Tem uma crítica que está bombando de acessos neste blog, do filme Meu Amigo Dahmer – (2017) e existe uma grande probabilidade de aquele não ser o texto que a galera está procurando. O post mais antigo é de um filme baseado no livro escrito por um ex colega de classe de Jeffrey, sobre a adolescência do personagem infame. O texto abaixo é sobre a recém lançada minissérie da Netflix, que relata sem pressa alguma em dez capítulos, toda a vida doentia do assassino canibal, ainda muito presente no imaginário coletivo do mundo inteiro. A obra foi claramente realizada para arrancar do pedestal de figura fascinante e quase sobrenatural, um homem que entre muitas coisas medonhas, sempre parece estar fedendo quando aparece nas telas, mesmo estando arrumadinho. O produtor Ryan Murphy, de American Horror Story e muitas outras coisas, pede que o público pare de idolatrar o monstro. Ele não podia ter fãs (e ele ainda tem), só podia ser preso e tomar uma bela chuveirada.
Como o seriado enfatiza, ele não era um cara cuidadoso. Não tinha magnetismo assustador de um Ted Bundy, ou a capacidade de manter uma boa reputação em sua comunidade, como um Dennis Rader. A vida de Jeffrey Dahmer foi marcada pela auto sabotagem inconsciente, fruto das imprudências de um homem que não sabia viver normalmente, por períodos de tempo significativos, nem por fingimento. Ele morava em um apartamento e cometia os crimes cercado de vizinhos. Quando uma nova vítima chegava, sob promessas de servir de modelo fotográfico em troca de dinheiro, o local ainda exibia vestígios explícitos da vítima anterior. Ele não se incomodava muito com possíveis testemunhas, ou com o cheiro de decomposição. Eu não acredito que terei a audácia de usar um termo destes, mas Jeff não era um “assassino em série comum”. Ele não tinha interesse em participação, ou seja, o objetivo não era a tortura, era o sacrifício que deixava um manequim de carne e osso para ele. O nível da compulsão beirava o infernal. Não tinha uma vida de fachada. Se ele não estava matando e comendo ou brincando com o corpo, ele não parecia ter outros interesses.

A minissérie menciona outros sociopatas, mostrando até cenas longas e bárbaras sobre as vítimas deles, com a intenção de reforçar o quanto Dahmer se destaca, como se houvesse um entendimento sobre a justificativa da fama. Ele não era apenas diferente pelo destino grotesco que dava aos homens e meninos que matava. Jeff tinha uma necessidade muito grande de estabelecer conexões com as pessoas. Uma cena chama a atenção, após a morte da primeira vítima, quando o assassino ainda não consumia suas caças e não sabia que preferia que estas conexões fossem com pessoas inconscientes. O pai de Jeffrey está quase ouvindo uma confissão do filho, quando se distrai e interrompe o discurso que poderia ter salvado muitas vidas. Depois de preso, Dahmer não escondeu nada, detalhando até mesmo encontros frustrados com quase vítimas. Ele mesmo dizia que não era louco, que sabia exatamente o que estava fazendo, só não sabia o porquê da própria condição. Ninguém mais do que ele procurava uma explicação, mas é claro, isso era secundário quando um jovem bonito chamava sua atenção. Os criadores da história sabiam que estavam em um terreno delicado, ao entreter estes questionamentos por um tempo, porque obviamente eles são importantes, mas tomaram a decisão correta em todos os sentidos, quando deixam evidente que os métodos e excentricidades de Dahmer podem sim ter sido extraordinários, só que o sofrimento das vítimas e dos familiares delas, colocam Jeff no mesmo saco com o resto da farinha.
Sendo sobre Dahmer do início ao fim da vida, é claro que o episódio sobre a infância está lá. Um período talvez mais difícil do que muitos de nós vivemos, mas sabiamente nada que respondesse como ele ficou tão perturbado. Somos removidos das ilusões de vínculo entre protagonista e público, até quando não vemos nenhum comportamento macabro. Ao longo dos episódio, assistimos às chances que foram concedidas a ele através dos anos. Ele teve estímulo, incentivo, teve companhia e por um breve momento, até romance era uma possibilidade de fácil alcance. Jeff não podia ser ajudado, apenas impedido. Por isso que é uma das coisas mais impressionantes da obra, a quantidade de vezes em que o serial killer se salva de ser preso. Ele era um cara que vivia escorregando no caos que criava, jogando um holofote gigantesco na incompetência e no descaso das autoridades, quando estas eram acionadas. A impunidade, ou punição tardia, não é ignorada em nenhum momento aqui, o que torna qualquer torcida pelo assassino, como acontece involuntariamente em diversas obras de ficção, algo totalmente impossível.

Dahmer – Um Canibal Americano, está gerando uma série de controvérsias e não há como ser diferente, já que ainda existe uma grande luta dos envolvidos para desmistificar a personalidade de Jeff. É uma pena somente, que o foco da minissérie seja exatamente este, justiça! A ponto de colocar em risco o ritmo da narrativa. Um dos episódios é dedicado inteiramente a Anthony Hughes, um aspirante a modelo surdo, que provavelmente enfrentou mais desafios na infância do que seu assassino. Fora do comum, mas muito bem vindo, é outro episódio sobre a vizinha de Jeffrey, entitulado “Cassandra”. O terror que o canibal provocou, foi sentido também por esta corajosa mulher, que como a personagem mitológica que dá nome ao capítulo em sua homenagem, tinha certeza que algo muito ruim acontecia no apartamento ao lado, chamando a polícia diversas vezes, mas não obteve crédito ou respeito, até que fosse tarde demais. Até mesmo a família Dahmer recebe uma atenção que jamais é concedida a esses parentes.

Pelo modo como os capítulos são construídos, em uma ordem cronológica meio bagunçada, os realizadores conseguem arrancar sustos com as coisas absurdas que ele fazia, mesmo que a ação não envolvesse matança. Não havia paz naquela cabeça, então se estivermos dispostos a acompanhá-la por um tempo, também não teremos. Não é um seriado feito para ser assistido de uma vez só e eu não me surpreendo se muita gente não conseguir terminar. Não posso deixar de parabenizar todo o elenco, com destaque para Evan Peters, que com muito cuidado e preparação, trouxe Dahmer à vida por um propósito nobre. É muita sujeira e muita dor, que eu não esperava encontrar, mesmo conhecendo superficialmente a história. O que esperava ainda menos, era ver um pouco de dignidade sendo devolvida aos mortos e sobreviventes do monstro, depois de tantos anos.