A franquia V/H/S, iniciada em 2012, interrompida em 2014, retomada em 2021 e contando atualmente com 5 filmes, tinha uma premissa sempre muito atrativa para qualquer cinéfilo, mas especialmente os de terror: a antologia. Algo em torno de 4 segmentos por filme, com uma história primária envolvendo a descoberta das fitas já obsoletas e servindo como elo de ligação entre as demais histórias, cada uma produzida por uma equipe cinematográfica completamente diferente. O que os financiadores pediam, era que o estilo found footage fosse respeitado, afinal de contas, uma coleção de fitas caseiras repletas de gravações macabras, nas mãos de um colecionador qualquer tendo sua privacidade invadida por curiosos, era um tema não só apropriado para o título do filme, como também recompensador para quem o assiste. Os nomes dos curtas vão do banal “Fita Número Tal”, ao mais sugestivo como “Tempestade de Ossos”, mas o clima amador precisa ser sempre mantido. Em 2013 a ótima sequência V/H/S 2 superou o primeiro filme em prestígio, mas o estrago que V/H/S – Viral fez, com suas histórias majoritariamente fracas e seu desprezo pelo conceito primário dos filmes, em 2014, quase colocou um ponto final em uma trajetória de elevação que parecia certeira, do circuito independente para o mainstream para a franquia.
Em 2021 a Shudder, plataforma de streaming e produção de filmes de terror, resolveu reascender o interesse pelo Universo Cinematográfico do Videocassete,comuma sequência de curtas eficientes e retornando às origens do found footage temático, deixando-o ainda mais temático, com a inserção de um ano fictício de produção, como é o caso de V/H/S/94. O desafio, era fazer o público voltar a confiar novamente em uma proposta, cuja garantia de qualidade já nasceu em forma de roleta russa. A boa notícia é que como o filme faria parte de um catálogo já pago, os clientes poderiam conferir apenas o primeiro segmento, porque já fomos traídos uma vez, como um teste descompromissado que iria declarar ou não a morte definitiva da ex-franquia dos sonhos. Eu admito que um decreto de extinção desses, não viria desacompanhado de um sentimento de luto pela oportunidade perdida. Ainda tenho na memória, as imagens chocantes do primeiro curta no primeiro filme, com aquela surpresa feminina em uma história sobre toxicidade masculina. Quase na íntegra (e isto é impressionante para a minha cabeça, cheia de referências semelhantes), eu me lembro de um dos mais empolgantes e caóticos contos de zumbis que eu já vi, aparecendo no segundo filme com toda a modéstia reservada para produções muito inferiores. Foi maravilhoso constatar que este relacionamento entre público e V/H/S’s ainda tinha salvação, na verdade, como foi bom entender que sempre teria.

V/H/S/94, já começa com uma história-conector-respiro, na qual nunca descansamos realmente entre um curta e outro, chamada “Santo Inferno”, um pouco mais interessante do que as conectoras dos filmes anteriores. Seguimos uma equipe da S.W.A.T. que invade uma propriedade gigante e com vários andares, esperando prender os fabricantes de uma droga letal, com base em uma certa fita de vídeo que a polícia já apreendeu. Duas menções se fazem necessárias: a primeira é que ao contrário dos três primeiros filmes, os infelizes que aqui se deparam com a coleção sinistra de fitas de vhs, contam com armamento pesado e apoio do lado de fora do recinto, o que é no mínimo um pouco mais de equilíbrio, em uma armadilha que a gente sabe que já está em andamento. Outra coisa é a ambientação perfeita do ano em que as histórias se passam, não só neste como em todos os curtas. É muito mais do que os penteados certos e as roupas apropriadas, é uma representação cuidadosa e bem humorada da cultura de uma década que está logo ali atrás, mas também tão longe por tudo o que se passou desde então. O local está cheio de aparelhos de t.v., se eu não me engano, a maioria é daqueles de catorze polegadas! São diversas salas, algumas preparadas à espera de alguém para assustar, outras exibem um festival de corpos mutilados, que tornam as salas decoradas redundantes. Um culto satânico está por trás de tudo e a equipe policial espera curtas demais serem exibidos, antes de perceber a encrenca na qual se meteram.
O segmento “Esgoto” dirigido por Chloe Okuno, começa como se fosse uma reportagem em um dos aparelhos de televisão, seguida pelo material bruto de uma pauta que tinha tudo para ser um pastelão. Em uma cidade pequena, os moradores precisam lidar com as consequências de uma assombração, que é a versão deles do “chupacabra”. Com muito respeito aos efeitos práticos (e toscos) da época, não se trata do mais assustador do episódios, mas é certamente criativo, tenso e uma ótima abertura para o filme. Um infomercial falso interrompe o curta, divulgando um produto tão inútil quanto caro e não um, mas dois desfechos inesperados, deixam a experiência ainda mais especial. A transição entre as histórias está diferente em V/H/S/94, mais orgânica, não precisamos que alguém mude as fitas para a gente e sem aviso, como todos começam, chega “Velório”, o segundo conto. A pedido da família de um falecido, uma casa funerária monta um esquema de gravação, com duas câmeras muito bem posicionadas, para registrar a despedida do morto. Este é o primeiro trabalho da novata Hayley como anfitriã de um serviço funerário deste tipo… solitário e durante a madrugada. Ela não esconde a apreensão, quando um alerta de ciclone impede a chegada dos familiares e amigos à cerimônia. A tempestade fica violenta, a energia falha e o caixão se mexe. A maquiagem neste curta morto-vivo é muito bem feita, assim como a execução, nas mãos do veterano da franquia Simon Barret, de uma narrativa que é simples, mas simples eu também sou no meu amor pelo terror. O corpo reanima, eu me animo!

No terceiro segmento, um cientista maluco gravando seus experimentos, me lembra um pouco aquele doido de Centopéia Humana (2009), no sentido de que ele não consegue acreditar que suas combinações ridículas, que misturam o orgânico com o robotizado, não tenham tanta longevidade na prática quanto têm na cabeça dele. Só que o confiável diretor indonésio Timo Tjahjanto, não criou “O Espécime” para ser a mini-cópia de algo que já vimos. Se cada filme do conjunto possui pelo menos um episódio marcante, esta carnificina obscena, de visual inesquecível, é definitivamente a escolhida. Quase um Blade Runner, mas novamente, somente como conceito vago, porque Ridley Scott nunca foi assim tão selvagem. Com câmeras nas mãos, um grupo de imbecis documenta um plano para explodir um prédio do governo, com o intuito de… bom, quem se importa com o que esse povo quer? “Terror”, de Ryan Prows é o último e mais politizado segmento do filme. Os terroristas executam o mesmo refém todos os dias e extraem dele o sangue, que aparentemente possui propriedades mágicas, com o objetivo de gerar o caos por uma causa asquerosa. O que eles não entendem, além das noções básicas de cidadania, é que não se deve subjugar um vilão clássico do terror, sendo vilões sem classe.

Para mostrar que sabem seguir regras e não estão para brincadeira, os produtores de V/H/S/94, ainda enfiam mais um tema, dentro dos temas já pre-requisitados na criação dos roteiros. Algo sobre final girls, que não precisava ter sido mencionado no filme, porque já estava claro para quem estava prestando atenção. Ficou nítido o empenho para fazer deste um retorno de sucesso e no geral, trata-se de uma seleção mais do que decente de curtas. V/H/S/99 de 2022, que eu ainda não vi, mas já ouvi falar mal, não poderá tirar o brilho deste aqui, assim como o terceiro filme não enterrou de vez o trabalho feito pelos dois primeiros. Dá certo em uns, não dá certo em outros, mas os filmes continuam, porque sempre haverá cineastas iniciantes esperando uma chance de brilhar, como foi o caso de Ty West no primeiro filme e da minha dupla do coração Aaron Moorhead e Justin Benson no infame terceiro, além de boas histórias de arrepiar, muito bem produzidas para ficarem com cara de feitas por leigos, como manda a maravilhosa proposta desta franquia.