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Dirigido por Ole Bornedau

Martin é aterrorizado por um serial killer quando aceita um trabalho em um necrotério.

Existe um remake americano deste filme, realizado em 1997 com Ewan McGregor e foi a versão que eu vi antes, logo quando foi lançada, sem saber que outra já existia, mas o original, com o Jamie Lannister novinho no papel principal, é o que realmente vale a pena. Um grande sucesso na Dinamarca na época, o primeiro filme será o escolhido para estrelar este post por ser o mais ousado, o mais assustador e o que agrega ainda mais estranheza à história do estudante de direito sem grana, que já começa o filme tendo aceitado o trabalho supostamente mais tranquilo do mundo, para terminar de pagar seus estudos. Desta vez um orçamento mais generoso não significou um filme melhor.

Eu já contei que a minha mãe trabalhou por décadas no Instituto Médico Legal da minha cidade? Eu adoro a expressão de surpresa/horror quando eu revelo isso pra alguém pela primeira vez! “Quando era criança, eu a visitava o tempo inteiro lá” é o detalhe da história que arregala os olhos um pouco mais. Agora, por mais que seja divertido usar a profissão da minha mãe para assustar os amigos, eu nunca tive nenhuma vontade de seguir a mesma carreira e ela nunca enxergou a própria função como algo extraordinário. Os meus mortos ficam sempre do outro lado da tela, porque eu não tenho a coragem da véia, apesar dela dizer (quando raramente dizia algo a respeito) que coragem não tinha nada a ver com o negócio e que tudo era um questão de costume. No filme, Martin também acha que não precisa de coragem ou mesmo de vocação, mas ele não é a minha mãe e vai ter que enfrentar mais ocorrências bizarras em poucas semanas, do que ela encontrou em 30 anos de profissão.

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Martin tem uma namorada e está apaixonado por ela, mas não deixa de encorajar os avanços de outras mulheres em sua direção. Ser menos heroico e mais humano do que se espera em um protagonista, não tem nada a ver com a influência do melhor amigo Jens que também tem uma namorada, mas é uma bagunça promíscua e temperamental que vive colocando Martin em apuros. A relação entre os dois é a mais interessante em um filme cheio de personagens multifacetados, e por mais que seja visivelmente destrutiva, cada um é o único responsável por seus próprios problemas. A personalidade tolerante de Martin, que faz dele um cara super legal, é o que também permite que ele se torne o suspeito principal de crimes horríveis, lá pelo meio do filme, por mais improvável que isto seja. É plausível no filme não pela inteligência do verdadeiro culpado, mas pela indiferença e bananice do rapaz.

Ser guarda noturno em um lugar daqueles parece ideal para Martin quando ele chega para trabalhar no primeiro dia. É um prédio espaçoso, onde ele teria um cantinho só pra ele, nenhum supervisor, bastante tempo para estudar, ler, ouvir música… Tudo parece estar na paz divina, até que o último legista da noite vá para casa e Martin fica sozinho, tentando fazer todas as coisas produtivas e divertidas que planejou, enquanto faz um esforço gigante para ignorar onde está. Como trabalho é trabalho, o turno da noite vai ficando dia a dia mais suportável até que um serial killer comece a matar mulheres e os corpos tenham apenas um lugar para ir. O maníaco gosta de suas vítimas sem reação, o que é uma preferência semelhante a de um antigo funcionário do necrotério, que para evitar um escândalo na cidade, nunca pagou pelo crime de necrofilia. Eu gostei quando o verdadeiro assassino, que era um personagem bem óbvio, foi revelado antes do que se esperava. Assim dava pra curtir o restante do filme com medo e sem aquele ar de superioridade.

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Pela minha experiência com os amigos, eu digo que as piadas mequetrefes sobre os mortos se levantando, infelizmente não são uma exclusividade do cinema. Mas a experiência familiar me faz questionar certos aspectos do filme, das mais tolas mas inofensivas, como a história de que trabalhar perto de gente morta causa mau hálito, às mais sérias como a ideia de que um lugar tão grande, que pode receber “gente” a qualquer hora, tenha apenas uma pessoa responsável por tantas horas. A porta do local também está quebrada e qualquer um pode entrar lá. No entanto, os pontos mais absurdos do filme também são os que me fazem gostar mais dele do que do remake. É como se o desleixo fosse parte da cultura dinamarquesa e isso fosse divulgado sem vergonha nenhuma. O assassino começa a se aproveitar de Martin e das circunstâncias nas quais ele se encontra porque é fácil, assim como Martin também se aproveita de qualquer coisa quando pode. O filme chega a ser ridículo em algumas situações, mas não tanto assim, quando a gente percebe que ninguém no filme respeita nada, nem os relacionamentos, as aulas na faculdade que são caras, as cerimônias religiosas, as profissões e nem mesmo os corpos sem vida. Se todo mundo pode ser vida-loka, então tudo é possível.