Ah sim, o outro filme do diretor, que já estava famoso na época do lançamento com apenas um longa no currículo. Em 2019 muita gente foi ver Midsommar, esperando um filme como Hereditário, que uniu em harmonia as vozes dos fãs do gênero, para declarar que aquele era o terror do ano. Ficou claro para uma platéia recém formada e já decepcionada, que o mais recente de Ari Aster não era, de fato, o melhor do ano dele. Que o diretor corria o risco de ser apenas um one hit wonder. Houve uma divisão na fanbase, entre os que não conseguiam entender qual era o objetivo da produção e os que gritavam que este era o pior filme já feito. Para mim, se tornou um assunto evitável, não proibido, é claro, é que fica chato depois de algum tempo, ver a mesma expressão de desgosto, seguida pelo clássico e categórico “eu não gostei”, quando perguntava sobre a opinião de outros cinéfilos, sem mesmo estar certa da minha. Agora que me pego assistindo à versão de quase três horas do diretor, neste final de 2022, quando estamos ativos no blog novamente, com aquela febre de mexer com o que está quieto, que só vai passar com um post a respeito, então… vamos falar sobre Midsommar. Eu tenho uma pequena teoria.
Os primeiros cadáveres do filme, são alguns dos mais dolorosos de se ver, desde que aquela menina esquisita perdeu a cabeça para um poste. Não há sofrimento nas mortes, nenhum, mas não há nada como detalhar o planejamento de um suicídio-homicídio, envolvendo membros da mesma família, para amplificar logo nos dez primeiros minutos do filme, a aura macabra de uma situação já pesada. Existe um cuidado para mostrar a organização na execução do ato, porque é só nisso que a protagonista desta história, que escapou por ser a filha que mora longe, vai conseguir pensar, logo que parar de perguntar à irmã morta, como ela pôde partir levando todos menos ela. Dani está completamente destruída! Alguns meses se passam e quando a vemos novamente, podemos somente imaginar como tem sido sua temporada no inferno. Culpa, mesmo que nunca tenha ignorado as crises da irmã. Desespero, que só dá trégua quando a depressão fala mais alto. Ela está sozinha, mesmo que Christian esteja ao seu lado o tempo inteiro. Ele faz o melhor que pode, porque a verdade é que o namorado já estava com um pé fixado na porta, antes da loucura toda acontecer.

No ano anterior, Ari Aster nos mostrou a desintegração de uma família tradicional, pela influência de terceiros; aqui, ele apresenta outro tipo de família. Enorme e em constante estado de metamorfose, pelas necessidades dos membros antigos e pelas dos que sempre chegam. Os tradicionais de Midsommar nós nem chegamos a conhecer. Não é a toa que Hereditário tem este nome, já que linhagem é um pré-requisito somente do primeiro filme. Eu sei que é um pouco estranho, comparar dois filmes para formar a análise de apenas um deles, mas para mim os dois estão completamente conectados. As ações de dois cultos movem as duas histórias. O do primeiro filme, idolatra um demônio, o do segundo, só coisas boas, como eles mesmos dizem o tempo inteiro. Uma seita não vê seus métodos como cruéis, a outra não liga para isso, porque os meios não importam. Ambas protegem seus símbolos, usam corpos como ornamentos e acreditam que sacrifícios precisam ser feitos para agradar ao grande líder. Ambas manipulam para conseguirem o que querem, apesar de que em Midsommar os motivos parecem ser melhor justificados e sem tanto terrorismo. Isso pode ser também apenas a impressão que se tem, quando o filme acontece do ponto de vista do outro lado, onde todos sorriem o tempo todo sem malícia ou remorso.
Literalmente convidada em cima da hora e por pena, mas mesmo assim, sendo a única que se preocupou em aprender algumas palavras na língua nativa, Dani segue para a Suécia nas férias da universidade, com o namorado e os amigos dele. Pelle, com formação em artes, chamou os aspirantes a antropólogos de quem se tornou amigo, para visitar sua pequena e fechada comunidade camponesa, no interior do país, para as festividades da chegada do verão. Algo importante está para acontecer, um evento que só se repetirá em algumas décadas e esta é a oportunidade perfeita para aqueles no grupo que buscam um tema para a tese de conclusão de curso. Josh já está estudando os costumes, Mark está louco para conhecer mulheres suecas, Christian está sufocando e Dani, que depois da viagem de avião, da viagem de carro e da viagem de cogumelos, chega finalmente em um lugar onde o clima é de quanto mais gente melhor, se sentindo acolhida como não tem sido há muito tempo. Vale mencionar no entanto, que Pelle não é o único membro da comunidade regressando após uma longa temporada fora, acompanhado de estrangeiros para celebrar o solstício. Não tem um rostinho naquele lugar, que não esteja em plena felicidade com a chegada dos novos visitantes.

A comunidade engana aos forasteiros, não ao público e esse é um dos aspectos mais estranhos da narrativa. Enquanto o outro filme era uma surpresa terrível após a outra, Midsommar é propositalmente previsível. Em mais de uma ocasião, bem mais, o plot do filme é desenhado e comunicado para quem estiver prestando atenção, porque a ideia é essa mesmo, que ninguém se atreva a torcer por um desfecho diferente. Todas as decisões já foram tomadas antes de o filme começar, nos basta apenas testemunhar o quão perdido um ser humano precisa estar, para aceitar em poucos dias os termos e condições de um contrato vitalício, fechado com um culto que não faz nada de mal para os de fora que não faria para os de dentro, mas ainda é um culto. Christian esquece o aniversário da namorada, trai Dani e Josh de maneiras diferentes, mas não se coloca o bocó dentro de um urso e joga na fogueira! Amiga, termina, arruma outro. Ninguém perguntou o que fez a avó do primeiro filme de Aster, se tornar uma seguidora tão fiel do capeta, a ponto de abandonar qualquer um por ele, mas o diretor nos fornece uma resposta mesmo assim. Tudo é sobre pertencimento. Dani não quer só um novo lar, ela quer alguém para dividir de verdade suas dores e acaba encontrando dezenas de pessoas para isso. Ela é a velhinha do outro filme, só que na juventude. Bom, é uma teoria e não tinha a mínima intenção de mudar gostos pessoais, apenas oferecer uma nova perspectiva sobre o direito que esta produção tem de existir. Eu sei que o filme é excessivamente longo, parado, que poderia ser mais sutil, mas este pode ser o único caminho para explicar coisas como o Cerco de Waco, ou tragédias como a de Jonestown. Desenhando!