Duas crianças desaparecidas, duas narrativas separadas, o mesmo desfecho.
Eu nunca fui uma grande fã de fantasmas super-poderosos em filmes de terror. O que está morto pode atormentar até provocar o esgotamento de alguém, mas não pode matar. Com o poder de atravessar paredes, você perde a habilidade de tocar quem está vivo. Pior ainda é aquela mania de fantasmas infantis, de aparecerem para o protagonista e considerando a raridade e a preciosidade de um encontro entre vivos e mortos, o pirralho corre e depois some, ao invés de ser um pouco mais prático e dizer a que veio. I Remember You possui um espírito com essa característica e com a ousadia de agir de forma agressiva contra idosos debilitados, sem mesmo um motivo muito forte. Só que o modo como o filme foi construído, reduz a fúria do morto (e a nossa irritação com ela) para o segundo plano, enquanto desenvolve uma história de mistério, agregando mais e mais pessoas e ultrapassando os limites de tempo e espaço.
Diretamente da Islândia, terra de gelo, Bjork e personagens com nomes que nem soletrar eu consigo, chega este filme de terror dividido em duas partes intercaladas, que fala sobre morte, violência, sumiços e um minucioso trabalho policial através dos anos, nem sempre com resultados satisfatórios; tudo isso mantendo intactas a integridade e a fama de pacífica da nação. Na primeira história, Freyr é convocado para participar de uma autópsia no interior do país. Agora, ele não é um legista, é um psiquiatra, mas a Islândia possui menos habitantes do que a minha cidade (que não é muito grande), com poucos eventos marcantes e onde o índice de mortes não-naturais é quase inexistente. Alguém capacitado precisa estar presente para acalmar os ânimos, quando uma velhinha com marcas de tortura nas costas comete suicídio, no altar de uma igreja desativada que ela também profanou antes de morrer e frequentou quando era criança. A população não esquece coisas desse tipo, assim como um homem local não esqueceu do próprio psiquiatra, cujo filho desapareceu alguns anos antes, causando comoção e mobilização por todo o país. Crianças não somem na Islândia.
O modo como a segunda história está conectada à primeira, ou mesmo, porque há a necessidade de uma história paralela, é um grande ponto de interrogação por todo o filme. Katrín também perdeu um filho há muito tempo, mas está tentando seguir com a própria vida. Ela parte em direção à uma propriedade que ela irá transformar em uma pousada com o marido e uma amiga. O empreendimento se revela uma grande dor de cabeça desde o início, com as condições climáticas extremas e o estado precário em que a futura pousada se encontra. Isso sem contar que o acesso ao local é somente por barco e durante muitas semanas, os três ficaram sozinhos por lá. Se você achava que uma casa isolada com um fantasma era um problema, imagine uma ilha. Mas enfim, lá está Bérnodus, o pirralho esquecido no tempo, surgindo aos poucos também na narrativa de Freyr, primeiro como uma ideia distante e depois como uma grande força por trás de diversos eventos no filme. Pela primeira vez em muitos anos, mesmo caindo aos pedaços, a pousada está cheia de vida para despertar a curiosidade de uma entidade adormecida até então, mas curiosamente, Katrín parece ser a única que chama a atenção de Bérnodus.
Eu gostei muito do realismo com que todos reagem à assombração. De um lado a pobre Katrín, mesmo sofrendo fisicamente com as estranhezas que se passam só com ela na propriedade, lida com as aparições com bom humor e autocontrole. Ela permanece em silêncio, porque o negócio precisa ficar realmente feio antes de você passar um carão na frente dos outros. Do outro lado, Freyr não tem a mínima vergonha de dar xilique! Auxiliando uma detetive no caso da suicida, ele começa a receber informações por fontes nada convencionais, que acabam ligando o desaparecimento do filho a uma série de acidentes com vítimas em idade avançada. O que eu não gostei é um outro hábito de alguns fantasmas em filmes de terror: aquele costume idiota de gritar fazendo careta ao ver um vivo, como se além da cova o espírito estaria se assustando ao encontrar espécies com pulso.
I Remember You nos convida a visitar um lugar sossegado, onde as pessoas não conseguem evitar a lembrança de tudo, com um filme que pausa para mostrar reformas e pessoas tomando um café, como se a vida fosse normal, mas mantendo o passado ativo em todo o momento. Com uma divisão entre a história em que o corpo é encontrado e outra em que se investiga a causa da morte, é muito interessante assistir achando que as narrativas parecem estar se afastando, com a grande quantidade de detalhes que cada apresenta, sendo que na verdade, tudo se encaminha para um desfecho só, super inspirado, que resolve os mistérios mesmo sem por um ponto final neles. Uma cena de pura ternura no final do filme, me arrepiou por juntar o mundo dos vivos com o dos mortos, como se isso fosse uma coisa natural. Vale a pena conferir!
Woow, me encanto la critica, y me encanta Bjork un motivo más para verla.
Gracias, querida!