Em uma madrugada de 1974, na cidade de Long Island, Ronald DeFeo Jr. matou a tiros de espingarda o pai, a mãe e os quatro irmãos enquanto todos dormiam na casa da família. Depois que se esgotaram as tentativas de despistar os investigadores com mentiras, ele confessou, para o espanto de amigos, da comunidade e da polícia, que tirou algumas conclusões alarmantes: as seis vítimas foram mortas com os rostos enterrados em seus travesseiros, com a possibilidade de que duas delas estivessem acordadas, porém, não haviam sinais de luta corporal, o exame toxicológico dos cadáveres testou negativo para sedativos ou outras drogas e não houve nenhum artifício para silenciar os disparos. Por que ninguém reagiu, ou fugiu? Ronald tinha 23 anos na época, era o mais velho dos filhos e após um julgamento relâmpago, ele foi condenado a diversas sentenças perpétuas, morrendo na prisão em 2021, com sua versão oficial para o motivo ainda ser a de vozes na casa o terem enlouquecido e incitarem os atos violentos. Só que este filme não é bem sobre os DeFeo, é sobre os Lutz, a família que morou na casa por poucas semanas, um ano após os crimes.
Eu já perdi as contas de quantas filmagens já foram feitas sobre a mesma matança, mas esta é a original e ela vem acompanhada de algumas controvérsias. O filme é baseado no livro, que afirma ser baseado em fatos, escrito pelo patriarca dos Lutz, após a família ter fugido de casa uma noite, quando a atividade sobrenatural atingiu níveis insuportáveis, somente com a roupa do corpo, para nunca mais retornar. Eles abandonaram tudo e nunca tentaram vender o imóvel. Quando o livro foi lançado, mexendo em uma ferida americana que não havia ainda cicatrizado e reforçando sem nenhuma evidência a defesa do assassino, de que havia sido induzido por forças diabólicas, os farofeiros do terror como eu, devem ter ido a loucura, com a idéia de uma casa mal-assombrada real, mas muitos críticos torceram o nariz para o autor, acusando uma família de tentar recuperar o investimento perdido, lucrando com a tragédia de outra família. Com o filme, a reputação dos Lutz não ficou tão abençoada quanto a conta bancária, mas o cinema ganhou um clássico, que está longe de ser perfeito, porque o seu papel no terror era ser somente a fundação para muitos outros no futuro.

Comprada por uma pechincha e localizada no pacato bairro de Amityville, na cidade pequena próxima a Nova Iorque, a casa é quase uma mansão de tão grande. George e Kathy Lutz são recém casados e ela já tem três filhos de um relacionamento anterior, mas George é a única presença masculina na vida das crianças e ele abraça a responsabilidade com amor. Pelo menos é assim que o autor/padrasto se descreve. Existe uma lei nos Estados Unidos que obriga o corretor de imóveis a revelar ao possível comprador, se algum crime foi cometido na propriedade que está à venda, então os Lutz sabiam sobre os assassinatos antes da compra. A oportunidade de serem proprietários de uma casa tão espaçosa, na beira de um lago, com barco e tudo por um preço bem abaixo do mercado, até para os padrões de uma época em que dava para comprar uma casa com salários baixos, supera o receio de morar em um lugar tão infame, eu acho, mas também eu sempre fui o Scooby Doo em qualquer turma da qual já fiz parte. Eles não são naturalmente apavorados como eu e tudo parece bem a princípio.
Em uma questão de dias, sim dias, que são pontuados no filme com o intuito de provocar ansiedade, alguns membros da família adoecem misteriosamente, crianças iniciam amizades imaginárias perigosas, Kathy sente cheiros estranhos e nenhum religioso consegue permanecer na casa por muito tempo. É fora do comum que além de James Brolin (pai do Josh) e Margot Kidder (Lois Lane original) interpretando o casal Lutz, o filme ceda tanto tempo e destaque a Rod Steiger, que mesmo sendo um vencedor do Oscar, interpreta um padre que com todos os seus discursos e boas intenções, acaba não interferindo de maneira alguma nos eventos que se desenrolam no filme, mas eu acredito que o plano era trazer alguém de fora, para dar mais legitimidade ao relato dos Lutz. A mudança mais preocupante no cotidiano familiar acontece com George, que acorda todas as madrugadas às 3h15 (horário oficial das mortes dos DeFeo) e perambula por tanto tempo pela casa, que rapidamente sofre com as consequências da exaustão durante o dia. O que segue são alucinações, pesadelos, acidentes e a certeza de que se trata de uma bomba relógio satânica, prestes a engolir outra família, através novamente das mãos do integrante mais preparado fisicamente.

A Cidade do Horror, ou Terror em Amityville (dependendo de que versão você assiste), possui todos os sintomas de um filme de terror de qualidade inferior. Ele é exagerado nos sustos, nas atuações e de acordo com o próprio autor, na descrição dos eventos paranormais também. A edição é bizarra, quase amadora, mas não se engane. Este é um terror old school assustador, ou você vai me dizer que não faleceu um pouquinho, quando os Lutz já em fuga no carro no meio daquele pandemônio, precisaram parar e voltar, porque se lembraram que o cachorro tinha ficado na casa? Na pior das hipóteses, as referências foram usadas de Poltergeist (1982) a O Iluminado (1980), pelo menos para profissionalizar boas ideias que haviam sido feitas de maneira vulgar. Outra coisa, uma teoria investigativa recente, aponta a apólice de seguro da família DeFeo como a razão para os assassinatos e o modo como Ronald tentou culpar até as supostas conexões que o pai tinha com a máfia, indica que ele estava mais para um louco espertinho, do que para um inocente agindo sob as ordens do além. Agora, mesmo que nada sobrenatural tenha provocado os acontecimentos fatais um ano antes, ainda estamos falando de mortes múltiplas, de violência chocante e potencialmente perturbadoras para as almas das vítimas, ou seja, para quem acredita, a primeira família pode muito bem ser a causa, mesmo que sem querer, do pânico seguido de escapada da família seguinte.