Dirigido por Lewis Teague
Dirigido por Lewis Teague

Um cão de estimação contrai raiva e se torna um monstro assassino.

Stephen King faz mais uma aparição no blog, provavelmente por ser um dos escritores mais celebrados pelo cinema de terror. Ele nem sempre agrada, mas merece, pelo volume e pela diversidade do seu trabalho. King já falou de zumbis, de doença que destrói a humanidade, de fã psicopata, de carro possuído, de Hotel amaldiçoado… sem se preocupar em manter um estilo, dentro do gênero terror. Cujo é talvez sua história mais simples e com certeza, uma das mais brutais, desesperadoras e comuns de acontecer. Nem parece um filme de terror pela maior parte da sua duração e este foi o modo mais inteligente de lidar com uma história tão plausível.

De vez em quando, somos aterrorizados com a divulgação do ataque de um pitbull, corriqueiro demais para migrar do noticiário local, mas raro demais para alarmar donos de cachorros de qualquer raça. A turma da apologia era exatamente quem eu tinha em mente enquanto assistia a este filme. Cujo é um São Bernardo! Babão e com uma constante cara de coitado, ele é famoso na vida real, por ser usado em missões de resgate em áreas de risco. O filme precisaria de muito mais do que próteses ou qualquer outro truque de caracterização, para dar medo em quem sempre achou que cachorros são mais confiáveis do que pessoas. Para a minha surpresa, o primeiro ataque, corajosamente violento, já dá conta desta tarefa.

Cujo 1O medo da reação do autor, ou da rejeição dos fãs dele, já arruinaram diversas adaptações antes. É o conhecido “mal do filme baseado em uma obra de King”, onde nenhum personagem é descartado e todas as pequenas tramas são respeitadas, prejudicando seriamente o rítmo da história e fazendo com que o público sinta que está “assistindo a um livro”. Eu já reclamei disso antes, mas não o farei aqui. Qualquer pessoa que se proponha a assistir, sabe que o tema central do filme é um cão assassino, mas não se trata de um passatempo tedioso, ou um exercício de controle de ansiedade esperar até que a primeira morte aconteça. Não existe uma cena chave ou um pico dramático, mas sim uma situação longa e assustadora, desencadeada por uma série de eventos que nada tem de triviais. É uma rara ocasião em que o “mal de King” é usado e abusado para valorizar aquela ocasião de perigo.

A única menção ao sobrenatural no filme, é o monstro que bate ponto todas as noites no guarda-roupa de Tad, uma gracinha de menino. Se o ator mirim que o interpreta não fosse tão competente, o filme sofreria por tédio, já que ele faz parte das cenas mais importantes. A vida dos personagens, no entanto, não poderia ser mais natural. Problemas sérios no trabalho, problemas ainda piores em casa. Pai e mãe em crise, um amigo ultrapassando os limites do casamento alheio e uma incoveniência boba com o carro, que nem é o único carro da família, mas que resultará em horas de aprisionamento de pessoas inocentes, enquanto um predador raivoso os cerca.

O aspecto brilhante em Cujo é a imprevisibilidade no desenrolar de uma história que parecia certa desde antes de o filme começar. Paralelamente ao drama da família central, está outra família, dona de um certo São Bernardo, brincando onde não devia e pagando por isso. A única coisa que liga as famílias é o carro. O modo como todos lidam com seus problemas é crucial para que a história tenha um aspecto acidental, porque o que se espera em um filme sobre uma fera a solta, e ele realmente está solto, é que ele saia para caçar, mas isso não acontece. Num dia quente de verão, evidenciado pelo suor excessivo dos atores, Cujo perde o controle dos próprios instintos e proporciona algumas das cenas mais tensas, porém verossímeis, que eu já vi em uma adaptação de King.

Cujo 2Eu imagino que pela carência de complicações, o filme possa desagradar aos que esperam algo mais aventureiro e eu não culpo ninguém por isso. Mas a verdade é que, se o objetivo mais despretensioso do filme foi provocar um surto de vacinações contra a raiva, ou pelo menos fazer com que donos de animais de estimação dobrem seus cuidados com os bichos, o filme é um sucesso. Não falta sangue nem somos poupados da selvageria que acaba em litros dele. Eu não tinha medo de cachorros, até ver Cujo. Ótimo trabalho, Sr. King!