A abertura do filme mostra um bosque belíssimo na borda da cidade. Tem um monte de crianças brincando, a maioria sem supervisão, como sempre foi a norma em cidades pequenas. Os mais crescidos se aventuram bosque adentro, cortando caminho de um lado para o outro, especialmente quando se é um moleque em uma bicicleta e ninguém te segura, porque você é invencível. Só que o moleque desaparece… e aquela floresta idílica se transforma rapidamente em um cenário sombrio, onde a maldade floresce e a solitude pacífica da natureza, passa a significar o isolamento perfeito, para a região de uma eventual desova. Nada neste filme é o que parece. Os personagens, os lugares, os eventos sem importância e os que consideramos dignos de atenção. É um terror clássico, só que não da categoria que somos manipulados para esperar. O meu desafio, que também é a razão por eu ter evitado este título no blog, desde quando o vi na estreia e me apaixonei, é escrever uma crítica livre de spoilers. Bom, lá vamos nós!

Quando conhecemos a família Harper, ela não está nada bem e eu garanto que, pelo menos neste aspecto o que estamos vendo, da falta de diálogo à animosidade descarada, é genuíno. Jackie, a mãe (Helen Hunt, que havia sumido…) aprontou e aprontou feio. Pisando em ovos ao redor dos familiares, ou lutando contra alucinações quando está sozinha, ela não ganha nenhuma simpatia de Connor, filho único e em uma idade em que mal precisa de motivos para se revoltar contra no mínimo um dos pais. Greg, o marido, até queria o privilégio de só se preocupar com indiscrições conjugais, mas sendo o detetive encarregado na cidade, de resolver a nova onda de desaparecimentos e eu digo nova porque houve outra no passado com muitos óbitos, ele não está disponível para assuntos pessoais. As vítimas são meninos, antes e agora, todos da idade de Connor e a região inteira voltou a ficar apavorada, mas na residência dos Harper a situação é um pouco mais complicada. Existe uma presença malígna naquela casa e por causa dela, todos estão em perigo, mas novamente, não é o que você pode estar pensando. 

A desunião da família, prepara o terreno para uma porção de mal-entendidos e desencontros que servem muito bem à narrativa. Jackie vive constrangida, Greg está constantemente estressado e Connor tem tanta raiva, que as brigas na escola deixam marcas em seu rosto. Ninguém está confortável para fazer perguntas simples, ou calmo para ouvir respostas esclarecedoras. Todos sempre presumem que já sabem o que está acontecendo, ignorando o tempo inteiro o que não faz sentido. O erro do público é fazer a mesma coisa, declarando uma vantagem relativa, só por estar atento ao que é inquestionavelmente esquisito, como os objetos que desaparecem ou os eletrônicos que ligam sozinhos. As desconfianças dos personagens, batem de frente com as informações que achamos que temos e no fundo, a confusão mental pertence a todos nós. A mãe de uma criança desaparecida, cobra o trabalho do detetive na casa dele, não no departamento de polícia e não é de se espantar, já que é uma população muito pequena e unida, o que levanta a real possibilidade de que todos os acontecimentos, dentro e fora da casa, só podem estar conectados, mas para afirmar isto com segurança, vamos ter que assistir de novo tudo o que vimos até então, sob uma nova perspectiva. 

À Espreita do Mal possui um roteiro muito bem construído, desde o princípio, para enganar até quem tinha uma visão privilegiada por todo o filme. Uma decisão muito feliz, foi nos mostrar a abdução do menino Justin Whitter, cujos cartazes de “Procura-se” vemos o tempo inteiro. É um sequestro provavelmente igual aos anteriores, só que o modo como ele é mostrado, no ângulo certo, na velocidade certa e pelo tempo certo, é o responsável por plantar a semente de imprecisão bem cedo nas mentes de quem assiste. É também de se admirar, pelo pouco tempo transcorrido, a quantidade de dados e questões que são levantadas, sem que o público saia da ignorância ou se sinta cansado. Não é necessariamente um elogio ao ritmo, que também é ótimo no filme. Eu estou falando de algo que fica ainda mais evidente, quando o filme é visto novamente e por quem já sabe o twist, que é a capacidade da direção de nos manter interessados em uma história, que não nos apresenta personagens muito agradáveis e vive nos fornecendo informações incompletas, sem perder nosso entusiasmo e descontinuando qualquer teoria que ouse se instalar nas nossas cabeças por muito tempo. É realmente um feito para se respeitar e aí, quando um grande mistério é semi-solucionado, tomando uma boa parte do filme que não pode ser mencionada aqui, levamos outra rasteira, que justifica mais uma sessão do filme do início ao fim. 

Infelizmente é a verdade, que não podemos falar muito do segundo ato do filme, que também pode ser percebido como “ato 1.2”, mas certamente podemos e devemos valorizar o quanto ele continua nos segurando no escuro, esclarecendo somente o necessário. A primeira parte é repleta de tensão desde o ponto de partida. A segunda, chega com um clima de renovação completa, com direito a uma longa e despretensiosa introdução em um formato diferente de filmagem. Quando retornamos à programação normal é que notamos, que esta porção é igualmente angustiante. Nela, os riscos calculados e com um propósito plausível, brigam assustadoramente com riscos caóticos que não podemos apoiar de jeito nenhum. Pelo menos não até a terceira parte e desta não falamos mais absolutamente nada. Cada ansiedade no seu quadrado e cada segredo na sua minutagem. Deixa eu te perguntar… você já viu um filme de terror e… desejou que o maior problema fosse uma casa mal-assombrada? Pois é, é a primeira vez para mim também!

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