Eu espero que esteja claro que este especial não é apenas sobre os filmes, mas sobre a minha relação com eles! Eu tenho muito carinho pelo diretor, apesar de nem sempre gostar do resultado de suas criações. Eu respeito o espírito inovador que ele possui. 

Conforme o acordo estabelecido no texto anterior, segue abaixo a segunda parte desta homenagem que me deu muito gosto de fazer:

SINAIS (SIGNS) – 2002

Na época, alguns críticos disseram que assim que o alienígena aparece de vez o filme é arruinado, perde a magia. Algo sobre matar a expectativa sem necessidade, mostrando um vilão que poderia ser eternamente misterioso, mas eu acho essa regra meio idiota, porque não funciona com todos os filmes. Primeiro, naquela altura dos acontecimentos, a revelação do monstro é uma verdadeira surpresa. Segundo, ele segura nos braços uma das crianças pela qual nos apaixonamos e aprendemos a temer pela segurança por todo o filme, ofuscando a aparência e movimentação desengonçada da criatura gerada por computação. Ou seja, como ele se apresenta é a menor das preocupações e terceiro, o tempo de cena do alien é muito curto, sendo utilizado para nos mostrar seus truques, fraquezas e covardia. 

Este é o filme no qual M. Night consolidou a compreensão da importância de uma boa trilha sonora. De todos os seus filmes, ela é a mais marcante. Uma tradição boa que ele manteria, é a escalação de crianças talentosas e a direção que faria com que elas atuassem quase no mesmo nível dos adultos. Uma tradição ruim, quase sempre revisitada, era fazer com que seus personagens nem sempre dissessem as falas de uma forma natural. Faz parte de um senso de humor particular que poucos entendem e muitos de nós toleram. Que seja! Sinais é o meu favorito dele e um dos meus preferidos sobre seres que chegam do espaço. Uma invasão extraterrestre é o pano de fundo para uma história sobre a perda e a recuperação da fé, através de uma família super simpática, após a morte de um dos membros dela. Aqui Shyamalan demonstra de uma vez por todas, não ter dúvidas de que coincidências não existem e de que tudo acontece por um propósito. Quanto mais céticos seus personagens são, mais perdidos eles estão. 

Sinais acabou sendo um dos poucos filmes de M. Night, com cenas que ficaram gravadas no consciente coletivo de cinéfilos do mundo todo. Jamais esqueceremos o vídeo amador na festa brasileira e aquele susto com a criatura passando… quem não segurou a respiração por um segundo? Os copos de água pela casa toda, pelo filme todo. A família reunida no capô do carro segurando o walkie talkei, o ataque de asma na hora certa, é impressionante que o chamariz do filme tivessem sido os círculos nas plantações, tão presentes já na nossa cultura, mas é o que menos lembramos quando pensamos no filme. Por isso que eu reforço: vão se catar! É inesquecível ver um alienígena hostil na sala da casa de alguém, do lado do sofá, meu! Boas atuações de Mel Gibson e Joaquin Phoenix em uma produção de primeira, com sustos legítimos e uma história belíssima, então, vamos dar um desconto para o ser intergaláctico com dificuldades para abrir portas. Vamos considerá-los precavidos aqui, porque estamos nos Estados Unidos e a família inteira, inclusive as crianças, poderiam estar armadas!

FIM DOS TEMPOS (THE HAPPENING) – 2008

Vamos dar crédito quando há merecimento, por exemplo, àquela cena magnífica e tenebrosa do suicídio coletivo do prédio em construção, logo no início do filme. Assim como os corpos enforcados nas árvores ao redor da universidade. Mas é só! Bird Box também usou o lance da autodestruição por loucura induzida, mas de uma maneira muito melhor já que, por alguma razão em Fim dos Tempos, M. Night foi ao extremo da pompa e expôs uma predisposição que precisaria abandonar, se quisesse continuar trabalhando, que é a de contar com a suspensão de descrença total e a fidelidade do público, independentemente de para onde ele estava disposto a carregar suas ideias. Eu sempre apreciarei aquela cabeça criativa, mas ele forçou demais a barra aqui. Quando Mark Wahlberg, que à propósito está bem ruinzinho, conversa com uma planta de plástico para acalmá-la, a gente ri, mas não com o filme. Tudo é narrado, super explicado, não existem sutilezas, porque o diretor já sabe que o vilão do filme é grande demais e não há como estar longe dele por muito tempo, para testar hipóteses e fazer presunções. 

Em ataques sistemáticos que atingem uma parcela enorme do território nacional, toda a vida vegetal de todos os locais, libera uma substância tóxica na população causando paralisia, confusão e finalmente o impulso de cometer suicídio. É uma história sobre a preservação da natureza, com as árvores dizendo: “Amem uns aos outros, ou eu mato vocês”. No filme, acompanhamos um professor de ciências com a esposa e um amigo, fugindo por cidades pouco povoadas… no campo e estes costumam ter vegetação, enquanto tentam descobrir o que está acontecendo, o porquê e como escapar. A melhor personagem do filme é a menininha, filha do amigo, que por ser muito tímida, sai um pouco do padrão das crianças de Shyamalan e se expressa apenas quando é necessário, o que a previne também de ser mais uma falando asneiras o tempo inteiro. Talvez a ideia funcionasse melhor há algumas décadas, nos anos sessenta eu diria, quando o terror era mais apocalíptico e o experimental nele era mais aceitável. Até a trilha sonora, estilo orquestra tocando durante a catástrofe, parece entender melhor a que época o filme pertence. 

M. Night acordou um dia e decidiu fazer um filme onde as plantas não gostam nem do Raça Negra, nem de mais ninguém. Se ele tivesse cozinhado o conceito por mais tempo na cabeça, antes de sair escrevendo o roteiro que conta apenas com cena chocante após cena chocante até o choque ficar chato, talvez tivesse se dado conta de que não era a melhor das ideias. Todas as mortes são super dramáticas, porque precisam seguir a ordem estabelecida pelo “inimigo”, portanto quando uma pessoa para no meio de uma conversa ou caminhada, só nos resta aguardar o que ela vai usar no ambiente para tirar a própria vida. É mais desagradável pela falsidade na coreografia do que pelo ato. Parece aquela musiquinha… “mão na cabeça, mão na cintura, um pé na frente… se joga na frente do carro… pega a arminha…”

FRAGMENTADO (SPLIT) – 2016

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Eu acho que você tem que reverenciar um sujeito que vive se expondo com seus próprios projetos arriscados, porque este aqui, novamente uma criação de autoria total desse sujeito, tinha tudo para dar errado. Tá maluco, vinte e quantas personalidades? Só com o poder da mente, ele consegue o quê?? Era o ápice da loucura de Shyamalan, o cúmulo da megalomania e ele triunfa, com um filme muito bem feito, perfeitamente editado, fotografado, escrito, dirigido e meu Deus, atuado! James McAvoy é o cara… e o outro cara, a mulher, o moleque e o monstro. Desta vez, o diretor não nos pedia nada, porque a ideia doida dele não precisava da nossa crença, somente da crença do doido que ele criou para vivê-la. Ainda bem que não é um festival de caras e bocas do ator principal, passeando aleatoriamente por perfis diferentes. Personagens secundários, um deles interpretado modestamente pelo diretor, tornam a história mais rica e não estão lá para roubar nossa atenção. 

Uma das vinte e três personalidades que habitam o corpo de Kevin, sequestrou três adolescentes e as trancou em um cativeiro criado por ele, em um local desconhecido. A cena da abdução é inesquecível. Tão simples, tão fácil de acontecer com qualquer pessoa. Outras duas personalidades estão de acordo com o ato, que não tem uma finalidade sexual. O restante não sabe o que está acontecendo, mas a mais dócil entre elas está desesperadamente tentando pedir ajuda, porque percebeu que apenas os três conseguem ficar conscientes ultimamente e alguma coisa eles devem estar aprontando. É no cativeiro que a maior parte do filme se passa, onde somente as manifestações mais prejudiciais do doente tem permissão para reinar, onde as meninas usam a inteligência para tentar escapar e onde Shyamalan mantém sua história gigantesca muito bem controlada e sem excessos. O mini-complô aguarda a chegada da vigésima quarta personalidade no grupo, que promete dar aos comparsas visibilidade e uma proteção sobrenatural, em troca de “alimento divino”. A sorte da comida é que pelo menos uma delas tem experiência em lidar com monstros. 

Fragmentado nos explica como sua tese é possível, através do trabalho da psiquiatra que cuida do doente multifacetado. M. Night nunca nos deixa perceber que estamos vendo uma palestrinha, até mesmo quando há uma palestra no filme, porque é também durante os momentos em que estamos com a médica, que saímos temporariamente do cenário principal do filme. Um descanso do suspense, se transforma em uma aula informal e leve sobre a loucura que estamos testemunhando. Muito interessante, tenso, divertido e cheio de ação, o filme trouxe o diretor de volta ao primeiro time dos cineastas famosos. O orçamento ainda não era grande coisa, mas foi tão bem utilizado que só quem procura saber disso acha respostas. Um filme que prende muito por entre várias coisas, a expectativa de algo terrível que pode ou não acontecer. Algo do tipo: quem me dera, mas Deus me livre!

O SEXTO SENTIDO (THE SIXTH SENSE) – 1999

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Eu não sei se os mais jovens, nascidos da metade dos anos noventa para cá, têm alguma ideia do tamanho do fenômeno cultural que foi O Sexto Sentido na época do lançamento. Bruce Willis já era um astro, mas M. Night estava começando, então não houve exatamente uma campanha de marketing no estilo dos blockbusters que vemos por aí. Foi no boca a boca mesmo, que as pessoas se convenceram a dar uma chance ao novato e isso bastou para que o filme atraísse os números merecidos nas bilheterias. Havia um entendimento coletivo de cavalheirismo, que protegeu o segredo do filme para quem não o tinha visto ainda e muita gente retornou aos cinemas, para se certificar de que as pistas estavam realmente diante de seus olhos o tempo inteiro. Galera, do perturbador início com uma tentativa de homicídio seguida de suicídio, até a grande revelação, O Sexto Sentido é uma obra prima do cinema. 

Na época, a gente não tinha noção do talento de Toni Collette, que faz a mãe mantida na ignorância sobre a condição extraordinária do filho. Não sabíamos o quanto um twist daqueles influenciaria filmes de terror no futuro. Eu tenho em mente Jogos Mortais (2004), A Chave Mestra (2005), Os Outros (2001) e não é como se não tivéssemos visto filmes com finais surpreendentes antes, mas é inegável o quanto as revelações destes finais, mudam a perspectiva sobre todo o filme. Shyamalan nos enganou com pouco esforço, apenas com um bom entendimento de como funciona a relação entre filme e público, nos deixando preencher as lacunas que acreditamos precisarem de preenchimento. 

Na história, que sempre foi muito mais do que uma desculpa para enfiar fantasmas em diversas cenas, o psicólogo infantil Malcom começa a trabalhar com o solitário e espirituoso menino Cole, depois de meses parado, após sofrer um atentado nas mãos de um ex-paciente, já adulto e insatisfeito com os serviços que considerou ineficazes e irresponsáveis para a sua enfermidade. As semelhanças entre este caso antigo e o novo caso em tratamento, ficam cada vez mais claras para Malcom, estimulando o médico a ter o máximo possível de cuidado com Cole, mesmo depois que o menino faz uma confissão pouco confiável sobre qual é a fonte de suas perturbações. Shyamalan sabia exatamente o que estava fazendo, quando só permitiu aparições sobrenaturais no filme, depois que o menino se sentiu confortável para falar sobre elas. Assim como sabia que elas ainda seriam notáveis, mas bem menos assustadoras para nós, quando Cole passou a aceitar com bravura o que via. O desconhecido diretor já entendia que qualquer história, por mais fantástica ou mais pessoal que seja, precisava estabelecer uma conexão forte com o público e no final das contas, este é um filme sobre gente precisando de ajuda, com algo que é maior do que elas, ou pelo menos é nisso o que estas pessoas acreditam. É um sentimento universal. 

VIDRO (GLASS) – 2019

!Contém spoilers!

A Dra. Ellie Staple, uma psiquiatra com uma especialização excêntrica demais para ser aceita em uma tese acadêmica, consegue capturar os dois outros “doidos” com síndrome de super-herói: David Dunn (Bruce Willis) de Corpo Fechado e Kevin/Patricia/Dennis/Monstro e outros (James McAvoy) de Fragmentado, para ao lado de Elijah Price, o Sr. Vidro, tentar livrar pacientes, familiares e quem sabe até vítimas da ilusão coletiva, que os faz confundir realidade com histórias em quadrinhos. Staple tem apenas três dias (que prazo bizarro!), para demonstrar algum progresso com os três homens presos em uma instituição para doentes mentais, ou eles permanecerão enclausurados para sempre. É um argumento um pouco estranho para o filme, já que não se preocupa em incluir o público. Nós já sabemos que a médica está errada, porque mesmo que ela tenha diversas hipóteses convincentes, ela não viu o que nós vimos nos dois primeiros filmes. Sem problemas, existe um propósito para este drama temporário e existe o personagem título também, que não vai deixar ninguém reescrever a saga dele com ceticismo. 

Assim que Vidro termina, logo depois do segundo final, que acontece depois do primeiro final, comigo achando que pelo menos o último deles a gente conseguiria viver sem, eu me pergunto se precisávamos de uma trilogia. O Poderoso Chefão diria que não, mas eu sei que não é realmente o caso da necessidade, EU QUERIA este filme e você também! Após a cena final de Fragmentado, quem não ficou interessado em descobrir qual dos dois fortões venceria uma luta corpo a corpo? Um filme reacendeu o interesse pelos personagens do outro e todo mundo pensou sobre o paradeiro do Monstro, ou sobre como as outras personalidades reagiriam ao domínio da Horda sobre o corpo de Kevin, que tipo de vida Elijah levava na instituição e também o que tinha acontecido com a família Dunn. Eu agradeço pelo esforço de M. Night, que obviamente estava animado na direção, porque eu me diverti assistindo, mas Vidro tem alguns problemas que não podem ser ignorados. 

É arriscado um filme sobre o terceiro super da história, quando o poder dele é o da manipulação. Muito delicado para se envolver fisicamente, o Sr. Vidro precisa deixar que os outros seres especiais brilhem no lugar dele, por muitas cenas. Isso não prejudica tanto o filme porque gostamos de assistir aos outros dois e Elijah ainda está por trás de vários eventos, mas muitas vezes esta ausência, evidencia que o vilão pode se dar bem mais pela burrice alheia, do que pela própria inteligência. Em raras ocasiões cinematográficas, eu vi gente tão perigosa cercada por uma segurança tão inadequada. Tem muita sorte rolando por aqui. Outra coisa é que não tinha problema algum em Fragmentado, o fato do esquisito ter tanta personalidade diferente, porque só víamos as que interessavam, já aqui, eu confesso que mesmo que McAvoy seja um ótimo ator, fazê-lo trocar uma pela outra rapidamente, mais de uma vez no filme, é um pouco constrangedor. Assim como o truque que o filme utiliza (e nunca foi mencionado em Fragmentado) para forçar essas trocas bruscas. De qualquer forma, foi prazeroso ver a turma reunida, ter os personagens secundários de volta e o antecipado combate. O filme reforça a noção de habilidades e pontos fracos, de cores características a personagens e um “universo super” ainda maior, por trás do que estamos vendo. Melhor de que certos filmes que Marvel e DC andam lançando por aí.