Dirigido por John R. Leonetti
Dirigido por John R. Leonetti

A história da personagem apresentada em Invocação do Mal.

A verdade é que crianças só conseguem ser assustadoras no cinema, fora dele, não há nada que um peteleco não resolva. Agora, bonecas dão medo em qualquer canto, com qualquer feitio e de qualquer tamanho. O mesmo vale para estátuas, manequins e até alguns quadros, porque a possibilidade de um objeto com feições humanas, ganhando vida e se movendo sozinho é apavorante e é a típica “ideia de terror” que se vende sozinha, como visitas noturnas ao cemitério ou viagens que terminam em cabanas abandonadas na floresta. A boneca nem precisaria ter um plano maquiavélico. Ela se mexe, você sai correndo! Toy Story só funciona como comédia infantil, por se animação, se fosse live action, eu duvido do sucesso com a criançada. Teoricamente, este filme deveria ter sido fácil de fazer. Como ele pôde ter dado tão errado?

Quando eu assisti Annabelle pela primeira vez, minhas expectativas já estavam no chão. Uma enxurrada de críticas negativas de profissionais e a decepção do público em geral, cuidaram para que eu me conformasse com uma obra bem inferior em relação à original. O filme é um spin off de Invocação do Mal, não uma sequência, ou seja, pega apenas um elemento do primeiro filme e está livre para criar outro universo para uma nova história, sem se preocupar em dar continuidade ao antecessor. Ninguém pediu um Invocação 2, todo mundo queria saber mais sobre a boneca infame, e Annabelle faz um ótimo trabalho ligando os dois filmes de forma discreta e condizente com a história preexistente, mas não consegue se sustentar sozinho, ou manter os componentes que fizeram do original um filme não só bem sucedido nos cinemas, como estimado pelos fãs.

annabelle02Os eventos aqui acontecem um ano antes do primeiro filme, em uma época e vizinhança onde portas e janelas permanecem abertas durante a madrugada, por hábito. John e Mia Gordon, um pacato casal esperando um bebê, escuta um grito no meio da noite, vindo da casa ao lado. Sabemos que não é imaginação, porque vemos o que está acontecendo com os vizinhos, em uma cena rápida, bem coreografada e sangrenta. Uma tragédia fictícia, que se compara ao real e famoso massacre liderado por Charles Manson na casa da atriz Sharon Tate, chega bem próximo do casal John e Mia para mudar para sempre suas vidas. Um culto satânico, que pratica o mal como demonstração de devoção ao “coisa-ruim”, consegue invocá-lo antes de morrer, deixando o problema para os vivos.

O filme dá medo. A primeira parte todinha, com os assassinatos e tentativas de assassinato mostrados como se fossem atos sem planejamento, com o caos reinando a ponto de deixar personagens literalmente sem ação, é de impressionar e empolgar a plateia para o resto do filme. A cena em que a boneca se levanta, também consegue driblar o que seria banal, simplesmente revelando que ela nunca se move sozinha. Mas o filme não consegue fugir dos truques de sempre, como cenas demoradas em lugares escuros, acompanhadas por choros ou risadas de bebês, mãos fantasmagóricas que não pertencem a ninguém e aparecem do nada, deixando marcas que não duram nos mocinhos, confundindo só para confundir.

ANNABELLEO filme poderia ter nos levado ao coração do culto, revelado os segredos da família que morava no andar de cima, ou nos mostrar uma suposta facilidade que entidades malignas possuem para dominar objetos, mas decidiu mal sair do apartamento, nos bombardeando com closes da cara da boneca e sustos repentinos, que nada acrescentam à história. Mesmo que a personagem principal, ciente de que tem um problema grave e sobrenatural em casa, fique rodeada de livros, receba o apoio e o auxílio do marido, de um padre, e ainda arranje uma amiga “que manja dos paranauê”, não há complexidade no filme. Não dá para não comparar, quando pensamos que Invocação do Mal teve a audácia de nos apresentar não uma, mas duas famílias, dando sem preguiça o mesmo valor e carisma para ambas. As alternativas para demonstrar alguma profundidade no filme, foram criar relações e diálogos artificiais e cometer o grande erro de humanizar a boneca com uma personalidade que teve carne e osso, derrubando o grande mistério que Annabelle foi no filme original.

Houve demanda para o filme e ele foi feito, mas talvez não tenha sido uma boa ideia desde o início. Todo mundo reclamou do resultado, mas a culpa foi mais nossa do que dos realizadores. Enquanto a boneca era um milhão de possibilidades, ela seria a criatura mais assustadora do mundo. Por que tentar decifrá-la? Porque ir adiante sabendo que o primeiro filme era baseado em fatos reais e este não seria? Sabendo que nem a aparência da boneca no filme é a mesma da real? O filme é uma salada de estilos, com bons momentos, mas sem evolução e sem nenhum amor na execução. Eu nem consigo decidir se odiei, ou se não odiei tanto assim.