Criticas são tão limitantes… e emocionalmente desgastantes…
Seguindo a tradição de tantos outros artistas pela nossa história, que só tiveram o trabalho reconhecido postumamente, o pintor idoso Ventril Dease sacode o mundo da arte com força quando seus quadros são descobertos juntos com o seu corpo. São centenas de obras criando pó em um apartamento, feitas sob um estilo mais clássico de pintura, sem as aberturas interpretativas das obras modernas, habitualmente com crianças como objeto central e sempre com um tema sombrio. O testamento de Dease, que trabalhou a vida inteira como um operário e não tinha família ou amigos, diz que todos os quadros, pinturas e desenhos devem ser completamente destruídos após a morte dele, mas a Nossa Senhora da Preservação e do Lucro “salva” a maior parte do acervo, para que o mundo conheça o grandioso e íntegro novo-velho artista, desencadeando uma série de desaparecimentos e mortes bizarras. Só que não se engane, pois independente do que as tradições do terror te fazem esperar, este não é um filme sobre um pintor diabólico com suas obras amaldiçoadas.
Velvet Buzzsaw é uma comédia esnobe de terror, sobre o mundo ainda mais esnobe da arte, cujas regras são ditadas por donos de galerias, críticos e colecionadores. Os personagens possuem nomes que você não escuta com frequência, porque eles são especiais demais, únicos demais para responderem por Sally ou James. Donos dos recursos financeiros, dos contatos certos e das opiniões que interessam, eles têm o poder de elevar os medíocres, manter os monótonos e destruir os criativos, independente do gosto pessoal, se houver algum interesse por trás da decisão. Este sistema que mantém todas as portas fechadas enquanto um grupo seleto segura as chaves, não poderia ter outra consequência senão reprimir a originalidade e ferir a própria arte, no entanto, neste filme predominantemente tradicional sobre este universo injusto e absurdo, mas com tanto sangue, violência e efeitos para torcer o nariz dos avaliadores profissionais, a arte irá ferir de volta e só os que não são posers estarão a salvo.
Jake Gyllenhaal repete a parceria com o diretor Dan Gilroy (O Abutre), interpretando o crítico de arte Morf Vandewalt, um homem tão pretensioso que se dá ao luxo de ignorar sem uma razão clara até um dono de galeria, em mais de uma ocasião. Morf abre o filme, caminhando com uma pompa quase cômica, pelos corredores de uma gigantesca exibição de trabalhos recentes de artistas estabelecidos e de aspirantes, que só serão considerados artistas se caírem nas graças de gente com o poder de influenciar opiniões. É uma sequência muito interessante, que mostra muito pouco da apreciação genuína do público geral e bastante da exploração comercial que domina os bastidores nesta pré-exposição, além de apresentar boa parte dos participantes deste jogo. É nela também que, se você estiver prestando atenção, vai se ligar que Morf não chega a ser exatamente uma fraude, mas é um crítico cujo ponto de vista é quase sempre tendencioso, apesar de ele se orgulhar dos próprios princípios. Não seria o pior dos defeitos, se ele não fosse uma espécie de semi-Deus nos círculos que frequenta, com o poder de mover montanhas de dinheiro e de motivar comportamentos suicidas. Confuso sobre o que quer na vida, no amor, ele é um instigador de confusão sobre o que tem ou não valor no mundo da arte.
Buzzsaw é um filme bem movimentado. Quando não estamos pulando de galeria em galeria, onde a contemplação de uma obra é assunto secundário, estamos testemunhando mortes lentas, horripilantes e obrigatoriamente interativas, porque quem mata é a arte, como se o conceito fosse um personagem que se move pelo filme, mas o que mais importa são as vítimas, já que muita gente que entra em contato com as pinturas de Dease, não sofre nenhum arranhão. Na verdade, o pintor morto pode ter sido o gatilho, mas não é só a arte dele que representa perigo. Os abatidos pertencem a um grupo exclusivo, como sempre quiseram pertencer e estão sofrendo com isso como vips. Trata-se de uma vingança.
Assim como o mundo que representa, o filme caminha entre duas realidades. No universo dos artistas, dos compradores e dos intermediários entre eles, existe o olhar sensível que respeita o criador e sua obra, atribuindo valores com base na apreciação verdadeira e na qualidade inovadora e influenciadora do trabalho, e o olhar ambicioso que calcula preços astronômicos, sustentados por uma reputação fabricada, ou, como descreve a dona de uma galeria: uma ideia fina como uma bolha. Em Velvet Buzzsaw, a vida real que engolimos com facilidade é a da ganância, dos acordos clandestinos, das traições e da busca por respostas sobre as origens do artista falecido. Paralelamente, o comportamento dos personagens gera uma reação sobrenatural e assustadora, empurrando o filme para a categoria do terror de uma maneira muito estranha, quase artificial, por parecer deslocada em relação à outra parte da história. A verdade é que o conceito de obras de arte ganhando vida e descendo o pau em pessoas que, inconscientemente, trabalham contra o mundo da arte, é apenas uma ideia, fina como uma bolha, sendo vendida pelo diretor. Comprar ou não é com você. O elenco de influenciadores pode colaborar na sua decisão.
Gostei muito