Foi a década que mudou tudo, que tornou o terror aceitável para todos. Eram tantas séries, tantas opções de estilos, que muitos ótimos programas se perderam na multidão e não passaram da temporada de estréia. Não tem como falar de todas, então vamos nos limitar às mais importantes, na minha opinião.
TWIN PEAKS (1990 – 1991)
De todos os mortos em todos os programas de tv, de todos os assassinatos, porque o da jovem Laura Palmer é tão memorável? Por causa de David Lynch, é claro!
Twin Peaks não foi concebida como uma série convencional, o estilo do criador está longe do lugar comum. Quando o corpo aparece na praia enrolado em plástico transparente, é exatamente o momento em que a personagem vive e se torna um ícone da televisão. Quanto mais o tempo passa e a investigação vai descobrindo segredos que deveriam ter morrido com Laura, mais presente ela se encontra na cidade ao pé das montanhas gêmeas.
O assassinato não desencadeou uma onda de bizarrices na cidade, porque Twin Peaks já era um lugar estranho, de gente estranha, que a morte da moça acabou expondo. O status de cult não veio de graça e ainda assim, pela primeira vez na tv um programa fez a palavra transcender a própria definição, fazendo com que ele se tornasse “uma obra que não era para todo mundo”… que o mundo inteiro amou.
Lynch era um criador e sua criatura tinha as suas características, mesmo com vários diretores dirigindo vários episódios. Quando o maior segredo da série foi revelado no final da primeira temporada, nada salvou o fracasso da segunda. Nem a imaginação dos colaboradores, nem o interesse obssessivo do público no ano anterior.
No entanto, o universo criado por Lynch para a tv, ainda é lembrado com carinho, independente do desfecho. Fictício não é bem a palavra. Era uma cidade como outra qualquer, só que propositalmente forçada e ilusória, como se até apreciar uma xícara de café exigisse esforço, como se os moradores imitassem pessoas normais. A morta volta a vida com outro nome e outra aparência, o pai fica grisalho do dia para a noite, o anão dança, as moças conseguem ser completamente diferentes e iguais ao mesmo tempo, Bob aparece e para resolver o mistério, um agente do F.B.I. que não é o melhor dos homens da lei, só excêntrico o suficiente para entender o que está acontecendo.
CONTOS DA CRIPTA – TALES FROM THE CRYPT (1989 – 1996)
Enquanto alguns programas apelam para as crianças e outros são sérios demais para os mais jovens, Contos da Cripta, uma série de terror baseada em uma revista em quadrinhos com o mesmo nome, foi produzida com o público adolescente em mente. A maior prova disso é o apresentador do programa, assustador demais para os novinhos e ridículo demais para os mais velhos. O “Guardião da cripta” é um corpo em decomposição, que foi reanimado para ser o único capaz de dizer as falas da introdução de cada episódio, cheias de trocadilhos e sarcasmo com aquela voz horrorosa, enquanto realiza alguma tarefa nojenta e certamente criminosa.
Não basta ter senso de humor, tem que ser debochado. Não basta ter sangue, os corpos tem que estar aos pedaços. Se uma história tem um criminoso de primeira viagem, ele será tão atrapalhado que vai errar os golpes/tiros/incisões um milhão de vezes, até que a vítima deixe de ser um objeto de pena para virar alvo de risadas.
Ótimas histórias, finais imprevisíveis, palavrões, nudez, sustos e nenhuma moral. O bandido vai se dar mal e o mocinho vai se dar mal, junto com toda a família, inclusive as crianças. É um paraíso para a molecada e se ainda não for o suficiente, a série sempre começa com um dos mais apavorantes e bem feitos créditos de abertura que eu já vi.
ARQUIVO X – THE X-FILES (1993 – 2002)
Muitas série tentaram e continuam tentando e eu não estou querendo tirar o mérito de nada. Muitos personagens fazem sucesso, viram ídolos, modelos de comportamento, mas ninguém conseguiu repetir a febre causada pelos agentes do Fox Mulder e Dana Scully.
Nem todos os incidentes que chegaram ao conhecimento do F.B.I. tinham uma explicação plausível. Era preciso resolver esses casos misteriosos de forma discreta, controlada e principalmente incompleta. Vai que a informação vaza! A solução foi juntar dois opostos na operação Arquivo X, uma sessão da polícia federal criada para dar conta do crescente número de ocorrências que a ciência falhou em decifrar. De um lado, Mulder, um agente cheio de traumas que por conta das crenças malucas, já havia perdido toda a credibilidade no trabalho. Ele queria acreditar, Dana Scully não, então ela seria a parceira de olhos céticos perfeita para controlar Mulder e produzir relatórios aos seus superiores, sobre toda a atividade da dupla. O que ninguém na chefia antecipava, era que o encontro semanal com vilões de todos os tipos, dos que sangram vermelho aos que sangram verde, dos corporativos aos alienígenas, faria com que Scully mudasse de time e formasse com Mulder o mais perfeito casal…oops… a mais perfeita dupla de investigadores da tv.
Arquivo X era uma ótima série. Tinha os casos bem escritos, os bons atores nos papéis certos, o orçamento de causar inveja nas outras emissoras e a química incomparável entre os protagonistas. O sucesso foi tão grande, que a série durou nove temporadas, mesmo com a queda na qualidade dos episódios e com a saída de membros importantes do elenco. Todo mundo assistia a série e Chris Carter, seu criador, tinha confiança o suficiente para lançar Millenium, outra série de terror que pegou carona no sucesso de Arquivo X. Um filme foi lançado sobre a série e depois de alguns anos, outro filme. É uma série que causou tanto barulho que mais de uma década após o fim, os criadores estão apostando em um retorno.
A DANÇA DA MORTE – THE STAND (1994)
O formato com o qual se escolhe contar uma história é tão importante quanto a própria história. Isso ficou evidente para mim, tanto nos êxitos quanto nas falhas desta adaptação de mais uma obra de Stephen King. O livro era muito grande e multifacetado, com muitos personagens, todos com a mesma importância, vivendo uma história que passava por vários estágios. Um filme não daria conta de tudo e eu reconheço que não havia caminho além de uma minissérie, neste caso, uma dividida em quatro capítulos contínuos mas com títulos e características específicas ( A Praga, Os Sonhos, A Traição e O Confronto).
Em uma base militar norte-americana, um vírus letal vaza contaminando todos os trabalhadores e soldados, inclusive o que guarda a entrada do local e consegue escapar sem se dar conta do perigo que leva para o resto do mundo. Apesar dos esforços dos cientistas e dos militares, em poucos meses a “gripe fatal” fica fora de controle, destruindo os corpos do infectados de dentro para fora e matando em alguns dias. Todos são atingidos de uma forma ou de outra, porque apesar da doença poupar alguns indivíduos, nenhuma família sobra intacta. Os imunes que sobram são tão raros, que um encontro entre dois deles, depois de dias de solidão, é um evento para ser celebrado. Os andarilhos além de serem sobreviventes, compartilham uma experiência inexplicável: todos sonham com Abigail, uma idosa angelical que transmite mensagens de esperança e incentiva todos a procurá-la. De vez em quando estes sonhos se transformam em pesadelos com a aparição de Randall, o cowboy com um mullet (existe corte de cabelo mais maligno??), que tenta recrutar os membros mais fracos do que sobrou da humanidade, para o seu exército de domínio e destruição.
Os dois primeiros capítulos funcionam perfeitamente como um exemplo de uma catástrofe química sobre o planeta. A destruição dos alicerces governamentais, os encontros nem sempre felizes entre os sobreviventes, a violência, o desespero, a revolta e a solidariedade. Entretanto, King criou alguns dos seus melhores e mais complexos personagens e nem todos, por mais que tenham destaque na minissérie, conseguem ser tão bem desenvolvidos quanto merecem, causando um impacto negativo no desenrolar da história.
A direção é falha, mas o que realmente faz dos dois últimos capítulos um grande problema é a própria adaptação. Eu não tenho nenhum problema com mudanças na obra original, se elas ajudam a traduzir melhor a história do texto para a imagem, mas King detesta alterações e este projeto é todo dele. No formato literário, o final funciona com beleza poética… já na telinha, nem tanto.
BUFFY-A CAÇADORA DE VAMPIROS – BUFFY-THE VAMPIRE SLAYER (1997 – 2003)
Eu nunca tinha me interessado por Buffy. Já tinha visto o filme que inspirou a série e sabia que ele não era grande coisa. Também já tinha passado pela minha cota de Barrados no Baile, sem ter que aguentar péssimos efeitos especiais e maquiagem. Eu não sabia qual era o horário oficial do programa e sempre que o encontrava em uma eventual troca de canais, o episódio já estava na metade do caminho e eu acabava não assistindo o restante, para não estragar a história, caso eu resolvesse algum dia acompanhar a série. Mas o pior era a visão daquele carinha oxigenado, que me causava a mesma aversão que Daenerys Targaryen chegou a causar, me mantendo longe de Game of Thrones nas duas primeiras temporadas. Eu SEI que eles são morenos na vida real!
Como teimosia e ignorância nunca compensaram ninguém, Buffy, a série que usou vampiros, monstros e líderes de torcida como alegoria para os tormentos da adolescência e os obstáculos que atrapalham o início da vida adulta, passou bem debaixo do meu nariz, na época em que eu mais precisava de uma série desse tipo.
Buffy teve um público fiel para assegurar várias temporadas, mas nunca atraiu uma legião de fãs para ser considerada um grande sucesso. Isso é culpa do próprio programa e me traz um pouco de conforto, porque alguns episódios da série são uma porcaria, principalmente na primeira temporada, que geralmente serve para conquistar o público. Em contraste, a maioria dos episódios é tão bem escrita, ainda que sem pretensões, que nos faz questionar se existe uma série Buffy na vida normal e outra em um mundo bizarro, que surge das trevas de vez em quando para afugentar possíveis fãs.
A série tem uma história bem divertida e emocionante para qualquer um que queira acompanhá-la. Uma garota com superpoderes, destinada a combater o mal e salvar o mundo na porrada, pode não parecer grande coisa. Apesar de ter o formato “um monstro por episódio”, a heroína Buffy e seus amigos têm vida própria e evoluem, assim como os vilões, mesmo não respirando. O maior acerto foi deixar todos os personagens muito humanos e cheios de falhas, como todos nós. Até as batalhas contra as forças do mal eram estranhamente familiares ao nosso cotidiano. O programa vale muito a pena e a propósito, Spike, o loirinho oxigenado, é uma das melhores coisas na série.
Quanta nostalgia, Buffy foi uma das primeiras séries que acompanhei de maneira contínua. Parabéns pelo post.