Jack Delroy (vivido pelo maravilhosa e constantemente fúnebre David Dastmalchian) é o apresentador de um talk show do fim dos anos 1970, tão controverso nos dias de hoje, com sua afiliação ao “The Groove”, uma fictícia sociedade secreta claramente inspirada no Bohemian Groove, que na era da informação, chama a atenção de cada vez mais internautas; quanto ele era trivial na própria época. O programa Night Owls preenchia todos os requisitos de uma exibição noturna de auditório: piadas fracas, um ajudante de palco promovido a alvo das pegadinhas, convidados interessantes e atrações banais, mas o que não tinha eram telespectadores suficientes para manter o programa no ar por mais uma temporada. Nem mesmo nos primeiros e mais bem sucedidos anos, os episódios populares chegavam perto dos números alcançados pelo concorrente Johnny Carson. Para salvar os empregos de diversos profissionais, medidas drásticas precisam ser tomadas e o conteúdo apelativo do próximo especial de Halloween, reflete o desespero da produção. O que ninguém imaginava, é que estas medidas iriam gerar um custo alto demais, talvez até para quem simplesmente assistia à programação, buscando nada além de entretenimento inofensivo.

O filme se descreve como o material bruto do último episódio, que foi ao ar ao vivo e pôs um fim ao programa que já vinha decaindo há um bom tempo, enriquecido para o nosso deleite de imagens exclusivas dos bastidores e com a progressão de Late Night, este recurso não pode deixar de ser questionado, pelo modo como ele é apresentado para nós. Não há dúvidas de que utilizando o formato e o tempo de duração de um talk show na maior parte do longa, algo que é bem fora do comum, a captação em vídeo do que acontece no palco e atrás dele durante os intervalos comerciais, em preto e branco, sem censura, é uma maneira surpreendente de reestabelecer a normalidade do cinema dentro do filme, mas eu não estou convencida de que a ideia era nos apresentar um found footage clássico. Late Night coloca um ou dois cinegrafistas para seguir o apresentador e outros membros da equipe, durante conversas íntimas e comportamentos reprováveis, deixando para o público a avaliação da necessidade deste tipo de registro. A que propósito serviriam aquelas imagens comprometedoras? Com um conteúdo de utilidade duvidosa, exibido com uma qualidade de edição contrária à proposta do improviso, estamos assistindo a algo relevante demais, ou temos acesso demais e o mais bizarro é que não há nenhuma tentativa de criar uma justificativa plausível para isso. 

Não há nenhum desconforto com a invasão de privacidade, nenhum cameramann sendo empurrado ou repreendido por estar no lugar errado, ou ultrapassando limites, mesmo na gravação de atitudes constrangedoras e estratégias de marketing antiéticas, então eu só posso presumir que a escolha não é um descuido, ela é deliberada. Principalmente se consideramos o trabalho magnífico de direção de arte no filme, que realmente trás o passado para a atualidade, com muito mais do que apenas as roupas corretas. Não há a necessidade de passar o pano para uma suposta falha quando ela não existe. O formato irregular de exibição foi realmente feito para incomodar, como se o público fosse convidado a questionar o conceito do que significa ter algo sobrenatural em um filme, bem antes da aparição dos elementos esperados dentro deste termo. Temos o histórico de Jack, as características da ascensão e da queda do apresentador, como um pano de fundo propício para aceitar a possibilidade de que ninguém esteja percebendo as câmeras nos bastidores e que elas representem uma espécie de vigilância fantasmagórica, mas também, mesmo com o contexto das informações reais apresentadas na introdução do filme, este é um programa fictício em uma emissora que jamais existiu e tudo pode ser uma bem ensaiada e divertida brincadeira de Dia das Bruxas, que precisa da nossa participação para funcionar bem. De qualquer maneira, as duas possibilidades ousadas, são dignas de elogio. 

O evento principal da noite é Lilly, uma adolescente resgatada anos antes de uma comunidade satânica. Entrevistar a garota é de um mal gosto tremendo, porque no filme a seita é semelhante a dos Manson e eu não posso imaginar ninguém daquela “família” participando de um programa de televisão. Só que é tudo brincadeirinha, ou fruto da insanidade crescendo sorrateiramente em Jack, não é mesmo? E espere, ainda tem mais! Lilly vive com uma tutora, a parapsicóloga June que escreveu um livro polêmico e vexatório sobre a menina, sugerindo possessão demoníaca e é com ela que Jack, viúvo recentemente, está tendo um romance secreto, o que faz do convite para a participação no programa uma manobra ainda mais controversa, mas espere… Lilly não está no Night Owls, ultrapassando o horário de alguém da idade dela dormir, para relatar as dores e o sofrimento que passou na seita, para o público em casa e no auditório, acostumado com divertimentos mais leves e circenses. O objetivo é que a garota manifeste a entidade que June jura que a acompanha, concedendo uma entrevista histórica diante das câmeras, que poderá elevar a audiência do Night Owls a índices nunca antes vistos e salvar o apresentador do cancelamento, ou afundar a carreira dele de uma vez por todas.

Late Night, pelas escolhas artísticas dos irmãos Cameron e Colin Cairnes na direção, pode desagradar muitos fãs do gênero, que não entenderão ou aceitarão algo absurdamente exagerado, meio brega e propositalmente artificial, mas executado com muito cuidado dentro desta proposta. O filme se joga de cabeça em uma categoria quase que de invenção própria dentro do terror e na minha opinião, triunfa, como foi o caso do antecessor e inspirador Ghostwatch (1992), ou do alucinado e desenfreado Deadstream (2022), ou ainda do “falso fake” Lake Mungo (2008) e eu não estou dizendo oficialmente que acho que Late Night queira ser visto como uma grande e elaborada armação, apenas que oficialmente e finalmente está aberta a temporada 2024 de terror e as intenções da obra tem menos importância do que o impacto dela. Não há nada mais eficaz no filme, do que deixar os telespectadores perturbados com Lilly olhando para a câmera, ou diretamente para eles, toda vez que a menina se lembra o quanto isto é desconcertante. Ela sabe o que está fazendo, nós sabemos que ela sabe e nos tornamos cúmplices do truque barato, porém infalível, de derrubar as defesas dos suscetíveis ao terror, com sugestões simples de coisas macabras que podem estar em andamento, na telinha presente em todos os lares. 

Esta artimanha de trazer o público para dentro do terror, antes que a gente perceba que já está acontecendo, é uma das minhas favoritas e não se inicia aqui exatamente no prólogo, com seus alertas sobre o que estamos prestes a assistir e sua linguagem dramatizada, mas sim no próprio programa que foi ao ar com um clima rotineiro à princípio, mesmo com a decoração temática e membros da audiência fantasiados para a ocasião. O primeiro convidado, um médium visivelmente picareta, aquece o público e nos entretém errando feio e de maneira vergonhosa nas supostas leituras espirituais, até que acerta precisamente, milagrosamente, algo que o segundo convidado, um cético recorrente nestes tipos de atrações, tenta desmascarar em vão, porque a base já está construída para vermos aquele palco como um território contaminado por algo maligno, bem antes da possuída aparecer com sua voz distorcida e trejeitos sinistros. É o mesmo com o homem misterioso vestido de esqueleto na plateia, que já está virando meme. Agora, eu preciso admitir que com tantos truques e exigindo tanto a nossa participação, Late Night até exibe os sintomas de um clássico cult, mas seu poder de permanência não é uma certeza. Uma vez e somente a primeira vez, que o filme faz do público do cinema conivente das estratégias para enganar o público da t.v., a camaradagem é formada, mas uma certa magia se quebra e aliada à narrativa de gratificação tardia, incompleta e possivelmente fabricada, existe o risco da diminuição do entusiasmo com a história a cada nova assistida, ao invés do contrário, que faz do cult um Cult. Eu posso estar errada e espero estar.