A estrondosa orquestra de Henri Mancini anuncia, que o mundo está prestes a acabar! O que a gente não podia prever, é que isto aconteceria da maneira mais violenta, devastadora… e sexy possível. Tobe Hooper, diretor de O Massacre da Serra Elétrica (1974) e Poltergeist (1982), aproveitou a iminente passagem do Cometa Halley pelos nossos céus em 85, com todo o misticismo que o evento envolvia, para adaptar um livro de ficção dos anos 70, bastante revelador sobre o futuro da humanidade. Não importa quem ganha o bingo do apocalipse, zumbis, alienígenas ou vampiros, porque para o autor, a natureza do vilão não alterava o item mais valioso das vítimas: nossa energia vital. Quem poderia negar, olhando ao nosso redor atualmente, que existe uma disputa pelo nosso tempo, nossa atenção e nossa torcida, com tanto clickbait, tantas notícias falsas, principalmente envolvendo os três dos quatro cavaleiros modernos do apocalipse, o Facebook, o Instagram e o Twitter? Entretanto, com este poder profético perspicaz, eu me perguntava se Força Sinistra ainda conseguiria me impressionar, como quando me manteve acordada por diversas noites na infância. A resposta não é tão simples, porque apesar de dormir bem agora, eu me pego com um sentimento renovado de respeito pelo filme.

É estranho constatar, depois de todos esses anos, que a narrativa possui uma construção fora do comum para a época. Mais estranho ainda, é perceber que isto não prejudicou o meu entendimento da história naquela idade, fazendo com que eu rejeitasse o que estava vendo, para acompanhar algo mais tradicional na televisão. Vários personagens são introduzidos na história, sem que os originais sejam descartados e mudamos de cenários o tempo inteiro, mas não é uma ostentação gratuita, porque se trata de personalidades bem formadas e de locais que parecem aleatórios, mas que foram feitos para serem prezados. Eu falo de um profissional com os atributos para liderar a resistência contra os vilões, mas que é substituído, sem ser abandonado, por uma figura com a mesma seriedade e idade, só que com uma patente mais alta, aparecendo muitas cenas depois. Eu falo também de lugares como um hospício, como um palco improvável para sequências longas e incertas, do confronto entre os mocinhos e o vilão. Nesta batalha, os ditos especialistas se perguntam se suas ações naquele lugar tem alguma utilidade, no grande esquema que está se formando por toda a Inglaterra, onde o filme se passa e é assustador constatar junto com eles que é provável que não, já que a ameaça sempre esteve alguns passos na frente e que muito tempo pode ter sido perdido. É como um pesadelo que se intensifica, enquanto todos demoram para entender o tamanho da encrenca. 

A bordo da nave Churchill, a primeira na história com a tal tecnologia Nerva, capaz de convenientemente manter no espaço a mesma gravidade da Terra ( já que Apollo 13, Gravidade e Interestelar estavam há alguns anos e avanços cinematográficos de distância), astronautas americanos e britânicos se unem para interceptar e estudar o cometa Halley, que passa pelo nosso planeta uma vez a cada 76 anos. Se aproximando do fenômeno, os radares da Churchill captam uma enorme anomalia, claramente construída por uma civilização avançada, escondida no centro do corpo celeste. A equipe que sai da nave para investigar, encontra no ovni dois tipos familiares de seres em estado aparente de inércia: morcegos gigantes e humanos adultos em ótima conservação. O comandante Carlsen, toma a decisão de levar pelo menos um espécime do que já está morto e os três humanos que parecem vivos, de volta para a Churchill. Algum tempo depois, a expedição retorna ao planeta, mais precisamente para Londres… com uma capsula de escape faltando, a tripulação e a nave totalmente carbonizadas e os três humanos, ainda dormindo em seus casulos de cristal, completamente intactos.

Para o ano de lançamento, é uma coleção mais do que decente de efeitos visuais. Não que houvesse uma preocupação excessiva com durabilidade, diante da passagem do tempo. O filme me passa um ar de ficção científica dos anos 50 e 60, mesmo com toda a nudez e a matança, talvez pelos sets colossais, como os detalhados e impressionantes de dentro e fora da nave alienígena, e pela superprodução que o filme tinha a ambição e o orçamento para ser, só que em uma linguagem um pouco ultrapassada diversas vezes, contando até com uma abertura narrada e uma ligação telefônica, que ao invés da simplicidade de mostrar os dois lados, prefere fazer o ator repetir para o público o que está ouvindo pelo fone. Aqueles raios azuis de eletricidade, simbolizando a transferência de energia entre os vampiros do espaço e algum pobre coitado, eram a coisa mais legal do mundo na época. Hoje, eu diria que o legado que ainda tem relevância aqui, é o modelo dos zumbis. Quando os aliens escapam do laboratório, deixando evidente que são areia demais para o caminhão governamental, eles rapidamente começam a consumir quem aparece pela frente. O que sobra, é uma espécie de cadáver consciente de tempo limitado, tentando também sugar a energia de outra pessoa para se manter vivo por mais algumas horas e assim, contaminando outros inocentes que terão a mesma sina. O conceito é monstruoso e a aparência é bizarra. Artificiais o suficiente para parecerem criações completamente inéditas, ao mesmo tempo exibindo uma veracidade, que olhar para eles causa incômodo, como se estivéssemos violando a privacidade de possíveis familiares, com nossa curiosidade mórbida e invasiva. 

Força Sinistra é um terror-erótico, no qual qualquer cidadão londrino apresentando sinais de cansaço, ou de falta decoro, é um vilão em potencial. Isto eleva o filme à categoria de um filme catástrofe, mesmo que digamos… a presença “livre de timidez” da atriz francesa Mathilda May, contribua para que esta produção sempre seja vista como a “prima rameira” de outros terrores ousados dos anos 80, como Um Lobisomen Americano em Londres e A Hora do Espanto. Sem nome, mencionada apenas como garota espacial nos créditos, ela é a rainha do caos na terra da antiga rainha, deixando a última esperança de contra-ataque, nas mãos do único sujeito que escapou na cápsula da Churchill e que está de volta, para terminar no planeta o que ele começou fora de órbita. A representação do apocalipse nas ruas é bem impressionante, por ser imenso, tenso, imprevisível e dantesco. Algumas próteses ficaram bem datadas, mas apesar do filme merecer uma repaginada, principalmente pelos aspectos grotescos que vão desde o mau-gosto exagerado de um David Cronenberg, por exemplo, até o mau-gosto normal sem dono, eu não sei se me sentiria à vontade com uma refilmagem. Não é um filme sutil, mas sutileza estragaria o que se propõe a ser, que é um verdadeiro pesadelo interminável, que nunca deixa de ser coeso, transferido para a película sem medo de ser mal falado. Perfeitamente imperfeito, único e inesquecível.

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