A conspiração, da conspiração, da conspiração.

Para todas as coisas que existem no planeta, existe também um alérgico que as rejeita e para todas as ações mal sucedidas do governo, existem várias teorias de conspiração, tentando transformar o que provavelmente foi uma sequência de burradas de gente incompetente, em algo muito mais interessante do que deve ter sido. Banshee Chapter é um filme que mistura found footage com cinema tradicional, para explorar uma teoria falsa dentro de um acontecimento bem real na história recente dos Estados Unidos, envolvendo a C.I.A. e as Forças Armadas em um experimento ilegal e perigosíssimo de tentativa de controle da mente, que começou no início dos anos 50 e se estendeu até quase a revelação bombástica da prática em 75.

Aquela cartela informativa que abre todos os filmes deste tipo, dizendo que a obra a seguir foi baseada em fatos reais, já está tão batida que acaba causando o efeito contrário. Agora, a verdade é que o MK-Ultra aconteceu mesmo. O governo americano realmente conduziu experiências com o uso de hipnose, tortura e drogas de fabricação própria, destruindo a sanidade de soldados e cidadãos do país, que muitas vezes se tornaram voluntários do negócio pela promessa mentirosa de que o procedimento era um tratamento de saúde gratuito. As teorias sobre a finalidade do programa brotaram aos montes, logo que o escândalo estourou e você verá entre a teoria fictícia a qual o filme resolveu se apegar, pedidos de desculpas reais do ex-presidente Bill Clinton à população americana em relação ao MK-Ultra, assim como o relato asqueroso, porém desavergonhado de um químico muito atrevido, envolvido até o pescoço no escândalo. A ficção, e eu enfatizo que o filme está cheio dela, fica por conta de um depoimento muito bem posicionado entre as declarações verdadeiras, de um cara qualquer dizendo que as cobaias reportavam terem vivido exatamente os mesmos tipos de alucinação, com as mesmas paranóias subsequentes, mesmo tomando a droga em épocas diferentes. Bom, não é exatamente um “cara qualquer” que chega com essa informação. Seu nome é James e é ele quem vai nos mostrar os efeitos da droga alucinógena em primeira mão.

BANSHEE CHAPTER 2

Se prepare porque Banshee Chapter adora dar sustos, a boa notícia é que eles pelo menos dão medo. O primeiro acontece na filmagem deixada por James antes dele desaparecer. É uma sequência simples em que ele ingere a droga (aquele líquido azul típico de comerciais de fraldas e absorventes) e demora pra sentir alguma coisa, até que começa a reagir de uma maneira que não se espera de um sujeito dopado. O desfecho é assustador e chama a atenção de Anne, a repórter/cineasta que protagoniza o filme. Eles eram muito próximos, melhores amigos mesmo e ela tem algumas certezas antes de embarcar em uma investigação solitária para encontrar James. O rapaz era um homem sério, um profissional que jamais faria um vídeo falso de terror para ganhar fama, ainda mais tendo como pano de fundo o episódio grotesco que foi o MK-Ultra. Não, ela sabia que os efeitos reais da droga, a conspiração para acobertar tudo e uma eventual punição para os envolvidos eram o objetivo de James. Por mais extraordinária que a fita deixada por ele fosse, ela era a única evidência física e deveria ser levada a sério. Logo Anne cai na estrada para seguir as pistas deixadas por tudo o que consegue ver e escutar na gravação de James.

O filme é bem confuso em relação à captura de imagens. Sem nenhum aviso, ele muda de found footage para um filme normal que parece ser gravado com a câmera na mão, para documentário falso dentro do filme normal, para imagens de flashback que pela linguagem, parecem ser found footage. Eu juro que eu não sou implicante, ainda mais com terror, mas essa indecisão distrai pra caramba. Me custou para perceber que Anne não tinha um cinegrafista junto com ela. Ainda tem as “imagens de arquivo” das experiências da C.I.A., que não servem exatamente para explicar muito, apenas para mostrar um padrão bem atrapalhado de pesquisas. Injetar a droga em um coitado amarrado e apagar a luz para intensificar os efeitos, não parece profissional, parece uma pegadinha. São sequências em preto e branco que surgem como parte do filme principal e são como uma procrastinação, até que a história de Anne retorne. Sempre um paciente sem a mínima ideia do que vai acontecer, acompanhado de um cientista sem a mínima ideia do que está fazendo, em um ambiente onde todo mundo mantém a cara fechada até que a experiência vire um desastre. Sempre vira.

BANSHEE CHAPTER 1

Mesmo cheia de determinação, Anne não sabe se recolhendo todo o tipo de informações sobre a experiência de décadas atrás, ela irá conseguir encontrar o amigo, ou descobrir o que aconteceu com ele. Ela só sabe que ingerir a droga seria não somente inútil, como um erro absurdo, mas depois de conhecer Thomas, um escritor hippie interpretado por Ted “Buffalo Bill” Levine, ela começa a entender que para se queimar nessa história, basta o cheiro da fumaça. O que o desaparecido James vivenciou em sua experiência com o narcótico, também foi sentido pelo rapaz que gravava o vídeo, o que é no mínimo sobrenatural. Como é possível que uma droga cause o mesmo efeito em quem não a tomou? O filme sofre uma reviravolta bem bizarra, quando Anne se encontra em uma conspiração que vai muito além de qualquer plano nefasto que o governo poderia ter.

Um início que prende, uma execução meio bagunçada, muitas perguntas sem resposta, sequências de muito pavor, um confronto intenso com o inimigo e um twist estranho no final. Vale a pena, mas não espere coerência. Em inglês o título quer dizer “Capítulo da Alma Penada”, em referência ao livro que James estava escrevendo e à porção que descreveria as supostas alucinações coletivas das vítimas da experiência. Com tantas teorias sobre o assunto, é original mas também estranho terem escolhido uma que atribui os acontecimentos a uma força do mal, como se nem o Tio Sam estivesse no controle total da situação. É um filme que acaba defendendo, meio que sem querer, uma transferência da culpa de quem estava no poder para qualquer outra entidade que nem foi muito bem definida. Será que foi o governo que encomendou este filme? Olha aí, mais uma teoria maluca ganhando vida na internet!