Dois irmãos tomam a segunda mais importante decisão de suas vidas.
Os diretores Justin Benson e Aaron Moorhead fizeram algumas escolhas interessantes na direção deste filme, como por exemplo, escalarem a si mesmos para os papéis principais, mantendo também seus próprios nomes em uma tentativa de simplificar o que deve ser muito complicado. Eles já haviam dirigido juntos dois dos meus “terrores fora-do-comum” favoritos, Primavera e Resolution, que você encontra aqui neste blog, mas eu só me dei conta disso quando O Culto chega em um determinado ponto, em uma cena muito familiar, que me forçou a pesquisar sobre os realizadores e os seus trabalhos anteriores. O filme me parece uma produção autobiográfica, o que é estranho já que os eventos retratados aqui não aconteceram na vida dos diretores. No filme, Justin e Aaron interpretam dois irmãos que fugiram de um culto na adolescência, para se descobrirem vivendo vidas miseráveis dez anos depois. Adultos livres mas fracassados. Pode ter sido a metáfora perfeita dentro do terror para dois diretores com afinidade para fazer ótimos filmes juntos, mas sem explicações sobre a falta de sucesso com o grande público.
Eu sugiro, na verdade insisto que você veja Resolution antes de ver O Culto. Se já o assistiu, dê uma olhada pelo menos no trailer para refrescar a memória. O motivo que eu vou te dar por hora, é que O Culto se assemelha a Resolution na característica que mais importa nos dois filmes: intervenção no curso da história por uma força que se encontra fora do filme, utilizando gravações e fotografias para se comunicar com os personagens. É o recebimento de uma fita de vídeo que desperta em Aaron, o irmão mais novo, uma vontade incontrolável de rever as pessoas que os criaram após a morte dos pais, em uma comunidade rural meio hippie. Ele era muito novo quando os dois fugiram do acampamento e além de ter lembranças saudáveis das experiências que ficaram para trás, ele está de saco cheio do controle e super proteção de Justin. O mais velho obviamente tinha mais discernimento e depois de indícios que apontavam para um possível suicídio coletivo, ele nem hesitou em pegar pelo braço o único irmão de sangue e abandonar o restante da “família”. Eis que a fita é enviada para eles do acampamento, dez anos depois, mostrando que todos estavam vivos, bem e apesar dos protestos de Justin, Aaron quer voltar por pelo menos um dia, forçando o mais velho a ir junto. O estranho, é que a fita parecia um convite para um reencontro, mas ninguém no acampamento reivindica a responsabilidade pelo envio e nem haveria como, já que o endereço de Justin e Aaron não poderia ser do conhecimento de nenhum deles.
O Culto possui um modo bem rústico de contar a história, mas não por todo o filme. No início, a fotografia é bem amadora, o filme parece que passou por um processo de lavagem. Não há muito controle sobre a câmera. Os diálogos nem são muito longos, mas é difícil manter a concentração, porque as conversas entre os dois não tem o objetivo principal de esclarecer ou mesmo prender o público. A transição é bem sutil, mas assim que os rapazes decidem pegar a estrada, a narrativa começa a ficar mais clara e as cenas ganham uma filmagem mais profissional. Em uma parada estratégica para xixi, descanso e uma visita ao pedaço da rodovia onde os pais morreram, Aaron nota apenas o óbvio, mas Justin enxerga dois bandos de pássaros sobrevoando a área como se estivessem se espelhando no céu, em uma sequência de efeitos sem cortes muito bem feita e discreta, para passar despercebida mesmo. É como se a história saísse da vida real e entrasse para dentro de um filme de terror, onde um pouco mais de cuidado estético é necessário. Faz sentido, se pensarmos que a saída desesperada de Justin do culto, enquanto carregava um Aaron relutante com ele, era a tentativa de escapar do que ele acreditava ser uma história de terror.
No acampamento Arcadia todos estão muito bem. A cerveja artesanal é a fonte de renda primária e mesmo com uma designer de roupas disposta a fazer uniformes, todos se vestem como querem. Tem um homem que nunca fala e não para de sorrir para recepcionar quem chega, mas que grande grupo não possui um goiaba inofensivo? Arco e flecha, comida saudável e brincadeiras infantis na natureza, exalam ares de um acampamento de férias e não de uma perigosa religião restrita e autodestrutiva. Desde o início, retornar ao local da fuga para uma visita era uma boa ideia, porque o filme trabalha de maneira rápida e eficiente para mostrar a necessidade que Aaron tem de “voltar para casa”. O risco que imaginamos quando vemos uma comunidade alternativa em um filme de terror, não era uma possibilidade concreta desde antes de eles chegarem. Os rostos que eles encontram pela frente são amigáveis, por mais que exista uma grande e dolorosa dívida por parte dos irmãos, adquirida quando Justin e Aaron foram resgatados e começaram a falar com a imprensa sobre as atividades do culto. O problema na verdade não é a ocasional cutucada ou cara feia por parte dos membros. O que faz Justin não perder o nervosismo diante da cordialidade, é que em 10 anos, aquelas carinhas não mudaram nada. Todo mundo parece mais jovem do que os fugitivos que retornaram.
Eu adoro e morro de medo de um recurso que poucos cineastas usam no terror, mas que sempre funciona, que é aquela câmera que continua a vagar pelo cenário depois que a cena está aparentemente encerrada. É como se a gente fosse deixado à própria sorte, sem ter ao menos uma vítima pra ficar entre nós e o terror. O filme faz isso mais de uma vez e é apavorante. Em Arcadia, já que tudo é super fofo e mais atraente do que a vida do lado de fora, o que pesa são as atividades que Aaron fica arranjando toda hora para alongar a estadia. O comodismo de Aaron em junção à visão sobrenatural de tempo se esgotando, me fazem temer mais a reação de Justin do que qualquer outra coisa. Eles precisam se decidir novamente e esquecer a culpa, que está muito presente em O Culto. Mesmo que os membros do grupo tenham todos os motivos para ressentir os fugitivos, o dedo que aponta para Justin com mais firmeza é o de Aaron. Ele é o irmão que quer a liberdade para tomar as decisões erradas, ou na realidade, o parceiro de trabalho que quer mais autonomia. Não deve ser fácil trabalhar em dupla em uma área que exige tanto controle e criatividade. Pior ainda se o produto do trabalho nem sempre paga as contas.