“Escrito”, “produzido” e “dirigido” por Edward D. Wood Jr.

Eu fiz um voto de objetividade, porque a biografia de Wood dirigida por Tim Burton em 94 tinha que ser removida da minha mente, para que a análise fosse séria e imparcial, sem as impressões cômicas e a anistia que acaba acompanhando essas impressões, quando assistimos ao considerado pior filme de todos os tempos e julgamos o homem por trás dele. Aí o filme começa com um narrador super elegante em um smoking, com uma voz de locutor de programa romântico de rádio e o nariz meio entupido, elevando as expectativas sobre o filme a níveis inatingíveis e soltando pérolas brilhantes do tipo: “todos estamos interessados no futuro, porque é lá que passaremos o resto de nossas vidas”, e eu me dou conta de que nem Burton nem Johnny Depp poderiam me preparar para o festival de lambanças que é Ed Wood. O voto durou cinco minutos e eu ri o filme inteiro.

Plano 9 é épico! O ator Bela Lugosi, por quem Wood era fascinado e para quem ele se tornou uma verdadeira fonte de amizade e de trabalho na velhice, morreu durante as filmagens e foi substituído por um ortopedista amigo de alguém, mesmo não tendo nada em comum fisicamente com o ator. Quando a cena mostrava Bela, o rosto aparecia, quando era o outro cara, ele se escondia atrás de uma capa sem explicação nenhuma. Falando em explicações, nada neste roteiro colado com durex ficaria muito claro, se os personagens não tivessem diversos monólogos super esclarecedores. Do tipo que contam a história já que o diretor não sabia como mostrá-la. Wood escrevia pra caramba, só não escrevia bem. Outra atriz regular nos filmes de Wood era a divindade do terror, Vampira, com sua cinturinha de boneca inspirando gerações de cadáveres-fatale com não muito mais do que a própria presença em cena. Ela aparece no filme somente após a morte da personagem e não tem falas, assim como Bela, em uma rara (ou única) demonstração de bom senso de Wood, para preservar seus vilões em uma atmosfera de mistério.

Plan 9 1

A história do filme é sobre uma invasão alienígena na terra, que provoca um apocalipse zumbi super bairrista. São apenas três mortos-vivos, usados como arma de terror psicológico para chamar a nossa atenção e nos dar uma lição de moral sobre as nossas guerras. É ridículo e o pior é que já é o nono plano para ganhar a atenção dos humanos, por uma raça muito mais inteligente e avançada tecnologicamente do que a nossa. O terror tem que ficar por conta mesmo dos mortos (que dificilmente conseguem atacar alguém), porque os extraterrestres são pura diversão. A nave-mãe e os seus filhotes são as coisas mais fofas do mundo! Nas cenas externas, um pano de fundo literal com pintas brancas simula o espaço e as estrelas, mas é do lado de dentro que o filme realmente brilha. A grande nave não possui somente uma decoração familiar aos terráqueos, como cômodas e cortinas, mas os invasores são muito parecidos conosco. É como se fossem nossos tios e vizinhos, com uniformes achados em brechó, em uma sala de controle que parece uma repartição pública… não, espera, vamos falar sobre o comandante deles um pouquinho. Bill Murray em Ed Wood já tinha feito o papel do ator de maneira hilária, mas eu não tinha ideia de que Murray nem chegaria perto da figura que nós vemos neste filme. Todos os atores são tão extraordinários quanto os diálogos que recebem, mas John Breckinridge, que interpreta o líder supremo, é o responsável maior pela dor na minha mandíbula.

Ed não sabia o que estava fazendo mas era um apaixonado por cinema, tendo ao seu lado um seleto mas fiel grupo de apoiadores, que ganhavam papeis em seus filmes e ele não menosprezava a inexperiência de ninguém. O filme foi financiado por uma igreja batista e Wood não era exatamente um produtor competente, mas convenceu elenco e equipe a serem batizados pelos patrocinadores. Tem muito amor em Plano 9, porque Wood tinha coração e não buscava tanto a fama quanto uma maneira de estar sempre trabalhando. A demonstração dessa devoção de Wood acontece sempre da pior maneira, com cenas longas ou desnecessárias que ele deve ter amado, ou com destaque a personagens que não fazem diferença na história, mas ele julgava cruciais para o filme. Só Ed Wood e o seu apego ao faz de conta, para acreditar que ninguém notaria ou se importaria com a falsidade dos seus cenários, ou com a sua total falta de talento para contar uma história.

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Se Ed possui algum mérito, é o de ser um cara corajoso apesar do estilo de filmagem mambembe, inovador quem sabe, anos luz antes de outros diretores bons ou medíocres, que se tornaram autorais primeiro e básicos depois, só pedindo desculpas se eles julgassem que a estratégia não havia funcionado. Mas Ed ainda é ruim, muito ruim, mantendo no filme todo um clima de teatro comunitário feito por adolescentes. A maioria das sequências é feita apenas com uma Cena Master (bem ampla), como se estivéssemos vendo uma peça mesmo. Dificilmente há um close up e se ele se aventura a cortar de uma master para outra, sempre há erro de continuidade, ou quebra de eixo, ou qualquer outra regra básica do cinema que incentiva a imersão do público na história. Em uma inacreditável sequência de perseguição dentro do cemitério, as tomadas ficam alternando entre dia e noite no meio da ação (sem brincadeira), exibindo uma falta de planejamento e noção, que eu me pergunto se Ed era capaz de raciocinar logicamente em outras áreas da vida dele.

Eu disse na crítica anterior, que gostava de quando a câmera continuava rodando mesmo que a cena tivesse terminado em um filme de terror, do medo que me dava, mas Plano 9 usa essa técnica de uma maneira diferente. Se o movimento da câmera precisa ser muito dinâmico, como por exemplo, seguir um Bela Lugosi com meio pé na cova enquanto anda pela calçada, a panorâmica não consegue acompanhar e a cena fica sem assunto por alguns segundos. Que tal o exército enviar um de seus coronéis para combater os aliens, em cenas de batalha que Wood não filmou mas usou, assim como outras imagens de arquivo “emprestadas”de outros filmes, só para depois ameaçar este mesmo coronel com a corte marcial caso ele diga que acredita em alienígenas? Piada né? Nada faz sentido, o pior filme já feito, com certeza, mas é imperdível!