Quando Laura chega se esgoelando no hospital, ela ainda tem um resquício de esperança, porque não se ligou que não vai ser a personagem principal deste filme. A psiquiatra Rose Cotter, detentora majoritária do protagonismo, avalia a paciente Laura superficialmente como alguém que está sofrendo de um surto psicótico. Não é apenas o pouco tempo que elas terão juntas, mas a descrição do motivo para o pânico, que não dá muita opção para a doutora. A paciente passou a enxergar as pessoas, familiares e desconhecidos, sorrindo de maneira excessiva para ela. Essa não é a única reclamação, não é tão simples, mas uma vez que se estabeleça que tecnicamente não há risco que justifique tanto desespero, uma barreira é imposta entre as duas e Laura que era uma estudante sem histórico de doenças mentais, se torna aos olhos de Rose, mais uma pessoa no local que precisa de medicação controlada. Não é por decisão própria, mas a paciente consegue se livrar do quadro clínico rapidamente, deixando a maldição de herança para a psiquiatra.

Este é o primeiro longa do diretor Parker Finn que, ousadinho, já demonstra não ter problemas com truques de câmera complexos, ou em renovar clichês do terror para criar cenas pesadas para qualquer pessoa. Sorria é um filme que parece ser o meio de um conto gigantesco, sugerindo de maneira plausível pelo menos no pensamento coletivo do público, ideias para continuações e para um filme de origem, simultaneamente. O estrelismo da psiquiatra é tão temporário quanto o da paciente nesta história, porque a história pertence realmente a outro ser, com um prazer enorme em brincar com suas vítimas, utilizando uma disposição cômica da qual ninguém compartilha. Sosie Bacon (filha do Kevin) com seu primeiro papel de destaque no cinema, trabalha muito bem no papel de Rose, uma profissional da saúde mental com o costume de enterrar seus sofrimentos, vivendo uma vida de contos de fada na qual não se encaixa. Outro grande destaque é a desconhecida e talentosa Caitlin Stasey, interpretando Laura com tanto pavor e credibilidade, que só podemos lamentar sua breve estadia.

O filme segura bem o clima de normalidade ao redor de Rose, enquanto ela atribui ocorrências estranhas ao estresse, por decorrência do hábito de manter suas angústias sempre muito bem escondidas. No meio tempo, o diretor foca a câmera em alguns sorrisos falsos espalhados pelo mundo, em publicidade ou coisas do tipo. É quando não se pode mais ignorar o que está acontecendo, que Rose é lembrada das consequências de revelar histericamente, as visões sobrenaturais para os colegas de profissão, familiares e amigos. Somente quem a quer muito bem e não é uma lista longa, está disposta a responder a um chamado por ajuda, que nem Rose sabe se terá efeito. Algo similar a Corrente do Mal (2014) começa a tomar forma na narrativa, assim que a doutora aceita que foi amaldiçoada. Para o nosso deleite, uma investigação bem interessante toma conta do filme, na qual Rose precisa traçar o curso da entidade que a persegue, com a segurança e a precisão de evidências policiais, para se salvar do mesmo destino de Laura e diversos outros e evitar de passar a praga adiante.

A campanha publicitária de Sorria foi sensacional. Além de um par de trailers convidativos, a equipe de marketing do estúdio colocou atores em arquibancadas de jogos e em platéias de outros eventos televisionados não-ficcionais nos Estados Unidos. Tudo o que eles fizeram foi sorrir ininterruptamente, para causar aquele burburinho sinistro e marcante. O filme no entanto, não tem o mesmo espírito brincalhão do vilão ou da produção. Não há mesmo um momento de leveza, mas eu acho que a falta de humor não é uma ironia em meio a tantos sorrisos, quando o tema fala de traumas mal resolvidos. 

Eu nunca ouvi falar em medo da simpatia. Porque isso é o que simboliza, não é mesmo, um sorriso? O medo é do exagero no gesto, da falsidade que ele sugere. No filme, a contração excessiva da face e a exibição de um número desnecessário de dentes, indica que o portador do bom humor o alcançou artificialmente, de uma hora para outra, o que seria muito improvável. Ele está fingindo, ou não é mais ele usando aquele corpo. O risco de fazer um terror de quase duas horas, com uma proposta tão incomum como esta, era cair no ridículo, como uma propaganda prolongada de creme dental que não dá medo em ninguém. Eu admito que a parte final deixa um pouco a desejar, perdendo o compasso e se tornando arrastada e previsível, mas ainda é realmente assustadora, até na overdose de alguns artifícios. A parte de mim que finge ser mais elegante do que é, como Rose ao lado do seu príncipe encantado, estava desprezando os sustos repentinos no filme. O restante de mim, adorou cada um deles. 

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