ESPECIAL SÉRIES 2010_2020 (PARTE 1)
ESPECIAL SÉRIES 2010_2020 (PARTE 2)
ASH VS EVIL DEAD – 2015_2018
Você me pergunta: “Eu deveria perder o meu tempo com mais uma dessas séries de terror baseada em filme?” e eu te respondo: Sei lá! Você está preparado para descobrir os detalhes sangrentos, ridículos, hilários, verdadeiramente hilários e assustadores da vida de um dos melhores, senão o melhor personagem já criado para o gênero, agora que o salvador da humanidade está cinquentão? Se a resposta for sim, saiba que Ash Vs Evil Dead conta com alguns personagens que não participaram de nenhum dos filmes, como a diabinha Ruby (vivida por Lucy Lawless de Xena – A Princesa Guerreira) e os colegas de trabalho Pablo e Kelly, que desde o primeiro episódio precisam se transformar em parceiros inseparáveis de Ash no combate ao mal, por um descuido bem idiota do herói com a segurança do famoso Necronomicon, mas esse povo inédito, que se torna rapidamente tão querido de nós quanto o personagem principal, é o máximo de liberdade-fora-do-familiar que a série se permite. Realizada pelo mesmo time de profissionais por trás da trilogia original, esta é realmente uma espécie de continuação em versão seriada da história de Ashley Williams, um guerreiro uniformizado e armado com uma motosserra, ultra machista e sem noção, mas corajoso e comprometido com o papel de semideus, que caiu em seu colo com o descobrimento do livro dos mortos, que matou seus amigos e destruiu sua vida, sem acabar com seu senso de humor.
Bruce Campbell, que eu amo por não ter medo de ser sempre o alvo da piada, está de volta ao papel do Sr. Humildade, pedindo para que as visitas limpem os pés antes de entrar no trailer dele, logo após ter decapitado um demônio e sujado toda a residência com sangue e tripas. Com o diretor Sam Raimi na produção, no que parece ser uma missão amorosa para o cara, a série ultrapassa todas as fronteiras do bom gosto e referencia os filmes da trilogia, em vezes o suficiente para provocar a nostalgia nos fãs, mas sem que o material original sirva de muleta. Todos os episódios tem uma morte absurda e o nome da série, que não possui vinheta de abertura, não aparece sem uma introdução melequenta. Cada uma das três temporadas desenvolve uma narrativa, com vilões próprios e um problema a ser resolvido, que é concluída ao final de 10 episódios, mesmo que cada um deles tenha uma pontinha de independência. Tem até um em que Ash questiona a realidade da existência do Necronomicon, quando se encontra dentro de um manicômio. Seguindo uma linha bem trash, Ash enfrenta demônios todos os dias, tornando cenas em que ele e seus amigos não estão completamente sujos de sangue uma coisa quase impossível, porque o livro continua invocando aquela câmera icônica que passeia pela floresta, para possuir qualquer um ao redor do herói. Este artifício do demônio da câmera subjetiva, não perde o efeito apavorante criado com o primeiro filme, mas esta é uma série cômica primeiro, um festival de náuseas em segundo e uma obra de terror em terceiro lugar. O modo como Campbell diz suas falas bregas e vulgares, com a cara mais séria do mundo, nunca falha em produzir gargalhadas. Só um ator de muito talento para convencer tanto no papel de um canastrão!
Por um motivo bem idiota, e não poderia ser diferente com Ash, ele lê uma passagem do livro maldito e é forçado a colocar o pé na estrada com Pablo e Kelly a tiracolo, fazendo de Ash Vs Evil Dead um road-series muito divertido, que de vez em quando vai parar na cabana onde tudo começou e isto é sempre um momento mágico. Muitas vezes, certas regras e profecias são estabelecidas, para no final tudo acabar como sempre: com todo mundo coberto de sangue e utilizando o humor para apaziguar o trauma. É exatamente o que Raimi quer, que você não leve nada do que está vendo a sério e que entre na brincadeira e na vida grotesca e insustentável de Ash. Se ele senta no sofá para tomar uma cerveja, antes de não bolar um plano para derrotar o inimigo, você pode relaxar também. O último episódio é uma despedida satisfatória, mas termina em aberto. Se tivermos sorte, Ashley retorna daqui há alguns anos, até décadas eu aceito, para salvar o mundo em outro filme ou série, com uma motosserra em uma mão e uma bengala em outra.
ALÉM DA IMAGINAÇÃO – 2019_ … (THE TWILIGHT ZONE)
Depois do grande sucesso que foi Corra! (2017) e do entusiasmo do diretor e comediante Jordan Peele em desenvolver trabalhos cada vez mais interessantes no terror, minhas expectativas estavam lá no alto, quando foi anunciado que ele seria a força criativa por trás de mais um relançamento de Além da Imaginação. A série antológica, que é uma das mais queridas e respeitadas da televisão, ainda exerce uma influência enorme sobre outras séries e filmes do gênero, com episódios tão bem escritos e memoráveis que através das décadas, sem nenhum sinal de protesto por parte do fãs, produtores de t.v. dão uma repaginada no programa, modernizando algumas histórias clássicas e adicionando muita coisa nova, com a ajuda de roteiristas que tem um objetivo muito claro: criar contos de terror psicológicos interessantes e assustadores, que não precisam ser todos perfeitos, já que o original não era, mas com um punhado (grande) de episódios marcantes o suficiente para serem lembrados sem esforço no futuro. Não é uma tarefa fácil, com certeza, mas eu tinha fé que Peele saberia selecionar os melhores escritores, para ajudar na criação do zero de histórias de terror de qualidade, ou dar um desfecho mais empolgante aos episódios que nunca chegaram a ser clássicos nas mãos de Rod Serling, só que a minha empolgação caiu por terra depois dos primeiros episódios. Aparentemente Peele tinha planos mais ambiciosos para esta versão da série e eles não incluíam os princípios básicos da mesma.
Como a versão de 2002 pode confirmar, não seria a primeira vez que os fãs da série são submetidos a uma porção generosa de episódios ruins, separados apenas por alguns episódios medianos, sabotando a justificativa para uma segunda temporada. Mesmo assim, a versão de 2019, que apesar do fracasso com crítica e público, já assegurou uma temporada para o ano que vem, porque o showbiz é um bicho estranho; fez questão de ser uma porta voz da justiça social antes de se preocupar em dar medo ou surpreender o público. Com episódios maçantes de uma hora, super mastigados, mal escritos e previsíveis (pelo menos o de 2002 teve a decência de dividir os seus capítulos em dois contos de 30 minutos), a série virou um verdadeiro palanque para as opiniões dos seus realizadores e esqueceu o bom senso. Eu não tenho nenhum problema com a mistura de política com terror, na verdade, pode colocar terror em tudo, mas faça funcionar! Se você espera que as pessoas concordem com o seu ponto de vista, utilizando uma ferramenta tão poderosa quanto uma obra ficcional de alcance mundial, é apenas justo que o conteúdo não desrespeite a inteligência do seu telespectador, com suas histórias tendenciosas e ingênuas, pior ainda, histórias que evidenciam uma incompetência imperdoável em duas coisas que Além da Imaginação sempre tirou de letra: apavorar e não permitir que o público torça para que o episódio termine logo, como acontece após 15 minutos com cada um dessa nova geração.
Existe um episódio sobre o movimento Me Too, em que uma chuva de meteoros transforma homens e somente eles, em maníacos homicidas. O argumento do sexo forte perdendo a civilidade e resolvendo conflitos com mulheres na violência, é super digno de ser explorado em um conto de terror, mas a execução do episódio é tão confusa e preguiçosa, que perde qualquer indício da lição de moral que queria passar. Nós temos um episódio sobre imigração, um sobre controle de armas, um sobre o Black Lives Matters, que começa super bem e depois desanda, e até um sobre Donald Trump, com um personagem infantil em uma presidência que opera não como se não respeitasse o congresso, mas como se os roteiristas tivessem ignorado a existência de congressistas no mundo. A luta pode ser boa e necessária, Jordan, mas se o debate é unilateral e está cheio de informações inventadas, o risco é perder até apoio de aliados… como eu. Todos os episódios são medíocres e viram uma chatice prolongada, do primeiro, entitulado O Comediante e é impressionante o quanto a história é obvia, até aquele que representa o remake de “Pesadelo a 20.000 Pés”, um episódio maravilhoso que foi puro pânico em outros tempos. Apenas o último deles, que chega como uma sobremesa tardia depois de um banquete indigesto, era digno do nome da série. Não é pela homenagem que faz ao criador original, é porque a história tem uma reviravolta criativa (como isso fez falta na série) e também é apavorante com uma narrativa super simples: uma escritora está sendo perseguida por uma figura desfocada que só ela enxerga. Pronto! Eu só queria um pouquinho de combustível pros meus pesadelos, nada demais!
SANTA CLARITA DIET – 2017_2019
Começa com um mal estar, daqueles que só se encerram com vômito, muito vômito. No caso de Sheila, o ato é tão intenso e o resultado tão volumoso, que para ela, para o marido Joel e para os clientes para quem o casal de corretores estava mostrando uma casa, é impossível que se trate de uma simples gripe. A refeição seguinte deveria ser leve, mas Sheila não consegue comer nada além de carne vermelha, crua. Limitar a dieta à proteína, mesmo que a personagem viva em uma área da Califórnia eco-fofa e super inclinada para o lado vego-vegetariano, não é o suficiente como base de um programa de t.v., então é bom que Sheila evolua para hábitos alimentares bem mais controversos. Eis que surge competição no mundo imobiliário, na forma de um colega de profissão mau caráter, inconveniente e meio tarado, para que Sheila e sua família descubram que mesmo que sem uma mordida suspeita ou nenhum sinal de epidemia sobrenatural, ela se transformou em um zumbi e só consegue consumir carne humana, do corretor rival em diante.
Como uma grande fã de Timothy Olyphant em Justified e Deadwood, e de Drew Barrymore desde que ela era uma criança, Santa Clarita Diet era uma série que não teria como passar batido, mas que eu decidi ignorar por muito tempo após o conteúdo fraco apresentado no primeiro episódio. Com um pouco mais de história, que engrena quando a nova condição de Sheila força o marido e a filha adolescente, a uma vida de visitas a necrotérios, de limpeza de “praças de alimentação” com a precisão de equipes forenses e de interações perigosas com a polícia, em um loop tenso e cômico a cada vez que a mãe de família sente fome, a série vira uma favorita, mesmo que o senso de humor oscile entre tiradas super originais e engraçadas e algo que estaria mais apropriado em um episódio de Os Três Patetas. A química entre Olyphant e Barrymore é muito bem trabalhada, fazendo com que o público não somente torça para que a família não chame a atenção das autoridades, com suas atividades nojentas e ilegais, mas também para que o casal esteja sempre bem emocionalmente e fisicamente, como se os assassinatos e o canibalismo fossem secundários e os sentimentos de todos a respeito destas coisas, fosse o foco da série.
Santa Clarita teve uma campanha promocional pesada, com a participação de vários países onde a Netflix está disponível. Quem poderia esquecer do Fábio Jr. vestido de branco em um cenário super clean, cantando Alma Gêmea enquanto o sangue vai jorrando em cima dele e da banda? Mesmo assim, depois de apenas três temporadas, sendo que a mais recente recebeu uma enxurrada de críticas positivas, o serviço de streaming decidiu cancelar a série, deixando a história sem uma conclusão satisfatória e levantando algumas teorias sobre uma possível política da casa, de “três temporadas apenas, independente do sucesso”, que supostamente produziria séries de vida curta, apenas para continuar atraindo novos inscritos na Netflix. É uma pena! A adição de diversos personagens super divertidos, vivos e mortos, enriqueciam o potencial da série com interações cômicas e nervosas, como os vizinhos (um vilão e um adolescente totalmente cúmplice da família Hammond), um casal bem sucedido e pentelho de corretores concorrentes, policiais aliados e policiais indiferentes, caçadores de zumbis com propósitos distintos e é claro, a participação especial de uma cabeça… que começa a saga na série como um problema gigantesco e termina como um funcionário exemplar dos corretores, sendo tão crucial para os Hammond quanto aquela mão desmembrada foi para a família Adams.
A MALDIÇÃO DA RESIDÊNCIA HILL (THE HAUNTING OF HILL HOUSE) – 2019
Acontecendo em dois períodos de tempo simultaneamente, com dois atores para cada personagem, um mais novo e um mais velho, esta história de prender a atenção e o fôlego, bastante evoluída dos materiais de origem (o filme de 63 e aquela aberração de 99, com a Catherine Zeta-Jones), chegou sem aviso pelas mãos do diretor Mike Flanagan, que está fazendo alguns dos melhores filmes de terror dos últimos anos, com a ambição de ser a melhor obra sobre casas mal assombradas já feita. Flanagan não coloca apenas um espírito do mal dentro da casa para atazanar uma família, ele enche a minissérie de fantasmas, que o público só vai conseguir ver se estiver procurando por eles, ou por acidente, como aconteceu comigo lá pelo sétimo ou oitavo episódios, para que o local seja um mini inferno na concepção do público, de forma consciente ou subconsciente. Não somos só introduzidos a uma jovem família amaldiçoada cheia de filhos pequenos… somos forçados a acompanhar a fase adulta dessas crianças, quando elas estão cheias de problemas emocionais, por consequência de eventos ocorridos na casa que ainda veremos na versão antiga da história. O diretor não se contenta em contar uma história terrível do início ao fim, ele quer costurar os acontecimentos do passado com os do futuro, dando a entender que todo o terror na vida daquelas pessoas é inevitável. Esqueça o povo dos filmes que ia para a mansão como turista, nas outras versões da história, porque aqui você foi convidado para viver a assombração junto com uma sensação de melancolia, já que quem sofre na casa importa muito para quem assiste.
Na história que quer andar com as próprias pernas, Hugh e Olivia Crain compram e renovam casas antigas para revender, enquanto criam os cinco filhos, que possuem alguns dos nomes dos personagens que tinham outras funções na narrativa original. A mansão Hill é um local no qual nem os cuidadores permanecem depois de um certo horário, mas os Crain não tem ideia do perigo naquele ponto ou muita escolha, depois de investir todo o dinheiro no que eles acreditavam ser uma mina de ouro. Os primeiros episódios tem um filho por vez como foco, obedecendo a ordem de nascimento, então o episódio um fala sobre Steve, o primogênito cético que ganhou dinheiro escrevendo um livro sobre a casa, o dois fala sobre Shirley, que dirige uma funerária. O três fala sobre Theodora, a sensitiva relutante, o quatro sobre Luke, o viciado e tudo ocorre normalmente, no sentido de que o bicho está literalmente “pegando” no passado e os irmãos estão cada vez mais afastados uns dos outros e desesperados no futuro, e então chega o episódio cinco, que fala sobre a caçula Nell, com um soco no estômago do público tão colossal, tão cruel, que só o episódio seis, que é uma verdadeira obra prima da televisão, poderia superar. Entitulado “As Duas Tempestades”, este capítulo da minissérie caminha entre as duas linhas do tempo, com os personagens na versão infantil e na versão adulta, isolados em dois lugares macabros distintos durante dois temporais, apresentando as duas narrativas em longuíssimos e complicados planos sequências. Já seria um feito e tanto se este também não fosse pra mim, o episódio com as cenas mais assustadoras.
A seleção do elenco foi muito feliz, tanto com os adultos quanto com as crianças, em todos os papeis. Alguns são regulares nos filmes de Flanagan e é interessante ver o quanto a caracterização deixou versões atuais e versões antigas dos personagens tão parecidas. A casa, como a própria abertura da minissérie mostra, é um elegante labirinto em constante movimento, com um cômodo especial que vira um mistério interessante, sem ser o maior de todos e que não decepciona quando é revelado, assim como todos os outros na história. Uma minissérie imperdível que não tem medo de reinventar todo o conteúdo que foi a fonte de inspiração… que não tem medo de recorrer a um susto espalhafatoso e com isso talvez perder um pouco da credibilidade… que não tem medo de colocar homicídio, suicídio, drogas, traições, negligência e fazer dos moradores da casa pessoas imperfeitas e por final, que não tem medo de dar muito medo e muita pena, porque nos mostra que o mundo sobrenatural é como o mundo natural, cheio de manipulações, influências e assombrações, mas cheio de escolhas também. Nada é simples nesta história, muito menos esquecido com facilidade.