vencedor será o novo senhor da Casa-Sede, o detentor da última palavra sobre qualquer disputa, será protegido pelo poder do objeto e poderá usá-lo para atacar o inimigo com mais eficácia também, então entre flores e arbustos, não é de se estranhar que todos se submetam ao torneio no qual a morte é uma certeza para a maioria. Com a intenção Highlander de ser aquele que sobra no final, é surpreendente o entusiasmo com que muitos deles avançam sobre os competidores, dando a entender que monstro pode ser um termo subjetivo neste conto. Para atrapalhar os planos dos sem remorso, um imprevisto chega na história pelas mãos de um dos caçadores. Mãos pacíficas demais para pegar em armas, mas também descontroladas e perigosas demais para não serem as próprias armas.

É uma fantasia muito bem feitinha, com uma belíssima direção de arte, trilha sonora super compatível e uma homenagem escancarada, com escolhas artísticas não palavras, a um clássico fora do gênero: O Mágico de Oz (1939). O que é bem apropriado, porque a saga de Dorothy também envolve personagens bizarros que parecem hostis a princípio, mas se revelam amigos verdadeiros e prestativos contra inimigos sedentos por poder. Só que Lobisomem se mostra bem diferente de Oz, quando explora as dinâmicas da convivência entre os personagens, com muito mais cinismo e uma violência que A Bruxa Malvada do Oeste, jamais teria ousado executar. É parte da modernidade atrevida e escandalosa, que invade a orquestra dos ancestrais do terror, para separar direitinho as eras, com um pouco mais de força do que técnicas atuais de filmagem.