ATERRORIZANTE ( TERRIFIER ) – 2016

Começa com uma televisão de tubo mixuruca, cheia de interferência nas imagens. Na tela, quando o chiado permite, está a final girl completamente desfigurada, dando uma entrevista para um programa local. Ela é a infeliz sobrevivente de um massacre, cujo número de mortos ainda não sabemos. A qualidade precária não pertence somente ao aparelho de t.v. e à propósito, ele pertence ao maníaco assassino. Estamos nos aposentos do vilão! Áudio com eco, iluminação colorida, imagem granulada, quase nada de externas, maquiagem e efeitos amadores. O final dos créditos confirmam que se trata de uma homenagem, mais especificamente a alguns dos barões do terror que já se foram: Tobe Hopper, Wes Craven e George Romero, mas o clima é de trabalhos bem menos famosos, como os terrores cafonas de baixíssimo orçamento, esquecidos na sessão terror das prateleiras das vídeo locadoras dos anos 80. 

Art, o palhaço desempenhado com um entusiasmo revigorante pelo desconhecido e talentosíssimo David Howard Thorton, é um personagem completamente absurdo com aspirações de virar um monstro famoso de slashers, o que poderia ser um problema, considerando o tempo em que ele é exposto na tela. Carismático e sarcástico, ele é mudo, mas extremamente expressivo, sendo até bem engraçado em diversos momentos, sempre inapropriados. O tipo de figura que Myers, Voorhees e outros mais contidos desprezariam, mas é isso o que ele quer mesmo à princípio, não ser levado a sério. Facilita seu trabalho se as pessoas o subestimam. Ele quer um espetáculo, onde ele é ambos, a diva e o público em um show sobre a carnificina furiosa que ele não possui nenhuma intenção de controlar. Que o seu jeito fanfarrão não engane os desavisados. Art é uma ameaça em qualquer momento que aparece e ele dificilmente desaparece. A gente ri com ele por segundos esporádicos e o teme pelo restante do filme. Nasce uma estrela moderna… matando e tirando selfie.

A “história” acompanha duas desmioladas perambulando pelas ruas em roupas reveladoras, tentando ir para casa após uma festa de Halloween. É importante ressaltar que não existe muito suspense aqui. O que Art gosta, Art destrói! Ele pode até assustar com uma aparição repentina, mas não é bem uma questão de “se” ele vai matar, é mais sobre quanto tempo ele toma para completar a própria diversão. Ele segue as meninas sem discrição, encarando uma delas com um sorriso abusado. A trilha sonora bate continência descarada ao terror trash, parecendo ser exatamente a mesma de tantas outras produções baratas de décadas atrás. A narrativa também é familiar, com as duas garotas perdidas no bairro barra-pesada, o assassino fungando na nuca delas e algum personagem vindo para o resgate, ciente apenas de que o carro deu problemas. Eu só não me lembro de as vítimas antigas serem tão burras, das mortes serem tão cruéis ou do vilão trapaceando com arma de fogo. 

O filme tem poucas locações, mas uma delas se divide bem em vários ambientes, servindo de cenário para a maior parte da ação do filme. Um prédio com ar de abandonado com corredores, porões, pequenos estacionamentos e depósitos, que conseguem ser diferenciados por características marcantes, onde vítimas em potencial correm e se escondem, sem encontrar portas abertas em canto nenhum, fazendo do lugar um verdadeiro e apavorante labirinto. O filme é curto, mas pesado e eu não o recomendaria para quem não está acostumado com a violência bárbara de algumas produções de terror. Só que ainda é um terror e tanto, com um medo palpável em quase todas as sequências, principalmente pela presença de Art, que brilha sem nenhuma amarra, em um filme onde a impressão é que todos foram orientados para fazer o seu pior. 

ATERRORIZANTE 2 ( TERRIFIER 2 ) – 2022

Se o palhaço infernal, Art, possui aspirações de ser o próximo Michael Myers, igualmente silencioso e sanguinolento, enquanto apronta na noite de Halloween, ele não pode permitir que uma simples bala de fogo na cabeça seja fatal! O segundo filme começa exatamente onde o primeiro acabou, mesmo que a nova história seja no Dia das Bruxas do ano seguinte. Não dá para tentar encaixar Aterrorizante 2 em lógica, porque mesmo que o primeiro filme não tenha se posicionado na categoria de totalmente sobrenatural, até que a última cena deixasse isso bem claro, o segundo é declaradamente uma fantasia de terror, com sua própria heroína medieval segurando uma espada mágica. Tendo esclarecido que esta sequência escolheu seguir o caminho encantado, onde o assassino não mais esbarra com a vítima na rua, porque ele já sabe milagrosamente o endereço dos desafortunados, saiba que o vilão ainda é no fundo um homem do povo, tirando o sangue do filme anterior na máquina de lavar, antes de matar novamente.

A edição de som continua propositalmente tosca e os sintetizadores ainda dominam a música de fundo, mas algo está muito diferente aqui. Temos locações de verdade ao invés de uma produção com ares de que foi feita na surdina, como se o dono do lugar não tivesse autorizado filmagens. Atuações de verdade, apesar de que a maioria das mulheres foi instruída para interpretar com uma histeria cômica. O upgrade no nível técnico está estampado em sequências elaboradas de sonhos e alucinação. São mais de duas horas de filme, uma ousadia para uma continuação ainda considerada independente. Uma equipe gigante é creditada e a cena pós créditos é tão longa que quase vira um curta-metragem, ironicamente. Mas não é apenas o descarte da atmosfera de homenagem trash e o generoso investimento financeiro que separam este trabalho do anterior. Aterrorizante 2 está em uma cruzada para se elevar ao status de cult da nova geração, ou pelo menos, a um patamar que o destaque, em um mar de slashers que agora são feitos com mais facilidade e frequência do que nos anos 80.

Com toda a palhaçada, o filme é muito tenso. Um grande feito para um monstro sem história, sem um motivo ou ranço específico, que literalmente foi manifestado e saiu matando, sempre causando medo em todas as cenas em que aparece. Ele é imprevisível no ato circense, mas certeiro como ceifador. O que nos faz rir nervosamente, porque ele é engraçado, só que a gente espera que ninguém faça movimentos bruscos na frente dele. Os métodos de matança são sempre monstruosos e eu confesso que nesta missão de tentar desbancar da posição legítima filmes como Holocausto Canibal e A Serbian Film, na lista de “menor probabilidade de serem revistos” ou “para serem usados como ritos de passagem aos estagiários do terror”, o diretor Damien Leone deu uma exagerada nos índices de crueldade de seu protagonista. Ninguém morre rápido no filme, Art não deixa, mas existe uma cena e você saberá qual é, que me deixou boquiaberta e imaginando até agora, como ela pode ter acabado, já que até o que não é mostrado, invade a mente pavorosamente. O criador certamente não queria que sua obra fosse esquecida.

Desta vez há uma história de verdade e nela, as duas periguetes perdidas, são substituídas por uma família de classe média, lidando como pode com a morte do pai, um talentoso ilustrador que aparentemente enlouqueceu e se matou, mas não antes de deixar desenhos proféticos sobre o destino dos descendentes. As consequências do horror provocado pelo palhaço assassino no Halloween anterior, ainda são sentidas na cidade. Como a data que se aproxima novamente pede trajes reconhecíveis, não é de se estranhar que Art sirva de inspiração para alguém. Mas o original ainda está à solta e Siena, a adolescente da família, acaba invocando a presença do vilão que nunca parece ter rumo, de uma forma bastante incomum, mas não inédita… um pesadelo, provocado pelo teor grotesco das histórias contadas sem filtro, pelos amigos nos corredores da escola. O assassino se aproxima aos poucos, ainda se acostumando com a própria condição de monstro demoníaco, abraçando e se divertindo com os próprios tormentos, pressionando Siena a tomar a desconfortável posição de heroína, por mais despreparada que ela esteja. Não se preocupe, querida, Ash também não virou ícone da noite para o dia e além do mais, você divide a tela em desvantagem proporcional, com uma verdadeira estrela do terror. Incrivelmente carismático, assustadoramente violento.

Advertisement