Não é bem como aquela frase que diz: “Quem não é visto, não é lembrado”, para a mulher que caminha nas pontas dos pés e desarma sistemas de segurança na calada da noite. A expressão só funciona com sub-celebridades, influencers e pessoas que vivem de divulgar a própria imagem. Qualquer pessoa é lembrada, quando teve importância em nossas vidas. Se o impacto foi negativo, ela se torna inesquecível. Finalmente fugindo do namorado, depois de bastante planejamento, Cecília entende que não vai superar os traumas daquela relação tão cedo, mesmo assim, permanecer naquela casa é algo impossível. Ninguém merece uma relação abusiva e ela está certa em aceitar o início do doloroso processo de cura, se isso significar não ver aquele homem nunca mais! Mal sabe ela, coitada, que só porque ela não o vê, não quer dizer que ele não está por perto, o tempo inteiro.
Leigh Whannell, pupilo e herdeiro de James Wan, dirige e reescreve esta muito bem vinda refilmagem do clássico de 1933. É ele quem decide nos jogar direto naquele hiper angustiante cenário de fuga, sem ter nos mostrado nada sobre a vida íntima do casal. Tudo o que precisamos saber sobre o motivo da partida furtiva, está no pavor em cada ação de quem sai e na sutileza das pistas que Whannell distribui pela casa, sobre quem permanece dormindo nela. Gigantesca em frente a um penhasco, belíssima próxima a praia, isolada e muito bem guardada por um sistema de proteção personalizado, a casa não exibe nada fora de uma ordem quase militar. Objetos de bom gosto, mas genéricos e impessoais, assim como diversos diplomas decoram o ambiente. Uma grande sala dedicada a equipamentos bélicos que sugerem conhecimento e licença para fabricação própria. Antes que qualquer vantagem sobrenatural seja estabelecida no filme, o diretor nos diz que este é um homem para ser temido. Se ele não presta, a única opção, que não é viável, era não tê-lo conhecido.

Elisabeth Moss é uma atriz que não se importa de não estar em sua versão mais atraente o tempo inteiro nas telas. Perfeita no papel principal, ela atua com um desespero que é palpável, crescente e independente de luzes favoráveis. Nada de salto alto e roupas de grife, porque ela não queria aquela vida e não estava comprometida com o dinheiro do ex. Uma de nós, de jeans, moletom e cabelinho ensebado, recebendo com ceticismo depois de algumas semanas, a notícia de que Adrian está morto. Quando ela é chamada para uma audiência de herança (e eu juro que ela só não foi de crocs, porque não devia ser permitido), a câmera registra a reação de pavor dela, enquanto as declarações superficiais de amor e arrependimento são pronunciadas do testamento deixado por ele. Até as palavras mentirosas são um gatilho, vindo do abusador. Cinco milhões de dólares, em generosas prestações por vários anos, a menos que ela “se envolva em algum crime”. No mínimo é um presente curioso. Isso mesmo Cecília, eu também não abusaria do rímel de imediato!
O filme faz ótimo uso de recursos simples, que já eram disponíveis para a primeira versão cinematográfica da história imaginada por H.G. Wells, como movimentos panorâmicos de câmera e planos bem abertos. O terror sempre gostou de colocar o público na posição de vítima, quando a própria vítima ignora o perigo ou, como é o caso aqui, começa a baixar a guarda. Os artifícios mais básicos das aulas de cinema, sobem para uma categoria especial, com um truque ainda mais simples, a incerteza. O enquadramento abandona a ação cotidiana, como roupas sendo guardadas ou a preparação da comida e com a câmera rodando no próprio eixo, somos levados para o outro lado da sala, onde nada está acontecendo, mas há espaço suficiente para caber alguém que não enxergamos. Se o vilão está mesmo ali, não importa. A cena demora, mesmo que nenhum objeto se mova e a nossa imaginação cuida de produzir o terror sozinha. Nem a capa do filme escapou dessa manobra! Na produção original em preto e branco, que ainda tem efeitos especiais impressionantes e deve ter apavorado o público naquela época, você sabe quando o homem invisível está no recinto, porque tem sempre uma porta abrindo sozinha, ou alguma coisa flutuando… falta suspense, mas tudo bem, o velho filme é tão antigo, que a vozinha do Titanic era a novinha do cara transparente.

Dizem que quando há apoio, fica muito mais fácil para alguém largar um relacionamento abusivo, mas no caso da protagonista é uma faca de dois gumes. Perto dela, aliados são alvos potenciais, a irmã, o policial que a abriga, mas eles também podem se tornar instrumentos de tortura, porque somente Cecília é o foco do vilão. Um descuido, um esquecimento, desentendimentos e sem que ela enxergasse, está dentro de uma campanha de difamação. Quando ela finalmente se manca, ninguém acredita. É doloroso vê-la se justificando em vão e se desculpando por acidentes que não causou. A única explicação é loucura, para os outros, já que Adrian está morto! Quando todos se afastam, não demora para que a sabotagem progrida para a violência física. Que só acontece quando não há ninguém por perto. Ele pode fazer o que quiser, quando quiser e a única salvação para a vida de Cecília é que se Adrian pudesse escolher, ainda a teria ao seu lado para continuar com o abuso. Ela precisa se tornar um boneco de pano valioso.
De todos os clássicos de monstros de décadas atrás, O Homem Invisível era definitivamente o que mais implorava por um remake. O filme inova muito com a computação gráfica e também com a justificativa para os super poderes do vilão. Além da tensa cena inicial e a chocante cena do restaurante, há uma assustadora e sanguinolenta sequência dentro de um hospital, que parece interminável, evoluindo para outros cenários até finalizar com um morte completamente inesperada. É um filme inteiro cheio de surpresas. Eu não me esqueci de O Homem Sem Sombra (2000), só acredito que não seja baseado na obra de Wells e mesmo que fosse, o filme de Kevin Bacon é bem fraco. Este aqui veio pra empurrar a próxima versão muito mais para frente no futuro.