Você já ouviu falar em filme de zumbis baseado em fatos reais? Pois este aqui jura de pés juntos, com cenas exibindo data e hora, como um documento para ser estudado por gerações futuras, que os eventos macabros apresentados são fatos, ao contrário do antecessor, que apesar de também ter sido inspirado por acontecimentos sobrenaturais, não teve a mesma coragem desta sequência e se denominou uma obra de ficção. É muita audácia, mas está longe de ser a coisa mais absurda nesta continuação informal do clássico A Noite dos Mortos Vivos (1968). Como assim, eles são super rápidos? Como assim, não dá para matar de vez eliminando o cérebro? Vocês estão querendo insinuar que George Romero, praticamente um parente, mentiu para mim, só para providenciar uma saída no roteiro e um pouco de esperança para seus personagens? Minha decepção é imensurável e o meu dia foi arruinado!

No primeiro dia de trabalho, em um armazém responsável por guardar e distribuir produtos médicos para hospitais e universidades, Freddy recebe as instruções desleixadas do veterano Frank. A maior parte das explicações é feita em um quase perfeito plano sequência, que eu só percebi quando a câmera balançou durante um deslocamento e o diretor decidiu não cortar. Não se pode arriscar que o público confunda este filme com um trabalho muito sério! Tentando impressionar o novato, o funcionário mais velho o leva até o porão do depósito, onde estariam clandestinamente guardados os corpos da “verdadeira tragédia” que “aquele filme de terror” levemente adaptou. Um acidente, que de tão idiota se tornaria imprevisível, não fosse a necessidade de um pretexto, libera fluidos dos contêineres e faz a dupla desmaiar, por tempo suficiente para causar um pequeno estrago. Ao lado do armazém, em um cemitério (claro, porque não!), os amigos e a namorada de Freddy o esperam terminar o serviço para curtir a noite. Ao acordar do mal estar, os trabalhadores notam que alguns dos produtos do estoque ganharam vida e o conhecimento adquirido com “as obras-base sobre zumbis”, não está funcionando. Sem sucesso para acabar com o problema da maneira tradicional, eles decidem tocar fogo nele! Os reanimados queimam… a fumaça sobe… chove… e de uma lambança sem limites, sai uma das catástrofes mais divertidas dos anos 80.

O Retorno é uma semi-paródia, que bagunça até com o movimento punk, colocando os anarquistas moicanos no mesmo grupo com patricinhas, engomadinhos e strippers, sem que seja uma camaradagem forçada pelo instinto de sobrevivência. De acordo com o filme, o primeiro despertar dos mortos, que deu origem a lendas e produções cinematográficas, ocorreu por um produto governamental usado para matar plantações de maconha, ou seja, deixem a erva em paz! Todo mundo faz tudo errado de propósito, com o cúmulo do clichê sendo a mocinha indo sozinha investigar a demora do namorado no armazém. Eu peço atenção aos easter eggs na decoração dos ambientes, além do reconhecimento da influência de algumas ideias em filmes posteriores. Não é nada incrível, apenas detalhes que agregam um pouco mais de valor e não deixam a avacalhação tomar conta do filme. Os mortos aqui falam, mas também enganam, sofrem, formam estratégias e até seduzem. Uma ousadia, livre de qualquer elegância, que precisava ser balanceada com um pré-requisito indispensável, o terror. Sem problemas, porque há bastante disto também.

O filme é muito grotesco. Tanto que parece ter perdido uma aposta e a grosseria era uma obrigação. Com apenas duas locações, muito bem utilizadas, há uma conexão/homenagem à casa do filme original, que se torna o refúgio sem prejudicar o ritmo. Tanto o cemitério com uma casa funerária acoplada, com portas e janelas que não garantem segurança, quanto os dois andares do depósito ao lado, são igualmente lugares incertos como abrigos, fazendo a galera isolada e azarada naquela noite maldita, fugir alternando apenas de um para outro, enquanto mais e mais mortos aparecem, se juntando em uma horda cuja esperteza fica cada vez mais evidente. Uma cena me fez dar um pulo, porque não antecipei aquele zumbi pulando janela adentro, sem nenhum aviso. Provocar medo aqui é tão simples que um cadáver bem preservado, que pode abrir os olhos a qualquer momento, dá conta da tarefa. Este sempre foi, já que estamos no assunto, grande parte do apelo da vertente morto-vivo nos filmes de horror. Mesmo que a vítima escape, a visão do defunto ganhando consciência e a perseguindo, é um fenômeno de alterar o curso de qualquer vida. O bom é que o filme não se limita aos princípios básicos que já contentam. As vezes o medo é mais sofisticado, como a agonia de uma chuva bem forte alagando o cemitério, dificultando a fuga dos mocinhos e amolecendo o chão por onde as criaturas escapam.

 

O Retorno é o que muito filme de zumbis esqueceu de ser: caos generalizado e nenhuma esperança de dias melhores. Se para isso, precisa ser parte comédia, que seja. Zumbis frescos e mumificados, apresentam personalidades distintas e maquiagens com diferentes níveis de complexidade, todas abomináveis, mas a mesma fome por uma fonte nutritiva específica, que recebe até justificativa nesta obra deliciosa de assistir do diretor Dan O’Bannon, que dedicou quase toda a vida profissional à serie Alien, como roteirista. Este foi um caso a parte não só para a carreira do diretor, como também para o segmento, que estava perdendo força para os slashers na metade da década de 80 e precisou de uma “re-animada”. Quando o produto estiver agonizando, mude as regras, disse O’Bannon. Mude, tire o sarro, desafie e renove sem remover o medo. Não foi exatamente isso que Wes Craven fez aos slashers nos anos 90, com Pânico? Daqui a uma década, se tivermos sorte, veremos os terrores super sérios e artísticos recebendo uma surra amorosa também. 

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