Se passa nos anos 80 e eu me lembro muito bem de quem era o líder da religião católica na época. O lance sempre foi totalmente Highlander, ou seja, só pode haver um, portanto, com base no quanto Franco Nero se distancia sob todos os aspectos de João Paulo II, eu diria com toda a segurança que esta não pode ser uma história verdadeira. Só que aí chega o Russell Crowe todo entusiasmado, interpretando o bem real padre italiano Gabriele Amorth, que por ser tão notório na função, despertou o interesse do diretor William Friedkin (de O Exorcista – 1973), para fazer em 2017 o documentário O Diabo e o Padre Amorth, sobre o famoso exorcista do Vaticano. Pois bem, neste filme temos datas e uma ideia clara de veracidade nos acontecimentos, mas se é ou não real, não interessa tanto para o cinema de terror. Assustando, já serve, como sempre foi. Além do mais, a maior audácia do filme não é a tentativa de estabelecer autenticidade, mas sim este título ambíguo que me fez pensar, sem ter conferido o trailer previamente, no quanto eles podiam ter baixado a bola, deixando um bispo ou mesmo um cardeal à mercê do capeta, até que eu percebi que não era a maior autoridade da santa igreja que estava em perigo e sim que se tratava do… exorcista favorito do Papa… Brincadeira, hein!
Com truques batidos e teorias duvidosas, o padre Amorth nos passa a impressão de não ser uma figura muito brilhante. Sua arrogância extrema, que ele enxerga como fé inabalável, justificam demonizar o açúcar no café, porém abraçar o whisky para limpar a garganta, entre outros absurdos, fazendo dele uma persona non grata para poderosos dentro do clero e um adorável mané para o público. Com sua lambreta estilosa, seu palavreado chulo e comportamento inapropriado, ele é quase um rockstar, com um ego que ninguém aguenta, mas a verdade é que quando o dever o chama, ele responde com seriedade e coragem, porque a tarefa está longe de ser fácil e eu teria a mesma opinião sobre ela, crendo ou não no que ele crê. O que eu quero dizer é que, uma pessoa com problemas mentais, que acredita e age como um possuído, não deve ser muito mais fácil de ajudar do que um possuído de verdade. Não apenas “mais um exorcista” no Vaticano, o que já não é pouca coisa, Amorth é o chefe dos chuta-que-é-macumba e especialmente por estar longe de ser um santo, nos concede um retrato bem diferente do típico religioso obediente ou mesmo do arquétipo do rebelde que sempre sabe o que está fazendo. Em uma jornada pessoal de autoconhecimento, sua presença na tela é mais interessante. Ele quer acreditar que sua técnica é infalível e sua devoção é inquestionável, até mesmo entre demônios. Vê-lo cometer erros que colocam inocentes em perigo, é mais assustador do que um encapetado se contorcendo.

Paralelo ao estado de treta constante que é a vida do padre Amorth, o filme mostra uma família americana chegando na Espanha, para acompanhar as obras na única propriedade que eles possuem, uma antiga igreja transformada em residência, deixada pelo pai/marido que morreu recentemente em uma batida de carro. A grana está curta, os filhos estão infelizes em outro país e a mãe está exausta, mas espere porque vai piorar. Um acidente bizarro fere gravemente um dos pedreiros na casa, fazendo com que os outros trabalhadores abandonem a obra e deixando mãe e filhos sozinhos, em o que mais parece uma moradia medieval caindo aos pedaços, ainda que super charmosa. Mesmo sendo particular há algumas gerações da família, a velha igreja tem um valor histórico que não pode ser ignorado e por este valor estar ligado ao catolicismo, um jovem padre supervisiona a restauração, o que acaba sendo uma grande benção, sem trocadilhos. Da noite para o dia, Henri, o filho mais novo que não falava desde a morte do pai, se mostra extremamente tagarela, mas não é só isso. Suas palavras são, entre insultos e palavrões, previsões terríveis sobre o futuro da família naquele lugar; suas atitudes são sexualizadas, violentas e ele faz uma exigência, assim que vê o colarinho inconfundível, no homem que atende ao pedido de socorro da família, quando a automutilação não pode ser interrompida por meios tradicionais: “Me traga o padre Amorth”.
Em histórias como esta, todos sempre correm contra o tempo, porque o demônio nunca abandonaria o possuído voluntariamente e sendo criança ou adulto, ninguém aguentaria a situação indefinidamente. Por que Henri? Por que a entidade quer escolher o inimigo de batalha? Como isto pôde acontecer em solo teoricamente sagrado? Por que o Papa está pessoalmente interessado no caso? Estas perguntas serão cruciais para a salvação do menino. Não apenas por Henri, mas também pelo público que questiona as escolhas da narrativa, elas são respondidas com bastante originalidade, mesmo que o filme ainda recorra bastante aos clichês do tema e aos efeitos especiais que acompanham os clichês. Ou seja, o pescoço virando e caminhadas nas paredes estão presentes, mas também temos a partir da metade do filme, uma revelação importante que força a quebra de alguns padrões, como o da maldição limitada a apenas um dos membros da família, ou isolada à uma residência. Com a exploração de toda a extensão da propriedade, feita após uma dica do próprio demônio linguarudo, nem mesmo o país onde a possessão está acontecendo, pode ser mais considerado aleatório. Um aspecto do filme do qual eu gostei demais, foi devolver a importância devida à direção de arte em histórias deste tipo. O Exorcista do Papa exibe cenários muito bem feitos, belíssimos na sua morbidez e talvez uma decoração cuidadosa, para variar, compense os esteriótipos dos quais filmes como este não conseguem escapar.

Nós estamos há muitos anos, principalmente a partir do início do milênio, assistindo a filmes de terror sobre exorcismo, supostamente baseados em fatos e a realidade é que na maioria das vezes, a experiência é decepcionante. Esta história trás algumas novidades e os fãs do gênero aceitarão o esforço, de um filme que foge do lugar-comum e tenta ser melhor do que temos visto ultimamente, por mais que a narrativa seja ambiciosa na premissa, mas retraída na execução, deixando que a ousadia não ultrapasse um ator mirim xingando feito um estivador e fazendo avanços sexuais em direção a uma atriz adulta. No fundo, nós entusiastas sabemos que queremos o impossível e nos contentamos com o que mais tenta se aproximar dele. Falando em William Friedkin, O Exorcista do Papa é um filme legal, que entretém bastante, não irrita muito, as vezes é tenso, mas está longe de ser o que queremos, que é o novo O Exorcista, a grande obra de terror do diretor e maior precursor do tema no gênero. Aquele filme cuja imagem e semelhança, buscamos em vão nas incontáveis produções atuais, sabendo que reproduzir os níveis de medo e cenas icônicas da história da menina Regan e do padre Karras, é uma utopia. Talvez a cena mais marcante do filme, seja a aparição de uma santa e isto é um problema no terror. Mesmo com o talentoso Russell Crowe seguindo os passos de Max Von Sidow. Mesmo que o “original” dos anos 70, também tenha as suas embaraçosas tiradas humorísticas.