Dirigido por Alejandro Amenábar
Dirigido por Alejandro Amenábar

Em uma ilha inglesa, após o final da segunda grande guerra, mãe e filhos presenciam fenômenos paranormais dentro de casa.

Você já parou para pensar nas horas de folga de um fantasma? Considerando a possibilidade da existência deles, é claro. O que será que eles fazem quando não estão assombrando alguém? A propósito, porque eles sentem essa necessidade? Partindo do princípio de que um espírito nada mais é do que alguém que já existiu, não faz muito sentido que quando pessoas comuns morram, elas tenham que ser temidas como se a humanidade delas tivesse acabado. Será que passar a eternidade perturbando quem está vivo, é um prazer que só se revela para nós quando partimos desta para uma melhor? Mesmo se for este o caso para todos os fantasmas, como eles ocupam as longas horas em que dão trégua para os assombrados que escolheram ou aos quais foram designados?

Os filmes deste diretor sempre me agradaram. Eu me considero uma Amenábar-hipster (eu gostava dele antes de ser cool, desde Morte ao Vivo, para ser exata). Este foi o primeiro filme dele com uma grande estrela de Hollywood e um orçamento bem gordo, apesar de Os Outros se passar em apenas uma locação e ter um elenco modesto. Evidências de um diretor seguro, que trabalha sem se preocupar em provar nada para ninguém, principalmente se considerarmos que a história apresentada aqui, tem um tema e um desfecho bem similares a outro filme, sucesso de crítica e público, lançado apenas alguns anos antes. É uma proeza e tanto, que o público não tenha se sentido lesado e que tenha caído nas mesmas armadilhas.

The othersNicole Kidman dá um grito como se acordasse de um pesadelo, abrindo com pavor o início do filme. Religiosa ao ponto de parecer ignorante, ela aguarda o retorno do marido soldado, agora que a guerra terminou, ao lado dos dois filhos pequenos em uma mansão gigante e escura. Esta última característica não pode ser mudada, já que as crianças são fotossensíveis e não há nada mais terror, do que uma mansão velha, onde a luz é considerada um crime. Cortinas fechadas em todos os aposentos e neblina cercando toda a propriedade, seriam contratempos até suportáveis, se, em meio a loucura e as incertezas do fim de uma guerra, os empregados da casa não tivessem simplesmente ido embora, sem ao menos se importarem em receber o último pagamento. Para a sorte de Grace, personagem de Nicole, três empregados, honestos e trabalhadores, como exigia o anúncio que ela colocou no jornal, chegam na casa procurando emprego.

As crianças estudam, os empregados trabalham e Grace… Grace borda e anda pela casa com um semblante de quem é a última a entender a piada. Ela não é a mais simpática das heroínas, mas como está claro desde o início que os novos empregados estão escondendo alguma coisa, ficamos ao lado da dona da casa por hábito, para o que quer que aconteça. A propósito, este é o grande tema do filme, o que fazemos por costume e o que precisamos deixar de fazer para viver melhor. Apesar de aparentarem experiência no serviço, os empregados esperam o comando da patroa em diversas ocasiões, como se as regras locais fossem peculiares demais, até para quem já está na profissão há anos. Eles se adaptam, Grace não, mesmo quando objetos se movem sozinhos e vozes sussurram em salas vazias, contrariando a religiosidade da protagonista.

The Others 3Apesar do nome de peso de Nicole, a presença mais marcante no filme é a menina Anne. Sem spoilers, existem fantasmas na casa, diversos deles, que não toleram estranhos no lugar e mesmo assim, a maior ameaça à estabilidade emocional da família é a tensão entre mãe e filha. Anne é uma rebelde desafiadora que não tem medo, nem da mãe nem de ninguém. Ela escuta alguém dizer: “A casa é minha”, e responde: “Não! A casa é minha”, e para ela, o conflito termina alí, completamente ciente de que o terror é uma questão de perspectiva. Não é que ela não respeite a mãe, ela simplesmente não confia no que a mãe confia e os conflitos são inevitáveis, por vezes violentos, transformando o sobrenatural em um perigo secundário. É muito interessante, ainda mais quando a própria menina revela quantos são os intrusos, através de um macabro desenho infantil, e quando somos agraciados por cenas que beiram o insuportável, de tão apavorantes.

A casa no filme é muito antiga, cheia de quinquilharias e móveis deixados por moradores antigos, entre mudanças e falecimentos. É primordial, no entanto, que Grace não consiga encontrar pistas sobre os intrusos na história da casa, mas sim, informações muito, muito piores. Tudo é limitado em Os Outros, desde a iluminação até a memória de muita gente, mas ninguém mente, ninguém! Tudo caminha para um final brilhante e inesquecível, ao mesmo tempo um trauma e um alívio. É um belo filme de mistério sobrenatural, que prova que se uma história for bem conduzida, o público pode ser enganado com os mesmos truques, quantas vezes Hollywood quiser. Dá muito medo, mas somente da primeira vez.