Com esta sequência fora do habitat natural e sem nenhum ator dos outros filmes, eu te pergunto, meu consagrado companheiro combatente de demônios-libertos-pós-leitura desde 1981… basta estar possuído, para ser Evil Dead? Não, não é o bastante! Possessão tem aos montes no cinema, todos os anos, então como aceitar este para dentro do mesmo universo, só porque o título está mandando? Não tem o herói mais maravilhoso do universo, não tem cabana na floresta. Nem na floresta estamos, como se construções raquíticas em terrenos amaldiçoados não merecessem respeito! Tem aquela maravilhosa câmera subjetiva passeando sozinha? Bom, sim, tem sim e eu preciso dizer que pelo menos na primeira aparição dela, de uma maneira um pouco diferente do que o esperado, é um alívio ver que os realizadores deste filme sabem muito bem o que ele não é, mas estão pedindo licença com sua modernidade intrometida, para fazer desta produção algo muito além do que mais um filme sobre possessão. Para ser Evil Dead tem que ser caótico, incansável e impiedoso, mesmo que fora do mato, como aconteceu tantas vezes na série com Bruce Campbell. Ah, precisa ser engraçado também, mesmo que as risadas sejam nervosas.

Bom, a verdade é que humor não é o forte aqui, mas eu digo sem medo que A Morte do Demônio está de volta, com muito apreço pelo material original. Não dou gargalhadas, mas sorrio diversas vezes quando reconheço velhos amigos. O livro que não se importa se você é culturalmente sensível ou se sua vida já está de pernas para o ar, continua sendo um personagem importante. O L.P. (disco de vinil, meus amigos novinhos) amaldiçoado, também está presente porque há muito tempo Sam Raimi, o criador deste magnífico legado trash, não tinha certeza, eu presumo, de que a galera aprovaria a carnificina absurda que viria, com um ponto de partida apenas da literatura. De uma certa forma até a árvore, ou os truques repressivos dela, ganham uma roupagem apropriada para o novo ambiente. Tem tanto sangue, que em um determinado momento o clássico homenageado é outro. Os ângulos de câmera pseudo-experimentais (como se viessem de mãos animadas demais com as próprias descobertas, para não usá-los) estão lá. Os deadites também são convocados, evoluindo para uma versão tão vantajosa para o roteiro, quanto monstruosa para os nossos olhos. A motosserra não poderia faltar e ela está tão linda quanto na primeira vez que a vimos. O único que não recebeu convite foi Ash Williams, mas não se pode ter tudo nesta vida.
O ano é dois mil e agora e Ellie, que recentemente foi deixada pelo marido, precisa se mudar urgentemente com os filhos, antes que o prédio condenado onde mora desabe. Neste momento suave da vida, Beth, a irmã mais nova, roadie de bandas independentes com quem Ellie nunca pôde contar, aparece com mais problemas. A família se separa momentaneamente e um terremoto atinge Los Angeles, abrindo crateras e fendas no prédio já instável. Enquanto as adultas esperam notícias no apartamento, os mais novos encontram o esqueleto de uma agência bancária desativada no subsolo. Longe de mim criticar um personagem de Evil Dead por decisões estúpidas, mas você não se enfia em um buraco debaixo do concreto, no escuro, ainda mais com o risco de novos tremores. Com o perrengue que a mãe está passando, é um pouco estranho que a busca por objetos de valor mal aconteça e que o interesse pertença somente ao livro esquisito, cercado por insetos e vigiado por incontáveis crucifixos. Com as malas para fazer e um monte de coisas para arrumar, alguém decide na surdina colocar o disco para tocar, mas não só o primeiro volume, já que os avisos do primeiro e as figuras perturbadoras da publicação encapada com pele humana, não são páreo para um adolescente obstinado. O Necronomicon é acionado para liberar um de seus prisioneiros e o inferno na terra começa, pela primeira vez, não para um grupo de amigos, mas para uma família inocente como qualquer outra, em um lugar que se assemelha muito à moradia de qualquer um de nós.

Não é para ser cômico porque a situação é bem diferente. Ash já desistiu da própria sanidade há algum tempo, então o que acontece com ele não é registrado mais como maldade, apenas sacanagem. Não é o amigo de alguém, é a mãe que vira um demônio e o jogo é outro quando nos perguntamos quanto tempo vai levar para contaminar o resto da família. O vilão desta franquia depende de um hospedeiro, porque não tem corpo e ele sabe que vai sumir quando não sobrar mais ninguém. Seu objetivo é aterrorizar suas vítimas, se manifestando em uma, duas e traumatizando as demais pelo pouco tempo que tem, uma “noite alucinante” eu diria, até que atinja o limite e retorne para o livro. O cenário urbano oferece uma falsa sensação de segurança, que não se sustenta, ainda que não utilize recursos sobrenaturais neste aspecto. O andar é alto, o prédio é precário, restam poucos vizinhos e os integrantes ainda humanos da família, estão chocados demais com o repentino, aparentemente inexplicável e violento desenrolar dos acontecimentos, para agir com a cabeça em momentos decisivos. Facilmente aquele condomínio se transforma em um cenário de terror, como uma cabana em um bosque inescapável, ou a prisão de ser transportado alguns séculos no tempo. Um dos vizinhos está até armado, mas que diferença isto faz? A única regra de combate nestes filmes, é que o mal joga sujo e com um plot sempre super simples, estamos assistindo a quanto terror alguém pode ser exposto, antes de perceber que mesmo sobrevivendo, já perdeu.
Eu gostei muito de todos os atores. Os mais novos são fantásticos e é importante notar a estreia de mirins neste mundinho horroroso. Evil Dead é um ataque de pânico cinematográfico e extremamente cruel com suas vítimas. Uma criança no meio disso não é piada e me surpreendeu a falta de freios nos sustos com a pequenina. A tia Beth é uma heroína improvável, como é a tradição, mas pelo amor aos familiares, sua personalidade esquiva que adora ir na direção contrária da encrenca, é abandonada para revelar coragem e responsabilidade. Agora, Alyssa Sutherland como Ellie, nasceu para o papel da possuída e não em qualquer história de possessão, ela nasceu para Evil Dead. Sua primeira aparição já “condenada”, toda tortinha no corredor do prédio, é como um prelúdio para um vilão que deixará sua marca. A gente pode exaltar o belíssimo trabalho de maquiagem e caracterização, mas o mérito pelos movimentos e expressões faciais assustadores são todos dela. É um grande feito que ela mantenha o público com medo por todo o filme, porque tudo o que sai da boca dela é ridículo e mesmo que os excessos sejam indispensáveis nestes filmes, com um exagero mal calculado, sua performance perderia o tom apavorante e viraria caricata.

Evil Dead Rise começa pelo final, sem nos dizer de imediato como a história foi parar ali. O filme é curto, tenso, ousado, inventivo e acelerado. Faltou Bruce? É difícil dizer. É uma história diferente, mas certamente pertence à franquia. Faltou humor? Sim, apesar de que eu ouvi falar que a versão dublada do filme, provoca algumas risadas não planejas, mas aí também, vão se catar! O negócio não era totalmente “terrir” no primeiro filme mesmo. Eu estou plena, estou leve, porque muita coisa deu certo aqui. Por exemplo, a motosserra nas sequências de Evil Dead, passou a ser um instrumento a serviço de nós fãs, mas quando é usada aqui, estamos com tanto medo que só desejamos que ela seja prática. O filme tem amor, cuidado e compromisso dos envolvidos. A experiência foi como a da adolescência, quando eu me peguei quase conversando com as vítimas: “Fecha a porta!”… “Corre!”… num desespero divertido e este tipo de envolvimento é o que sempre me conecta ao terror. Isto não tem preço.