Não é uma maravilha, quando a preguiça elevada a níveis estratosféricos, que provoca ranço no alarme tocando as dez da manhã, te faz escapar do apocalipse zumbi programado para chegar com os galos e pegar só os mais esforçados? Pois é isso o que acontece com o nosso herói acidental Joon-woo Oh, cujo único compromisso naquele dia era com os parceiros do jogo online. Eu não deveria fazer suposições, porque cada um sabe de si e ele parece bem novo, um estudante talvez, poderia ser um sábado, apesar de que tinha muita gente na rua logo cedo para ser um dia de folga… o quarto do rapaz é cheio de equipamento high tech e objetos de colecionador… o apartamento é arrumadinho, mas a família certamente não é rica… ou seja, minha aposta é no desemprego e na mudança de volta para a casa dos pais, porque não é possível que tudo aquilo foi pago com mesada… enfim, que seja! Ele deu sorte! Pais amorosos e um ambiente seguro para morar são motivos para agradecimento e não julgamentos. Se tem uma coisa positiva extraída de pandemias, é a oportunidade para a reinvenção e é isso o que vai acontecer neste filme. Mais ou menos, porque eu achei hilário ele ainda perder a hora, dormindo além da conta em momentos que poderiam ser decisivos para a própria sobrevivência!
O filme é muito (muito mesmo) parecido com o francês A Noite Devorou o Mundo (2018) e o alemão Berlin Undead (2010), mas por mim eles podem fazer um terror zumbi, com um coitado isolado em um apartamento, em cada grande cidade deste planeta. É como se o evento estivesse acontecendo simultaneamente e cada país elegesse um sobrevivente que representasse a própria cultura. Os coreanos se expressam através de um protagonista inadequado para a tarefa, acostumado com conforto e facilidades tecnológicas, esperando uma pessoa mais habilitada chegar para tomar decisões. O que mais difere este filme de suas inspirações internacionais, é o espírito cômico muito presente em qualquer filme da Coreia do Sul. Por mais que a situação seja desesperadora, não é permitido ao público assistir a nada com muita seriedade. As mortes que o jovem assiste da sacada do apartamento, nunca são trágicas. Uma tentativa de estabelecer comunicação é encarada como uma peripécia. “Olha a arte!” – nós pensamos. Dividir os poucos suprimentos em pequenas porções diárias, ainda provoca pena, acompanhado do pensamento de que se ele tivesse comprado comida como a mãe pediu, não estaria naquela situação. Bom, não deu tempo, porque ele ia comprar, depois do videogame.

Os infectados são rápidos e conseguiram manter um resquício da memória, sobre suas antigas profissões na sociedade e o funcionamento básico de portas. A transformação lembra as contorções exageradas de outro coreano de sucesso, Invasão Zumbi (Trem Para Busan), assim como a aparência dos seres que atacam até uns aos outros do lado de fora do apartamento. O andar onde Joon-woo está não é muito alto e existe um conjunto de sacadas perfeitamente escaláveis do lado de fora, só que tem muitos contaminados no pátio do condomínio. Oficialmente ele está sozinho, mas é importunado com frequência pelos vizinhos, mais vezes do que uma pessoa normal sobreviveria. Existe aqui uma vantagem em ser sossegado, em ter paciência, porque um homem mais dinâmico teria se arriscado nas ruas cedo demais. Joon-woo possui um drone, o que possibilita que ele e a gente saiba o que se passa na vizinhança inteira. É um ótimo recurso para não permitir que a história se limite ao sofá do rapaz e ainda bem que não é o único. Quando a esperança parece perdida, uma vizinha aparece, sem que isso signifique ainda mais divisões de comida. É a Coreia dizendo que não é só de sorte que a sua população sobrevive.
Sem grandes pretensões, já que terror não é para todos, #Alive conseguiu se tornar um dos maiores sucessos da Netflix na época do lançamento. Não me surpreende, já que quando despimos a história dos aspectos mais grotescos relacionados aos mortos-vivos, ela vira basicamente uma crônica com a qual muitos poderiam se identificar sobre isolamento forçado, agravado pela falta de posses e informações. O aumento na demanda do consumo de entretenimento, elevando o serviço de streaming à categoria de primeira necessidade durante a quarentena, foi a combinação perfeita para garantir o alto número de visualizações. Tudo o que a gente queria era um filme que nos representasse, só que com condições ainda piores, para dar aquela levantada na auto estima. Tudo ficaria bem por algumas horas, se pudéssemos ignorar as notícias do mundo real, com seus índices e gráficos cada vez mais desoladores e fingir que poderíamos ser mais ágeis e bem preparados do que o protagonista, em uma pandemia falsa onde o inimigo é visto de longe.

Existem balas de fogo neste universo, mas elas são raras e eu agradeço. Quando os zumbis são difíceis de combater, não por adquirirem poderes extras, mas por ainda serem de carne e osso, apresentando as mesmas dificuldades de confrontos naturais, o filme se torna mais interessante. A presença constante e evitada da ameaça do lado de fora, força certas atitudes e amadurecimentos que movimentam produções com pouca grana e poucas locações, de uma maneira mais competente e marcante. Se perde um pouco no terceiro ato, adicionando um elemento que acaba sendo desnecessário, não interferindo no desenrolar dos acontecimentos de maneira positiva ou negativa, mas esta é uma história divertida sobre esperança e solidariedade, realizada com amor e dinamismo, que merece ser vista e ainda revista mesmo agora, que o pior já ficou para trás, para nós do mundo real.