
Cinco amigos invadem uma estrada particular de carro e sofrem um acidente perto de um milharal.
É uma estrela cadente, uma agulha no palheiro de tão rara, mas existe vida obscura inteligente na sessão de terror do Netflix. Este desconhecido com um nome clichê e uma capa genérica, se escondia entre os mais esquecidos do site, cercado por filmes muito inferiores e sequências que ninguém pediu para serem feitas. O Espantalho não é desprovido de defeitos ou uma aula de originalidade por uma produtora pequena, mas surpreende. O filme é tão despretensioso, que o estúdio responsável pelo lançamento demorou dois anos para fazê-lo. Pela apresentação, ele não passaria de um slasher com uma história parecida com tantas outras, só que você não vai confundir o filme com nenhum outro, quando se lembrar dele daqui há alguns anos.
Cinco amigos dirigindo pela estrada, cercados por plantações de milho durante o dia. É tão inocente quanto seria na vida real, até que um bando de corvos voa direto contra o para-brisa do carro, provocando um acidente feio. Milho e corvos assassinos já são dois filmes diferentes no departamento das referências, mas espere até os acidentados, agora sem carro, avistarem uma casa bem velha no centro da plantação, que toda a história do cinema de terror irá passar em flashback na sua cabeça, acompanhada de uma sirene e um sinal gigante com o aviso: “Matenha a distância”. Só que os nossos amigos aqui não tem muita escolha. Quando acordaram do acidente, um membro do grupo não estava mais entre eles, então eles seguem para a casa… e encontram o amigo já super integrado com os afazeres domésticos.
Caminhando pelo milharal e ocasionalmente se perdendo, porque a plantação é muito alta, dois personagens encontram um carro velho alí mesmo junto com o milho. O pensamento é que algum motorista distraído invadiu a propriadade, ou, pelos corvos mortos em cima do capô, que a história do início do filme pode ser a repetição de outra. Mas eles também encontram a caixa de correio intacta entre as plantas. É como se em outros tempos naquela fazenda, as divisões entre o que é lar e o que é sustento fossem diferentes, mas a plantação avançou em várias direções e nenhuma providência foi tomada a respeito. Na verdade, não existe nenhum caminho até a casa que não seja através do milharal. Não é um local acolhedor para visitas.
O filme é um super slasher, violento pra caramba, dilacerando corpos como a definição da palavra slash sugere. Mesmo sem muita grana na produção, a fotografia e a direção de arte são muito boas, os cortes na edição são enxutos ou generosos dependendo da circunstância, então dá pra acreditar numa boa que, os ataques aos amigos são velozes e cirúrgicos, ao mesmo tempo em que acontecem em uma plantação que parece nunca ter fim, não importa para que lado e por quanto tempo eles corram. Os fãs de terror não pedem por um roteiro muito elaborado, mas O Espantalho, além de usar bem o pouco que tem, se mostra um bom e apavorante mistério, desvendado aos poucos com recursos tão simples quanto a conveniente mediunidade de um dos personagens e a repetição de certas ações, que os sobreviventes dos primeiros ataquem encaram como um ritual, do qual eles estão sendo forçados a participar e que eles também podem usar para escapar.
Houve apenas um momento na história da humanidade, em que um espantalho não foi representado como uma ameaça ou uma presença sinistra, e este momento foi o filme O Mágico De Oz. Tudo o que o adorável companheiro de viagem de Dorothy queria era um cérebro, perdendo palha a cada rasgo de roupa e nos fazendo sofrer junto com ele. Tadinho. Mas nem o sucesso década após década deste clássico foi o suficiente para melhorar a reputação deste ser. Tem uma cena no filme em que um dos amigos precisa enxergar para onde está indo e para isso, sobe no crucifixo e fica cara a cara com o espantalho. É o ponto alto de nervosismo no filme, seguido bem de perto por outra cena envolvendo um isqueiro, uma máquina de costura e a fabricação de outro espantalho (eu mencionei que são vários no filme?). Nada demais acontece em nenhuma dessas cenas, mas não importa. Espantalhos não nasceram para espantar apenas corvos, ninguém ficaria a vontade com eles por perto e o diretor deste filme sabe disso.
Mesmo sem ser uma ideia original, ou sem explicar completamente o porquê dos acontecimentos, o filme tem os seus truques para manter o público interessado e morrendo de medo. Sabe aquele cara sensato que enxerga o perigo logo no início e foge na hora correta, e não na hora politicamente correta? Claro que não, ele não existe nos filmes de terror, mas ele está aqui e é claro, indo contra a natureza do gênero, ele se torna uma espécie capenga de vilão. O mocinho também não ajuda e até quem morre vira parte do problema. A maior qualidade em O Espantalho é que a sobrevivência é uma questão de estratégia, muito mais do que heroísmo, força ou até mesmo sorte. É usar o cérebro que o espantalho não tem.