O texto abaixo contém spoilers…
STRANGER THINGS – (2016 – …)
Nem todo mundo entendia a histeria ao redor de Stranger Things, enquanto a galera enfeitiçada usava a frase “Save Barb” como o mantra de uma religião que estava sendo criada. Por que assistir a abertura sem pular, como se ela fosse uma obra prima, como a de Game of Thrones ou a de True Detective? Por que agir como se esse grupo de crianças não fosse igual a tantos outros em filmes de terror? Por que esse monstro, neste mundo invertido sem uma explicação plausível, é de repente a coisa mais assustadora que já existiu? Nada é novidade aqui, então que encantamento todo é esse? É como herdar memorabilia dos anos 80 de um tio-avô que ninguém conheceu. Aqueles entre nós que viveram a época, se dividem entre os que detestam velharias e os que sentem uma vibração estranha no coração, quando sintetizadores são usados. Não é apenas uma questão de nostalgia, mas também de curiosidade sobre o que essas lembranças significam para nossos semelhantes, para aquele desconhecido tio-avô, por exemplo. Para millennials que encontram na mesma herança, relíquias como músicas antigas e referências a filmes que eles podem nem ter visto, a experiência pode até começar como uma viagem divertida ao tempo dos pais, mas ela se desenvolve com a identificação pessoal, através de temas universais e atemporais, como a amizade, o primeiro amor, o medo do sobrenatural e a família já em um formato não-tradicional, que Spielberg e Stephen King já celebravam como ideais para a formação de adolescentes cheios de sensibilidade.
Pode não parecer, porque eles são tão lindinhos, mas a inocência da série não vem das crianças, vem da noção de que vilões são vilões e gente boa é gente boa, sem margem para erro e não há nada de ruim em ter esta certeza durante a exibição do episódio. Na história, um grupo de garotos nerds acidentalmente se envolve em uma experiência científica do governo, onde um deles desaparece e um membro da experiência foge, virando parte do grupo. A menina carinhosamente nomeada ”11”, é uma espécie de Carrie – A Estranha, careca, cujos poderes vão mudando de acordo com a necessidade. A propósito, você pode reclamar de tudo na série, menos do grupo juvenil meio Goonies meio Conta Comigo que estrela Stranger Things. Eles são fofíssimos e carismáticos, mas espertos e competentes demais para levarem a culpa por buracos no roteiro. A responsabilidade deles é, junto com “Onze” e a mãe do desaparecido Will, descobrir um caminho para uma outra realidade, que todos passamos a conhecer como uma versão sombria e espelhada do mundo, onde o mais doce entre os meninos espera pacientemente por resgate e um monstro assassino busca uma brecha definitiva para o nosso lado.
A série não se limita a fazer o público procurar referências de coisas antigas, criando seu próprio legado na cultura pop moderna. A irmãzinha loirinha do personagem Mike, que percebe o sobrenatural antes de todo mundo é uma descarada mistura de Drew Barrymore em E.T. com Caroline de Poltergeist, mas a homenagem é algo percebido e colocado para escanteio, porque o que interessa é antecipar a decoração de Natal, incluindo o alfabeto na parede. Os quatro meninos em uniformes dos caça-fantasmas são muito legais, mas eu queria bonecos deles vestidos com as roupas deles. A bonequinha da Onze tem que estar de vestido rosa e sangrar pelo nariz! Stranger Things chegou para criar legiões de fãs, com força suficiente para limpar a barra de Winona Ryder de uma vez por todas. Perdida na era de ouro da minha infância, eu ainda enxergo a atriz novinha demais para interpretar mãe de marmanjo. É uma série para colocar um pé na realidade de um tempo antigo e outro pé no mundo invertido que é a modernidade.
THE TERROR – (2018 – …)
Foi-se o tempo em que grandes cruzeiros marítimos inspiravam histórias de amor na tv. Esta série (ou seria minissérie?), foi inspirada em um livro, que por sua vez foi inspirado na história real de dois navios do final do século 19. O nome de um deles é o nome da série e o destino era o Polo Norte, com o objetivo de encontrar uma passagem segura no meio do gelo para o que quer que houvesse do outro lado. A série é um flashback, porque já no primeiro de dez episódios, descobrimos que essa passagem não existe e que nenhum dos 133 homens daqueles dois navios, sobreviveu. A história tem começo, meio e fim, mas a segunda temporada foi anunciada para o ano que vem, então, a série pode ser uma antologia ao estilo de American Horror Story, com um tema de terror diferente por temporada, ou o que eu julgo terminado está longe disso.
Com uma fotografia impecável, uma vinheta de abertura divina e uma narrativa que segue os marinheiros na sua aventura no gelo, mas com retornos estratégicos para a terra firme que revelam a vida de vários personagens antes da viagem, The Terror é uma série viciante, que transmite o medo e o frio dos personagens para o público, semi-sobrenatural, abordando os problemas reais dos navios originais, como tecnologia precária diante de uma expedição tão ambiciosa, fome, paranóia, depressão, doenças, rebeliões e morte. Mesmo sendo essencialmente um clube do bolinha que exclui até os homens não militares, alheios aos jargões e condutas marítimas, a série é super acessível e muito bem feita. Eu não tinha a mínima ideia do perigo que uma viagem dessa natureza representava, não tanto na certeza do risco de morte, mas na possibilidade que esta morte poderia levar anos para chegar. Anos de esperanças sem retorno. O Terror retrata com fidelidade os sacrifícios dos primeiros exploradores em territórios quase inabitáveis. A atmosfera é sempre sombria e o pânico é quase sempre justificado.
Homens bem intencionados e teoricamente preparados, tomam a decisão logo cedo de continuar cada vez mais para dentro do gelo, mesmo que os blocos aumentem em espessura e quantidade. No clima que varia entre insuportável e insuportável – só que ainda mais frio, o mar congela prendendo os navios no mesmo lugar por meses. Ninguém sabe ao certo se os esquimós são amigáveis. A comida enlatada é abundante, mas o material que a armazena não é de confiança. Uma doença inédita começa a atingir alguns dos homens e uma criatura com o tamanho de uns 3 ursos e a inteligência de um velho marinheiro, cerca e ataca os navios, coletando vítimas de uma maneira bem bizarra, nunca por fome, deixando as tripulações dos navios (um deles, preso no gelo, tombando para o lado) apavoradas e prontas para cometer ainda mais erros fatais.
HEMLOCK GROVE – (2013 – 2015)
Uma jovem aparece morta na pequena cidade de Hemlock Grove. O corpo foi claramente estraçalhado por um animal grande, mas a maneira cerimonial na qual ele foi arranjado para quem o encontrasse, sugere inteligência humana. Roman Godfrey, o garanhão adolescente local, sua mãe Olívia, uma femme fatale cuja fisionomia não mudou nada através dos séculos e a filha mais nova Shelley, parte garota – parte experiência científica, são os membros da poderosa família que controla a cidade. De um clã muito mais modesto surge Peter, outro garanhão, de uma comunidade de ciganos que acampa na região, cheio de conhecimento sobre o oculto e atitudes suspeitas, o que chama a atenção da polícia assim que o número de corpos começa a aumentar. Ao compartilhar seus segredos um com o outro, Roman e Peter percebem que apesar da esquisitice mútua, os dois são inocentes dos crimes e precisam unir forças para resolver um mistério que as autoridades não têm nem como entender.
Eu não considero esta série uma versão júnior de True Blood, apenas porque o irmão mais novo do vampiro Eric também interpreta um ser obcecado por sangue. O tema das duas séries é basicamente o mesmo, com um relacionamento que alterna cumplicidade e rivalidade entre vampiros e lobisomens, com uma mulher angelical sendo disputada por dois bonitões, assassinatos violentos pelas mãos sobrenaturais de certos moradores da cidade, vários tipos de criaturas mitológicas co-existindo no mesmo universo e o mais importante: regras de desenvolvimento da história e dos personagens que são sagradas e inquebráveis, até que as reviravoltas nada plausíveis do roteiro exijam que elas sejam esquecidas. O problema é que enquanto True Blood levou algum tempo pra começar a apelação, Hemlock era mais afobada, como se fosse realmente um irmão mais novo.
Com produção de Eli Roth, que infelizmente se mostra mais estilo do que substância em muitos de seus trabalhos, a série poderia ter sido com vários personagens teens e muitas cenas de sexo, a substituta perfeita na mente da molecada, para a história água-com-açúcar de vampiros e lobos que foi Twilight. Só que assim como na “saga”, existe aqui muita fanfarra sem significado para distrair do fato de que a história permanece sempre a mesma. Me surpreendeu saber que a série é baseada em um livro, porque a impressão que dá é que o processo de criação envolveu um apanhado do que se acreditava ser popular e cheio de possibilidades na época, mas nenhum prazer real em se contar uma história. É como se a ideia tivesse sido dada por um profissional que escolheu não se envolver, deixando para o resto da equipe o trabalho de dar seguimento para a ideia. Hemlock Grove tem uma porrada de personagens, mas não chega a ser uma Stars Hollow e não vale o investimento. Não porque falte humor, mas porque falta amor.
BATES MOTEL – (2013 – 2017)
Só Deus sabe o apreço que eu tenho pelo material original, o filme Psicose (1960). Essa admiração, o respeito e o desejo de manter o meu nível de conhecimento limitado em relação aos personagens, para preservar intacto o universo de Norman, o dono do motel e Marion, a hóspede, me mantiveram longe da série por anos, mesmo que eu confiasse no potencial de Vera Farmiga. Seria correto confiar em uma visão que não era a do próprio Hitchcock, para o relacionamento entre Norman e sua controladora mãe Norma, nos anos posteriores à compra do hotel, sendo que não vimos isso no filme? Seria a história inventada da família Bates, com todas as liberdades criativas que a série tomou, um pecado dentro do cinema de terror, que condenaria nós traidores a uma eternidade assistindo a filmes natalinos feitos para toda a família? Bom, eu não sei se fazer Norman Bates dividir a mãe com um irmão é um sacrilégio, mas certamente é um modo interessante de mostrar que o problema do rapaz pode ser inerente e não adquirido, como se suspeitou até então.
Os produtores da série tem no entanto, o cuidado de atribuir uma pesada parcela da culpa pelo infame assassinato no chuveiro à matriarca da família. Na pele de Farmiga, Norma é uma diva doente, que atravessa a vida de todo mundo causando todo tipo de problemas, enquanto tenta esconder nas boas maneiras e carinha de anjo, traumas terríveis e uma disposição para defender os próprios interesses a qualquer custo. Ninguém é mais amado por ela do que Norman, o filho socialmente inadequado que carrega um nome bem parecido com o dela e exatamente por isso, ele é o mais atormentado. Ela é superprotetora e dependente a ponto de ser cruel com Norman, mas ai de quem tentar sofrer mais do que ele por Norma. No início da série, qualquer interação positiva entre mãe e filho, por ser completamente distante do que eu conhecia do filme, me causava muito desconforto. Depois, vendo as reais consequências dos atos ultra carinhosos e coniventes, é que ficou claro que a série somente reforçava a noção do filme de que eles eram tão viciados um no outro, que pessoas de fora eram vistas como verdadeiras ameaças e que ninguém mais era capaz de fornecer o que ambos estavam acostumados a ter um com o outro. Eles eram mesmo, no final das contas, uma só pessoa.
É claro que Bates Motel exibiu os sintomas típicos das séries feitas sem grandes ambições de ganhar prêmios, ou preocupações extremas com veracidade. Muita gente na história chega, enche o saco e some sem acrescentar muita coisa. Uma verdadeira indústria do crime precisou ser criada com toda a cidade como cúmplice, para que mãe e filho não fossem sempre os únicos metidos em encrenca em um lugar tão pequeno e para que ninguém fosse dono da moral, caso Norma e Norman estivessem no centro do problema. Norma era intocável em muitos episódios e seus contratempos eram resolvidos com facilidade, principalmente por ela ser tão bonita, mas é também com estes mesmo personagens tão blindados e sortudos, que vemos aos poucos a formação de uma grande tragédia que sabemos não ter escapatória. Pra mim, a melhor cena da série acontece entre Norma e o irmão dela, se perdoando pelo passado e dando à mãe de Norman uma pequena chance de normalidade na vida. Só que é tarde. Os violinistas já estão chegando no motel e estarão a postos quando as facadas começarem.