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Dirigido por Justin Benson e Aaron Moorhead

Um americano na Itália conheçe a moça/monstra dos sonhos dele.

Logo no início do filme, a mãe de Evan está morrendo. Não é raro começar uma história de terror com morte, mas esta não envolve violência ou sangue e serve como um emotivo ponto de partida para uma jornada muito bonita, ainda que potencialmente cercada de perigo por todos os lados. Neste gênero também, é comum o protagonista viajar para outro país e encontrar gente esquisita pelo caminho, ou precisar trabalhar para um idoso solitário em uma casa isolada. Depois de perder a mãe, o emprego e qualquer coisa que o segurasse na cidade natal, Evan embarca em um avião e vai para a Itália, onde ele passa por vários desses clichês que causam ansiedade no experiente público de terror, mas Primavera é um filme muito diferente, começando pelo título mais exótico que eu já vi neste blog, até o fato de que com tudo o que presencia, Evan se preocupa em correr apenas da imigração.

Em luto e sem rumo, o jovem exercita na Itália um hábito da sua vida na América, que é o de encher a cara e desmaiar com companhia ao lado. Em casa, entre conhecidos, tudo bem, mas em outro país, entre estranhos, é para nos fazer esperar uma abdução seguida por amputação, ou algo “O Albergue” do tipo. No entanto, não há preocupação na mente do rapaz, apenas a tristeza que ele quer esquecer. Eu preciso dizer que é um ótimo protagonista, porque Evan é um cara comum mas não é típico. Nenhuma experiência na Itália é vista com cinismo, nenhuma conversa tem apenas o objetivo de passar o tempo e nenhum encontro é casual. Ele realmente nos faz esquecer que entramos no filme sabendo que algo terrível iria acontecer. O que Evan mostra, com a simplicidade de quem viaja para longe só com a roupa do corpo, é que algo belíssimo também aconteceria e se sobressairia. Primavera é, antes de mais nada, uma história de amor.

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Um dos encontros de Evan é com Louise, uma belíssima jovem por quem ele fica imediatamente encantado. Tudo o que ela quer é uma noite, mas Evan quer conhecê-la de verdade. Louise não gosta de se apegar a ninguém. Não é que ela se ache muita areia para os caminhões alheios, é que um namorado oficial atrapalha a vida de uma mulher que precisa tomar injeções ao longo do dia, para impedir que o corpo comece a apodrecer. Em muitos aspectos Primavera me lembra Antes do Amanhecer, o filme de 95 que teve duas continuações com Ethan Hawke. É como se o período que o jovem casal tem para se apaixonar fosse estendido neste novo filme, e esse tempo fosse usado de uma forma igualmente inteligente. Mais dias significam mais oportunidades para cometer erros e para causar conflitos, mas também para descobrir um sobre o outro de uma maneira mais natural e completa… desculpe, vamos voltar para a parte da garota apodrecendo? É o pedaço confuso da história, porque não há tanta explicação quanto se imagina, mas eu não posso deixar um gancho desses assim, sem muita atenção. É importante que se descubra aos poucos, junto com Evan na verdade, a dimensão do problema que Louise carrega, mas vamos deixar claro que o novo amor do gringo passa por períodos em que sua vida muda completamente e que ela não tem nenhum controle sobre isso. As transformações de Louise são algo inédito pra mim e mesmo sem os esclarecimentos completos, eu a considero uma pessoa extremamente perigosa para se ter por perto.

Um coisa que eu sempre amei no filme romântico de 95, era que apesar das nacionalidades e temperamentos diferentes, Jesse e Céline eram iguais e tinham sido feitos um para o outro. Aquela semelhança escondida era o que tornava a conexão imediata entre os dois algo facilmente aceitável pelo público. Neste filme, por mais que os períodos entre uma mudança e outra sejam longos, Louise segue uma rotina imutável na vida. Até a adaptação a uma nova realidade depois de cada transformação, não é nada além de um hábito. O mesmo vale para Evan, que fica com a mesma roupa o filme inteiro. Até quando um machucado na mão dele sara e ele tem a oportunidade de tirar o curativo, ele fere o mesmo local e enfaixa a mão de novo. Essas duas criaturas de costumes e rituais foram feitas uma para a outra, mas isso não significa que haverá um Felizes Para Sempre. É aí que aqueles encontros nada casuais, de possível perigo, entram em cena para alertar os dois. Se apaixonar não é uma escolha, lutar pelo amor é, mesmo que uma das pessoas, como ressaltou Evan, possa ser uma vampira/lobisomem/bruxa/alienígena.

A dualidade entre romance e terror fica evidente, quando a vontade de visitar um dos mais belos países europeus oscila por todo o filme. Eu adoraria conhecer aqueles cenários de tirar o fôlego, onde a direção nem se importa se a população local olha diretamente para a câmera. Várias tomadas aéreas, ou cenas em câmera lenta mostram o quanto aquela terra é lindíssima e convidativa como se a beleza e o romance fossem uma fantasia. O terror é a realidade, aparecendo no filme exatamente do mesmo jeito com cenas de natureza diferente, como os ataques assassinos de Louise, que são mostrados com truques de câmera, maquiagem e efeitos, e problemas práticos dos locais turísticos, como estrangeiros desrespeitosos e muitos insetos. De dia ou de noite, a sensação de perigo muda entre o medo de que Louise e Evan não fiquem juntos e o medo de que ela o mate durante um surto.

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Primavera é um filme com vários inícios, com muitos potenciais, todos bons. Um drama, com a superação de uma morte e o amadurecimento ao lado de amigos e da ex-namorada. Uma comédia, com uma viagem que leva a confusões na companhia de alguns britânicos malucos. Uma grande lição de vida, através da convivência com um pacato viúvo. Se o filme causar um certo desconforto por não ser totalmente terror, é bom que se reconheça que ele é muita coisa ao mesmo tempo, sem que haja pretensão ou erro de direção ao manejar uma história tão rica. No final, com uma sequência super tensa, a escolha é pelo terror, independente do desfecho, assim como são as minhas escolhas, pulando de gênero em gênero para descobrir o que assistir em casa, sem compromisso. Por essa razão e pela ótima execução do filme, eu já sinto vergonha por não ter feito uma lista dos melhores de 2014.

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