
Você quer alguém na sua vida, que te olhe como Laura olha para o filho Simón.
Laura tem um plano. Com o marido Carlos, ela comprou o casarão que a abrigou quando era uma órfã, para transformá-lo em um orfanato igual ao da sua infância, com poucas crianças que sofrem por alguma debilitação. Há alguns anos o casal adotou Simón, um menino hiv positivo, mas enquanto todos falam naquela língua quase que completamente compreensível sem legendas, eu me pergunto o que Laura espera de tudo isso. Eu admiro o gesto, mas não entendo porque alguém retornaria ao momento e local em que a vida estava parada, à espera de uma família. Laura parecia ser a única criança sem alguma deficiência, mas ela não demonstra culpa por ter sido a única adotada, na verdade, seus pais adotivos não são mencionados em nenhuma parte do filme. Seria gratidão, retribuição, ou quem sabe os futuros acolhidos aliviariam uma possível perda, como irmãos e irmãs de Simón, o amor da vida de Laura?
Nas primeiras imagens do filme, percebe-se que a infância foi um período de alegria, em que nada perturbava a paz das crianças. Ninguém esperava que alguém os levasse para ter um quarto exclusivo, brinquedos melhores, um pai e uma mãe. Laura era feliz e repetir este sentimento talvez seja a única ambição dela com o projeto. Os órfãos também não tinham roupas diferentes, eles usavam um uniforme e é notável a semelhança entre eles e os novos amiguinhos imaginários desenhados por Simón. Mas Laura ignora o fenômeno, permitindo a abertura de uma porta para que o filho descubra segredos que ele ainda não deveria saber. Em pouco tempo, a relação de puro carinho entre mãe e filho se torna áspera e complicada. Eles brigam e Simón, que é apenas um pouco mais velho do que uma criança de colo, desaparece.
O filme é de um diretor que na época não tinha experiência com longas, tem a atriz Belen Rueda no papel principal, que você já deve ter visto em outros terrores espanhóis e tem Guillermo del Toro na produção e a mão dele no filme é evidente. Ela está na atração por um terror ao mesmo tempo belo e triste, na qualidade técnica que está sempre em igualdade com Hollywood e nas maravilhosas casas que queremos habitar apesar de temer. Os mortos de del Toro são geralmente seres injustiçados, também podem agir por meios difíceis de serem compreendidos a princípio, mas o objetivo final é o esclarecimento, não a vingança. Eles não tem malícia, só querem estar em paz.
Ao contrário do que acontece em outros filmes de terror sobre espíritos, não passa de uma impressão a ideia de que se os vivos tiverem a determinação e o conhecimento necessários, poderão manipular os mortos para conseguir os resultados desejados. Não são apenas mortos, são crianças mortas, no comando de tudo o que acontece e é através das regras delas que os resultados aparecem. É uma sequência de enigmas para serem resolvidos literalmente na base da brincadeira, não por capricho infantil, mas por ser o caminho mais confortável para os órfãos. Crianças tem soluções simples para os problemas, mas mesmo com elas dando as cartas, O Orfanato não tem nada do colorido habitual. É um filme muito escuro, apesar de ser bem iluminado e dominado por um cinza que não se altera de acordo com o desenrolar da história. Alguns personagens preferem o cinza, ele não é visto como algo negativo ou incerto.
Simón permanece desaparecido por muito tempo, sendo muito pequeno e muito doente para que os pais mantenham as esperanças de encontrá-lo com vida. Isso não significa que Laura tenha desistido de saber o que pode ter acontecido. A maternidade era muito mais do que um papel clássico no universo feminino para Laura, era grande parte da sua identidade. O filme tem médiuns que orientam, policiais que auxiliam nas buscas, tem o marido que sofre ao lado e muitos mistérios que não podem ficar sem solução, mas o mais importante é Simón, e Laura é a única que pode encontrá-lo. O que teria acontecido com o menino? Quem o levou e por quê? A mãe, em uma ótima montagem no estilo “Se você (re)construir, as crianças virão”, acredita que sendo adulta, precisa encenar o conceito exemplar do que significa cuidar de alguém, mas ela só encontra o que procura, quando entende que só precisa ser ela mesma, a personificação do instinto materno.
O Orfanato é um terror para chorar. Claro, barulhos no meio da noite, uma entidade encapuzada, com pouco tamanho mas muita personalidade, vultos e objetos que se movem sozinhos, simbolizam sempre o despertar dos nossos medos primitivos em filmes de terror, mas aqui eles não chegam perto do pavor causado por não saber o paradeiro e as condições de saúde de alguém que se ama além da vida. É um filme que usa um desfecho mórbido, e nada recomendável na vida real, para dar seguimento a uma revelação chocante. É o final feliz para poucos, sem julgamentos. É o resultado dos trabalho de ótimos profissionais do cinema, que confiam na empatia e no bom senso da sua plateia.