Como eu sou filha do Atari, eu vou utilizar a palavra “fase” e à propósito, esta é uma crítica que presume que você já tenha visto a série. Sinta-se alertado. Então, tem uma fase em The Last of Us, o jogo de 2013, conhecida como O Porão do Hotel. Um pouco antes de Henry e Sam aparecerem, Joel cai no poço de um elevador e é a primeira vez desde que se conheceram, que ele se separa da Ellie. Eu me lembro de uma preocupação excessiva com a segurança da menina, enquanto procurava uma saída daquele lugar escuro e inundado. O hotel estava cheio de homens… e se alguma coisa acontecer com ela, caso eu demore demais para voltar? Lá embaixo, eu custei para me dar conta, desviando de placas de sinalização inúteis com os dizeres “Oeste” ou “Saída”, que a solução era mergulhar ainda mais, para muito depois conseguir subir. Por baixo d’água, em um caminho tão confuso quanto o da superfície, corpos boiavam e eles não estavam contaminados. O que significa que aqueles cadáveres eram de afogados, falhando ao escapar nadando, no mesmo trajeto que eu estava fazendo e esta sim, era uma tarefa com limite de tempo para ser completada. Emergindo atordoada, em uma casa de máquinas enorme e labiríntica de dois níveis, com o controle do meu Playstation 3 novinho nas mãos já trêmulas, eu tive o primeiro encontro com os Stalkers, uma categoria de infectados entre os Runners e os Clickers, que todo mundo vendo a série está confundindo com um Runner ou com um Clicker. Depois de matar todos eles com muita dificuldade…descobrir que eu precisava encontrar uma chave para abrir a porta… e que ainda ter que encontrar e ligar o gerador para que a chave funcionasse… aparece um Bloater! É uma obra prima do terror!

Quando a série foi anunciada, eu fiquei apreensiva, como qualquer fã. Tudo o que eu pedia humildemente, era que a equipe responsável por levar esta história para o público não-jogador, tentasse replicar certas sensações provocadas pelo jogo de terror, mesmo que muitas “fases” não fossem reproduzidas (e não foram) na telinha. Eu me lembro, que quando consegui finalmente terminar a verdadeira aula de indução de pânico que é O Porão do Hotel, usando quase todos os meus recursos e munições, o nervosismo era tão grande que eu não pude mais jogar, pegando o controle novamente só no dia seguinte, depois de assistir a vários gameplays, para descobrir se mais alguém quase chorou. Para a minha alegria, a série dos criadores Neil Druckmann (o pai do jogo) e Craig Mazin (da maravilhosa Chernobyl – 2019), tem bastante sucesso em recriar os sentimentos de perda, de desconfiança, de preciosos momentos de alegria e conexão entre os personagens, além de chegar bem perto de arrancar do público, aquele pavor tão familiar para gamers, mas de maneiras diferentes, como momentos em que somos forçados a sofrer antecipadamente, com as informações que os personagens principais ainda não possuem. Momentos como a vizinha infectada de Joel, aparecendo em uma imagem genialmente desfocada atrás de Sarah, enquanto a menina está distraída no mesmo enquadramento e em foco. Ou o plano sem cortes em que a câmera deixa Ellie e Riley fazendo barulho no Shopping, para nos mostrar que um infectado está próximo e despertando.

É importante que fique claro que eu não buscava fidedignidade em todos os aspectos! Meu Deus, como eu tenho ranço de realizadores que dão preferência a honrar o material original, seja jogo ou livro… acima do funcionamento dele em um meio totalmente diferente de entretenimento. Eu ainda não me conformo com os duzentos finais de O Senhor dos Anéis – Retorno do Rei, ou com o pouco aproveitamento da cidade de Nova York em Rent, contando a história como se ela ainda estivesse limitada a um palco da Broadway. Adaptações precisam ser feitas com respeito à fonte original, é claro, mas não às custas de um público leigo, que quer entender o material na linguagem que a produção se comprometeu a utilizar. Sabendo que provocar medo com algo interativo, é completamente diferente do medo do qual falamos neste blog, a produção foi obrigada a fazer escolhas que certamente iriam parecer uma grande injustiça, como remover sessões inteiras do jogo, para beneficiar o andamento da série. Neste trabalho, eu me encaixo na porção do público propensa a ficar indignada, já que o respeito pela maestria e pela diversão do jogo, que me força a revisitá-lo com frequência, é enorme. Só que eu já estive por muito mais vezes, com muitas série e filmes, do outro lado da linha que separa os “fãs do original” dos chamados “leigos”, o que também me faz estar mais preocupada com a compreensão da narrativa, da maneira mais completa que o meio permite, sob a perspectiva dos recém-chegados. Parte de mim fica reclamando… “Como assim, eles conseguiram sair de Boston tão rápido? Onde foi parar o Distrito Financeiro, ou o Hotel da cidade que derrubou a FEDRA? Quer dizer que não precisamos passar aquele perrengue todo na escola para conseguir um carro?” Meu coração dói de pensar em todas as mortes nas mãos dos inimigos, que não-gamers jamais vão imaginar que aconteceram. Vocês nunca vão entender o quanto sofremos! Só que eu entendo muito bem que se enrolar demais, não é The Last of Us… é The Walking Dead.

Muitos dos meus irmãos de console, reclamaram da falta de infectados, ou de ação e eu sinto o mesmo, mas pensando objetivamente, a ausência é quase proporcional, quase, à quantidade de sessões mais sossegadas do jogo, que também foram deixados de fora da narrativa. Um Bloater uma vez a cada dois episódios, por exemplo, diminuiria catastroficamente o impacto da criatura, quando o telespectador não precisa derrotá-lo para avançar na história. É um território complicado, porque é obvio que pular diversas missões do jogo, traria uma insuficiência de informações, que poderiam prejudicar a conexão entre Joel e Ellie. Quando se conhecem, o avatar da Ellie está programado para permanecer a uma certa distância de Joel, independente de que caminho ele siga e assistimos a esta distância ficando cada vez mais curta, em uma duração que parece realista. Alguns acontecimentos e diálogos, foram re-arranjados na linha do tempo, para que essa falta fosse minimizada, sem prejudicar o ritmo dos eventos. Os meus olhos, no entanto, que não enxergam algo completamente inédito, têm dificuldade às vezes para determinar se esta tática funcionou. O público que só viu a série, certamente vai notar que as interações entre os protagonistas muda com o tempo, mas não com a mesma naturalidade que acontece para os jogadores. Talvez não haja muito o que fazer quanto a isso.

Alguns episódios se beneficiaram do ritmo acelerado, como o de Tommy na cidade de Jackson, talvez a passagem mais suave da aventura eletrônica. Ou o episódio com os canibais, que seria o segundo seguido em que Joel não faz nada, se não fosse a eliminação de um longo encontro entre Ellie, David e os fungos ambulantes. Falando nisso, vamos aceitar que encher a série de infectados também seria um tiro no pé, porque não dá para sobreviver em tantos conflitos com seres tão letais. Para mim, o único episódio em que eles realmente fizeram falta, foi o último. No jogo, a gente morre e espera a tela carregar novamente. Aqui não dá! Outra coisa é que, se o mundo está completamente tomado pelos contaminados, o que eu presumo que não é verdade, o público poderia ter mais problemas para concordar com a decisão de Joel, no final. Assim como algumas partes ficaram mais dinâmicas, outras, pela rapidez na execução, me deixaram angustiada, como novamente, a falta de Clickers nos últimos episódios, ou a breve convivência com Henry e Sam. Será que, por exemplo, ficou claro para todos que Tess é a chefe e Joel é o empregado dela? Eu espero que sim. A gente encontra cartas por todo o gameplay, que temos a opção de ler ou ignorar, contendo despedidas, instruções, avisos e eu gostei de isto ser incorporado na série de alguma forma, com personagens novos. Talvez a história de Bill (que na minha opinião não funcionou bem), tenha refletido estas “crônicas de vidas paralelas acontecendo, sem muito ou nenhum contato com a história principal”. Mas vamos falar mais sobre Bill, quando revisarmos cada capítulo. Sim, esta crítica vai ser bem longa. Sinta-se livre para fazer uns alongamentos, porque a minha vontade de falar sobre este universo aqui, é um sonho que eu posso finalmente realizar, agora que o meio de divulgação tem um alcance muito maior e instiga o interesse na história, do público em geral.

Eu me lembro de pensar: “Nossa, nada a ver” quando Pedro Pascal e Bella Ramsey que são ótimos atores, foram anunciados para interpretar Joel e Ellie. Tentar se aproximar do nível das atuações de Troy Baker e Ashley Johnson é um trabalho de cão e as comparações físicas são inevitáveis. O interessante é que Nico Parker, que não se parece nem um pouco com Sarah, teve uma recepção muito melhor com os fãs, do que Ramsey teve. Provavelmente porque passamos muito mais tempo com Ellie no jogo e bom, a atriz que a interpreta não tem a mesma carinha angelical de Parker. Eu tive mais problemas com o sotaque texano que Pascal não sustenta por toda a série, mas também admito que a extremamente competente Ramsey foi difícil de engolir, a princípio. Não tem nada de errado em querer que uma das personagens mais amadas dos videogames, seja interpretada por alguém que se pareça com ela. A verdade é que a Ellie original é, apesar de incrível, uma desleixada, mal-educada, rude… mas desenhada para o jogo como uma princesa da Disney. Uma atriz parecida com ela e com a idade correta, poderia ter muita dificuldade para nos convencer de que não é vaidosa. Eu vejo o exemplo disso, na escolha arriscada da belíssima Anna Torv no papel da Tess, que é outra personagem maltrapilha. Bella parou de me incomodar, quando eu enxerguei nela a essência da Ellie, que é a de uma guerreira com a coragem de ser quem é, em um ambiente hostil. Com tudo isso em mente, não dá para esconder a alegria de ver Merle Dandridge interpretando Marlene aqui também, assim como todos os outros atores originais em papéis secundários.

Agora, se existem personagens sem margem para erros, são os infectados. Eles ficaram perfeitos! Um Clicker é tão ameaçador e inescapável, que sua presença é quase igual a de um ser sobrenatural. A contaminação na série consegue ser ainda mais perversa do que na concepção original, não porque observamos a proliferação dos fungos com mais definição de imagem, mas porque fica mais evidente que existe um ser humano em sofrimento constante, debaixo de toda aquela fome de destruição. As criações são grotescas, mas não se trata apenas de ser morto por uma, porque fazer parte do bando delas é uma sina ainda mais cruel. A única coisa que supera o capricho na reprodução da doença, nos diversos estágios de degradação, é o talento, o cuidado e a maestria na direção de arte, que trouxe para vida real, com uma fidelidade chocante, os cenários icônicos que memorizamos involuntariamente, após passear por The Last Of Us do início ao fim diversas vezes, caçando suprimentos, quadrinhos para a Ellie e melhorando o desempenho das nossas armas. Eu sei que vou mencionar o visual da série mais vezes, até o final desta resenha, mas eu gostaria de deixar clara a minha apreciação total por este trabalho divino de ambientação, que envolve também a fotografia, os figurinos e a certeza, que salta do console para as telas, de que este novo mundo é podre, muito desagradável e sujo, e que o cuidado deve ser até com onde os personagens se escoram. Vendo a recriação das imagens de uma Boston destruída, me lembrei da primeira vez que joguei, quando vivia apavorada, deixando Joel agachado por boa parte do gameplay, porque é assim que ele consegue ouvir algum inimigo através das paredes. A sensação de perigo foi recriada com sucesso e eu agradeço, porque sei que este deleite para os sentidos, foi um trabalho de amor e deve ter custado uma fortuna.

Como é bom ouvir as novas e as antigas variações da trilha principal de Gustavo Santaolalla. Como é divertido perceber os Easter Eggs, como presentinhos deixados pelos realizadores para os fãs. Mais importante do que isso, no entanto, é que a série se mostra tão rica em história quanto o jogo sempre foi, deixando pedaços de informações pelos capítulos, que farão mais sentido nos capítulos seguintes, como por exemplo, a sorte da família Miller por não consumir farinha, nem nas panquecas que são trabalhosas para pessoas com pouco tempo, nem nos cookies da vizinha que heroicamente tinham passas ao invés de gotas de chocolate, no dia do surto. É sobre interações como a do casal de nativo-americanos, mantendo a tradição de criar lendas, com o pouco de informação que tem em relação ao assentamento do Tommy. Sobre também ficar ainda mais indignado com David, que não é um homem bom, mencionando que foi professor de crianças da idade da Ellie antes da pandemia. É um convite para os telespectadores, para que vejam a série mais vezes, porque esta também sempre foi a norma para nós jogadores: terminar um gameplay de The Last of Us, jogar alguma outra coisa, voltar para TLOU, pegar um livro, deixar o livro para jogar alguma coisa, jogar TLOU novamente… O resto do seu catálogo pessoal de jogos que lute! Eu não me envergonho de dizer que zerei o jogo mais uma vez há alguns dias, enquanto acompanhava a série, porque dá vontade mesmo, por isso gamers não precisam que tudo seja igual na série, mas eu espero que não-gamers algum dia, pelo menos acompanhem o jogo pelo Youtube. Tem tanta coisa que vocês precisam ver. A vergonha mesmo, foi descobrir pela primeira vez em Deus sabe quantas campanhas do jogo, um sótão que me deu um papel para upgrade de bombas (em uma das casinhas no subúrbio, antes do sniper, para quem estiver interessado). Esta é uma ótima série para o público em geral, mas no final das contas, um agradecimento para os jogadores e como jogadora, eu ofereço minha perspectiva agora, episódio por episódio:
1 – WHEN YOU’RE LOST IN THE DARKNESS – (Dirigido por Craig Mazin)
Quando o loop que nos faz jogar TLOU o tempo inteiro, não é o suficiente, apelamos para o making off, que além de imagens do motion capture, nos dá a apavorante informação de que o Cordyceps é um fungo que existe na vida real. Foi uma ótima escolha fornecer este conhecimento ao público, logo na cena inicial do primeiro capítulo. Uma entrevista em um programa de tv, que precisava ser antiga o suficiente para ser esquecida quando o surto acontece, mas não tanto para que a ciência seja confiável, especialistas nos dizem para esquecer vírus e bactérias. A verdadeira ameaça à humanidade, mantida como teoria apenas por conta da temperatura, são os fungos. Décadas mais tarde, mais precisamente em 2003, Sarah vive com o pai Joel em Austin, no Texas, quando esta ameaça ganha força de uma maneira violenta e sem precedentes. Junto com o tio Tommy, eles tentam fugir de carro, em uma reprodução dos eventos e cenários, tão parecidas com as do jogo, que deve ter enlouquecido a produção. A semelhança é surreal, dos comércios e residências da cidadezinha até a câmera no banco de trás, cujo propósito é nos confundir sobre a identidade do protagonista da história. Um acidente acontece ferindo Sarah, que no colo do pai é confundida com um infectado e morta por um soldado.

Vinte anos se passam e Joel é agora um homem-zumbi, sem filha, sem o irmão que sumiu e sem problemas para carregar corpos de crianças, que serão queimados para manter a higiene na Zona de Quarentena (ZQ) de Boston, onde ele vive e garante regalias, contrabandeando ítens raros com a parceira Tess. Paralelamente, milicianos denominados Vagalumes tentam derrubar os militares do poder com tiro, porrada e bomba. Marlene, a líder deste grupo considerado terrorista, é a mulher mais procurada da cidade e eu senti falta de um cartaz de “Procura-se” com a cara dela, assim como a série também se beneficiaria de outro cartaz informativo do jogo, com os estágios de infecção (RUNNER -> STALKER -> CLICKER -> BLOATER). Nenhuma quarentena deveria durar por vinte anos, mas mesmo com a causa legítima de trazer de volta os três poderes estatais para o povo, os Vagalumes estão perdendo esta briga e perdendo feio, até que um verdadeiro milagre se apresenta para eles. Joel e Tess são contratados por Marlene, que se feriu em uma transação mal feita, para contrabandear a órfã Ellie até o bando de Vagalumes posicionado fora da ZQ. A última coisa que Joel quer é outra criança sob seus cuidados, só que Tess quer o grandioso pagamento e Joel é um ótimo conselheiro, mas a decisão é dela. A carga é importante e isto fica claro na fronteira, quando Ellie revela que foi mordida há semanas por um infectado e não desenvolveu a doença. A pirralha mal-educada, agressiva e solitária Ellie, ganhou numa loteria biológica, que o mundo inteiro esqueceu que poderia existir. Ela é imune!
O episódio piloto exerce várias funções: como a de explicar como a infecção funciona, a motivação dos personagens, que tipo de sociedade é possível ser estabelecida em tempos de crise, assim como o por quê dela não funcionar a longo prazo. Algo que será demonstrado com um pouco mais de detalhes nos episódios seguintes. Um dia inteiro com Sarah era algo que a gente nunca teve, aparecendo de cara como um brinde inesperado, mas este é o exemplo do apelo que a série tem com pessoas como eu. Eu sou o ser humano que vibra com o áudio alarmista e ignorado dos noticiários, mas também sou o ser humano que encolhe sem motivo, toda vez que Sarah está sozinha, porque a verdade é que nós temos o conhecimento dos eventos maiores que precisam acontecer, mas somos diversas vezes surpreendidos pelo modo como eles foram adaptados aqui. Não dá para prever o que vai sofrer desvios criativos e o que será uma cópia do original. O episódio é longo e eu desejei que todos fossem assim, mas infelizmente isto não acontece. O ritmo nos mantém interessados o tempo inteiro. Ponto para a ótima direção de Mazin, que nos leva ao auge da perda, depois de trabalhar bem o nosso envolvimento com os personagens, chegando ao final com a vaga esperança de dias melhores, depois de nos bombardear com informações sobre o novo status quo da humanidade, sem que isto nos sature e sem que a tensão seja completamente abandonada.

2 – INFECTED – (Dirigido por Neil Druckmann)
O episódio do beijo mais desconfortável da história, começa novamente com um ótimo flashback. Outra coisa que eu também queria, de forma igualmente enxuta e eficiente, para todos os episódios, mas não aconteceu. Dois dias antes da morte de Sarah, estamos em Jakarta, na Indonésia, onde ótimas atuações mostram os profissionais certos, nos lugares certos, tentando em vão conter o que já se espalhou silenciosamente pelo planeta inteiro. A gente sabe que o mundo como o conhecemos acabou, mas não dispensamos o reforço na seriedade da situação, com esta sequência inicial. Neste episódio eu ainda tinha uma atitude #nãoéaminhaEllie em relação à outra protagonista e não apenas pela diferença na aparência da atriz, mas pela detecção de uma certa hesitação, que eu admito agora, pode ter sido o reflexo do clima geral de desconfiança que Druckmann, o co-criador da série, quis consolidar entre os personagens naquela altura dos acontecimentos. Em um esconderijo próximo à ZQ ainda em Boston, Ellie precisa convencer seus transportadores, de que ela não oferece perigo e que não tem nada atrasando seu processo de transformação. Ele simplesmente não vai acontecer.

No mundo extremamente perigoso de TLOU, evidenciado na impecável decoração que remove os humanos, a lei e a ordem, mas ainda o torna nojento e nem um pouco convidativo, a série precisava arranjar um artifício, para deixar os locais desprotegidos ainda menos atraentes. The Last Of Us não pode ser um apocalipse com o qual as pessoas fantasiam. Como não dá para manter os infectados, como na versão eletrônica, convenientemente nos lugares por onde os personagens estão pré-determinados para passar, a versão humana criou um atributo pavoroso e muito eficaz aos doentes. Na série eles “se comunicam” e se um é eliminado, o fungo nele consegue atrair muitos outros para a localização de um não-infectado. Uma pena que este super poder dos vilões não seja usado novamente. É aqui que nós vemos também algo inédito no jogo, uma horda! Só existe algo mais ou menos parecido, quando estamos no lugar de Joel, a salvo com o rifle no sótão dos subúrbios, enquanto Henry, Sam e Ellie, desviam do perigo nas ruas. No entanto, a maioria dos encontros com os contaminados, neste e nos outros episódios, obedece à mesma regra que enfrentamos no jogo, que é a de não ter mais números do que podemos dar conta. Na série este número cai ainda mais, porque precisa, já que muitas vezes é uma questão de bom senso.
Ellie é nova, nasceu no período pós-pandemia e está louca para explorar este fantástico e silencioso mundo novo. Sabendo o que eles podem encontrar, eu fico nervosa toda vez que a menina abre a boca, por causa do volume e toda vez que ela se recusa a fechar a boca, por conta da teimosia. Quando os episódios saíram, eu não pude evitar de ver críticas, ler opiniões no twitter, Youtube e uma que se destacou sobre este episódio para mim, foi a da jornalista Isabela Boscov que eu admiro muito, dizendo que na condição de inexperiente, Ellie é um perigo. Não tem como discordar, porque fora da ZQ pela primeira vez na vida, ela direta ou indiretamente é o risco que acaba causando a segunda grande perda da série. Pois é, pensando bem, eu tinha as minhas razões para ser tão seca quanto o Joel com a tagarela Ellie. Neste episódio, obedecendo a narrativa original, temos a estréia do Clicker, que é apresentado aqui depois de muita antecipação, como ele merece. Clickers não enxergam como os Runners e os Stalkers, mas possuem a força de uma animal de grande porte e uma audição sobrenatural. A presença poderia ter sido menos impactante e séria, não fosse o pavor dos adultos aos sinais da criatura e o maravilhoso trabalho de maquiagem. É importante notar também a atmosfera de abandono aqui. É uma cidade grande, vazia, mas com objetos posicionados para nos fazer pensar, que estava tudo normal em um minuto e um pandemônio no minuto seguinte.

3 – LONG, LONG TIME – (Peter Hoar)
O meu incômodo não é por eu achar que Bill não merece um final feliz, ou uma vida feliz, já que merecimento não tem lugar em The Last of Us. O problema para mim é ele não quer esta vida tranquila, porque gosta do caminho que escolheu. No jogo, Frank o deixou porque não o dobrou, porque Bill era um paranoico que adorava ser a pessoa mais esperta e bem preparada do mundo. Ele aceitava o custo, que era o de viver cercado de recursos, mas sozinho. Quando eu vejo uma rota inédita sendo seguida na série, ou linhas de diálogo sendo dispensadas ou modificadas, minha primeira reação é estranhar, a segunda é agradecer. Quem quer ver tudo exatamente igual ao que já conhece? Qual seria o propósito? Tragam as mudanças e não somente aquelas necessárias para facilitar a adaptação, porque é refrescante, principalmente para quem já jogou tanto que até pula as cenas não obrigatórias. Só que este é o único episódio que eu gostaria que tivesse sido mais curto, assim como o único que eu não fazia tanta questão de rever na íntegra, pelo simples fato de que esta experiência com a narrativa, para mim, não valeu o sacrifício de remover o maravilhoso encontro entre Bill e Ellie. Por isso que, novamente, eu gostaria de encorajar os que não jogaram a assistir a um gameplay, se não tiverem acesso ao jogo. Que seja para ter como nós jogadores vendo a série, um modo diferente de acompanhar esta história.

Em Long, Long Time, Bill é um desses caras que já não confiava no governo antes do Cordyceps, mantendo um arsenal criminoso no próprio porão, na expectativa de que algo deste tipo algum dia acontecesse. Não era só uma possibilidade para Bill, era um sonho! Agora ele vai fazer sua própria segurança, fechando a pequena cidade de Lincoln onde mora e que graças aos seus maiores inimigos, estará livre de vizinhos. Nick Offerman é a escolha perfeita para o papel e sua história começa com ares de criança solta em loja de doces. Energia abundante, comida, armadilhas letais, feitas exatamente do jeito que ele gosta, por anos, sem explicar ou compartilhar nada, até que Frank aparece, faminto e trazendo consigo as antigas regras de convivência que Bill sempre rejeitou. O romance começa rápido, mas demora tanto para terminar, que transforma um episódio com altas ambições, de ser uma homenagem aos anônimos de TLOU, que viveram e morreram pelos seus próprios termos; em uma pausa desnecessariamente longa, que interfere pouquíssimo na história original. É um conto divertido quando Bill está sozinho, fica interessante quando ele arranja companhia, mas poderia ter diversos minutos a menos, depois que já entendemos que nenhum homem é uma ilha.
A história de Bill e Frank é muito bonita, mas eu não reclamaria se ela fosse feia e mais interessante. Tudo se passa nos vinte anos em que a pandemia acaba com o mundo ao redor dos dois. No presente, Ellie e Joel se aproximam, levando dias ou semanas em que o luto por Tess é sentido em silêncio. O clima não é leve, mas é civilizado e a porção em que eles são o foco no episódio, também serve para que a jovem tire dúvidas sobre como era o mundo, décadas atrás, sem que haja censura ou interesses pessoais atrelados às informações. Por um momento, eu achei Ellie desrespeitosa com o homem responsável pela vida dela, especialmente quando está mais do que certo, que ele não vai mais ter o pagamento para transportá-la. Joel pareceu brevemente dominado e aí já era demais, ver outro personagem longe da própria natureza, mas eu me lembrei de Ellie passando dos limites no jogo também. Não era desrespeito, era medo, porque a vida estava ficando diferente, melhor até e ela não quer admitir que teme perder o que Joel está começando a representar. Antes que o episódio termine, o comportamento é corrigido. Não é exatamente o mesmo diálogo, ainda bem! Diferente não é o problema, mas desculpe, o que for completamente fora da personalidade, ou prejudicar muito o ritmo, está sim, sujeito a rejeição e não só pelo lado da galera que está familiarizada com a história.

4 – PLEASE HOLD TO MY HAND – (Jeremy Webb)
Ellie está em um banheiro horroroso, tomado por musgo, brincando com uma arma que nem deveria ter e eu não consigo parar de admirar a fotografia. Com excessão do episódio anterior, é incrível como a série capturou o look tão característico do jogo. Se estivéssemos nele, neste momento da história, seríamos parados em uma emboscada no caminho até Tommy, na cidade de Pittsburgh, onde TLOU passa por sua sessão mais recheada de ação. Mas por diversos motivos, bem mais convenientes para uma série, estamos no primeiro de dois episódios dedicados a Kansas City, que acabou de derrubar a Fedra e está mergulhando no módulo de anarquia. Jogando, a gente até desviou dos corpos fardados enforcados pelas ruas, mas precisou da série para ter um entendimento mais amplo, das consequências da revolta da população depois de décadas de abuso dos militares. Frank havia revelado que a ZQ de Baltimore caiu depois de poucos anos e vimos a de Boston segurando firme ainda. É como se o país inteiro estivesse em diferentes estágios governamentais, dentro de uma roda social que não para de girar, erguendo e derrubando quem detém o poder, de tempos em tempos. Kansas City retrata agora um cenário que gera algumas perguntas importantes, como por exemplo, o que fazer com tanta liberdade? Depois que todas as vinganças forem executadas, a população vai permanecer unida e democrática, ou se dividir em facções? Vai ser permitido entrar e sair livremente do local? Bom, como era de se esperar, não demora nada para que o abuso de poder retorne, em mãos de quem antes era vítima.

O título do episódio é uma homenagem a uma canção de Hank Williams, que eles escutavam no carro, enquanto percorriam quilômetros de estrada, sem um endereço certo pela primeira vez. Não há garantia de nada e qualquer coisa pode acontecer. Fora do veículo, os Estados Unidos que vemos está mais verde e completamente enferrujado, com resquícios de combates onde é fácil determinar o que venceu. Não há vivos, mas também não há corpos. Nas rodovias e na cidade, os enquadramentos são super abertos, ousados mesmo e mais uma vez eu já imagino o pesadelo que deve ter sido para a produção. Deve estar todo mundo, dos executivos aos estagiários, dormindo na base do floral, enquanto eu literalmente admiro a paisagem. Eu simpatizo, mas não vou dizer que não valeu a pena. Contando piadas do famoso livro de trocadilhos e sendo uma verdadeira figura, Ellie aproveita a viagem para conquistar o coração duro de Joel. Ele está mais preocupado com todas as coisas que precisam de preocupação. O importante é permanecer alerta, porque um tema recorrente na série é que toda vez que Joel relaxa, eles se dão mal. Tem um diálogo muito importante no carro, que é penoso de ouvir porque Joel se refere à menina como “carga”, mas é ali que ela tem alguma noção do conceito de família. É estranho para ela, sendo criada por uma instituição, saber que algumas pessoas estão dispostas a cruzar estados inteiros para encontrar um irmão.
Uma personagem nova é introduzida a este universo, porque a necessidade exige. Você precisa ter uma justificativa para ter gente atrás de Joel, gente que se importa em não permitir que ele saia da cidade, depois de entrar nela sem querer. Foi divertido ver os moradores da cidade tentando intimidar Joel durante os tiroteios, com as falas genéricas dos NPC’s do jogo (a sigla se refere à personagens com os quais não jogamos, uma espécie de figurantes com diálogos). Elas são as bombas de efeito moral eletrônicas, ganhando um pouco mais de vida com extras que não agem como kamikazes. É uma coisa idiota, mas somente alguns do nós compreendem a alegria, ao ver Joel se escondendo agachado atrás de um carro e Ellie fazendo o mesmo atrás dele. É um episódio tão violento, que momentos em que reconhecemos o gameplay são um bálsamo para nós, assim como os momentos de descanso para os dois, aceleram a conexão e a confiança necessárias para esta jornada. O episódio termina com a apresentação pseudo-ameaçadora da dupla fofíssima de irmãos Henry e Sam, dois dos personagens mais amados… e trágicos de The Last Of Us.

5 – ENDURE AND SURVIVE (Jeremy Webb)
O segundo episódio sob a direção de Jeremy Webb sobre Kansas City e seus revolucionários, continua o ótimo trabalho de adaptação e compressão de diversas seções do jogo, para caber em um conjunto bem mais limitado de cenas. É impossível para jogadores, ignorar que a história tem mais pressa do que o que estamos habituados, mas há de se reconhecer que um esforço muito carinhoso foi feito, redistribuindo falas, eliminando andanças repetitivas e combinando missões, para que este sentimento fosse minimizado somente para nós, enquanto conseguíamos reconhecer todas as inúmeras referências. O ambiente desta vez é completamente urbano e a selvageria só aumenta, até alcançar um ápice de tirar o fôlego, no final. O efeito que teve aquela horda aparecendo com tanta velocidade foi fenomenal, mas foi igualmente tenso ter passado por lugares como o esgoto de Ish, por exemplo, com os nervos à mil esperando a carnificina, que só viria quando menos se esperava. É como passar uma hora inteira se preparando para tomar um susto que não vem, bem como tentar adivinhar que cenários os realizadores irão recriar e quais serão deixados de fora. Não mostraram o hotel… porque mostrariam o subúrbio de maneira tão fiel, certo? Não vimos nenhuma armadilha acionada por barbante, porque teríamos o franco-atirador?

Uma decisão muito inteligente, foi deixar Sam surdo nesta versão, já que faz sentido que ele não seja perturbado pelo barulho dos outros, enquanto passa por uma transformação de partir os corações de quem assiste pela primeira ou pela enésima vez. Deste modo, ele também se torna mais vulnerável do que teríamos tempo para constatar. Outra ótima escolha foi fazer de Henry o alvo de Kathleen, a sanguinolenta nova líder do pedaço. Ela tem problemas pendentes, mas está ocupada buscando justiça para o irmão traído e executado. É importante classificar Henry como um traidor, que faz qualquer coisa para proteger o irmãozinho, por um meio terceirizado, porque também não temos tempo para que ele traia Joel e desapareça, como acontece no jogo, para só depois passarmos por um reencontro cheio de revolta e aí sim, testemunharmos um perdão, que os fará caminhar juntos de novo. A cena de despedida destes breves personagens sempre foi tão chocante e perfeita, que só poderia ser aceita em carne e osso, como sua execução acabou acontecendo… com a integridade intacta. Se eu tivesse que destacar a mais feliz, entre as diversas escolhas de elenco para a série, que está cheia de talento, seria a de Lamar Johnson e Keivonn Woodard para nos presentear com Henry e Sam, da maneira mais fiel e doce possível.
É um flashback de uma maneira diferente, dando nova cara a uma ferramenta extremamente útil na série, que abre o episódio nos mostrando a dinâmica dos irmãos, escondidos nos tensos dias de inquisição, que precederam a chegada dos personagens principais na cidade. Precisávamos deste tempo a sós com eles, sem a influência dos olhares de Joel e Ellie e isto reforça a ideia para mim, de que deveria ter sido assim também, com Frank e Bill. O episódio é um dos melhores, com cenas maravilhosas e eu destaco o impressionante retrato da vida subterrânea de uma comunidade esquecida. É mais do que estar diante de outra recriação muito bem feita do jogo, é fazê-la transcender para um rápido, porém profundo estudo sobre resistência em condições desumanas. O ataque da horda é além de inesperado, uma experiência de caos generalizado muito bem vinda, que finalmente nos traz o temido último estágio da contaminação, o Bloater. Acho que teria sido um pouco cafona se ele soltasse aquelas bombas na galera, mas vê-lo partir uma cabeça ao meio foi muito legal! Fomos agraciados com outra estréia neste episódio, mas desta vez inédita até para quem conhece o jogo: uma criança infectada, no estágio de um Clicker, ainda por cima. Apavorante, se contorcendo como uma ginasta do inferno, em um espaço pequeno bem perto da Ellie. Credo, amei!

6 – KIN – (Jasmila Zbanic)
Mudando completamente o tom sombrio do final do episódio anterior, nossa dupla enfrenta o frio das montanhas, em busca do paradeiro de Tommy, depois de alguns meses na estrada. O primeiro encontro, com o casal, os mostra como possíveis vilões da história de alguém, o segundo, os mostra como possíveis vítimas de um bando maior. Ambas situações são farsas, de gente que gostaria de viver de acordo com suas naturezas mansas, mas que não hesitaria em trair o desejo de paz, se a vida estiver em perigo. Esta não parece logo de cara, mas deveria sempre ter sido a parada final desta jornada. Muitas vezes jogando, seguindo o caminho obrigatório que levará Ellie a ser a suposta salvação para os Vagalumes, mas não sem antes encontrar um verdadeiro inferno, a gente olha para o assentamento de Wyoming, com nostalgia e arrependimento, porque percebemos que por mais que a narrativa fique ainda mais fascinante daqui para frente, ela tem custos altos para a protagonista mais frágil da dupla. Isso deve acontecer com você também, que está vendo esta história pela primeira vez. Nostalgia e arrependimento, porque ninguém jamais saberia, ou condenaria, pelo menos na vida real, se Joel tivesse decidido mais cedo superar o passado e viver bem novamente. Mas no fundo a gente sabe que uma verdadeira evolução emocional, para chegar rápido, precisa de trauma e isto não seria possível sem os momentos decisivos que aguardam os protagonistas, nos meses seguintes em lugares verdadeiramente hostis. Como foi mencionado antes, esta é a porção menos movimentada que enfrentamos no jogo e jamais poderíamos nos contentar com a calmaria, sem nunca ter enfrentado a tempestade. Como no mundo real, certas experiências infelizmente precisam ser vividas.

Tommy está bem, super bem na verdade, pelo menos por enquanto. Sendo uma pessoa que nem sempre toma boas decisões, é um milagre e a situação pode mudar a qualquer momento, mas ultimamente, a escolha trouxe tanta tranquilidade, que ele preferiu não mandar as boas notícias para o irmão, que certamente encheria a cabeça dele de dúvidas, que podem até ser legítimas, mas que não viriam sem o peso de um sobrevivente que tomou gosto pelo desgosto. Ao contrário do irmão mais novo, Joel não está nada bem. Fisicamente, ele está suportando mais do que a idade avançando. A proximidade com Ellie, trouxe velhos sentimentos e ele está sentindo os efeitos dos piores deles, como um medo paralisante de não estar apto para ser responsável por mais ninguém. A repentina boa vida de Tommy, gera alguns momentos de tensão, como uma traição por ela ter sido possível sem Joel, que foi aquele que sempre forneceu ajuda… contanto que a liderança do mais velho nunca fosse questionada. Agora, assuntos mais importantes do que uma rivalidade fraternal precisam ser resolvidos. Tommy já foi um Vagalume, por um tempo e pode ter informações sobre bases ou esconderijos do grupo. Algo que Joel não possui desde Boston, mas isso não é tudo. A ideia é convencer o irmão mais saudável a levar a menina e em seguida, voltar sozinho para o ponto de partida. Um plano não apenas absurdo (voltar para Boston, sério Joel?), como é a verdadeira e dolorosa traição do episódio, selada de forma quase irreversível, com um discurso para Ellie que é sempre difícil de escutar, porque ela se permitiu confiar e acreditar que depois de tanto tempo e tantos eventos, ela havia passado a ser, finalmente, parte da família.
Pelo modo como o plot é dividido, não ficamos tanto tempo na cidade de Jackson, muito bem protegida e escondida dos olhos gananciosos de qualquer grupo invasor. Uma sábia decisão, apesar de que eu, de maneira gananciosa, queria muito ver o belíssimo rancho para onde Ellie foge, a única construção sem ares de doença no jogo, ganhando forma nas mãos do competente departamento de cenografia da série, mas eu sei que esta já é uma brincadeira muito cara do jeito que está. Joel se mostra muito mais vulnerável do que gostaríamos de ver, um pouco antes de se tornar de fato, a pessoa mais vulnerável da narrativa. A missão da faculdade, mesmo rápida e sem alguns dos perigos que eu gostaria de ter visto somente pelo terror, surpreende pela semelhança com o jogo, em um episódio que não se preocupou tanto com este aspecto. Se até os macacos estão no laboratório eu desejei, desta vez de maneira razoável, um pouco mais de ação, mas eu gostei do conflito ter sido discreto com os assaltantes. A intensidade precisava ter sido diminuída, porque o ferimento original do Joel é impossível, galera! É uma queda épica, mas ninguém naquela precariedade, daria conta de tratar daquilo ou de sobreviver àquilo.

7 – LEFT BEHIND (Liza Johnson)
Depois do sucesso de críticas e de vendas de The Last Of Us, a Naughty Dog lançou para download um bastante antecipado conteúdo adicional, com quase duas horas de gameplay, sobre os eventos que resultaram na mordida que não contaminou a Ellie. Left Behind complementa também a história principal, que no original dá um salto no tempo depois que Joel fica ferido, alternando o passado de Ellie ainda em Boston, com o presente, na luta dela sozinha para despistar os homens que os atacaram na universidade, enquanto tenta encontrar medicamentos e algo que se assemelhe a um kit de primeiros socorros, para ajudar o amigo. As duas ações, do passado e do presente, se passam em shopping centers abandonados, então nada mais apropriado para a menina, geralmente faladeira e protegida, mas momentaneamente sem um interlocutor e apavorada, do que ter um flashback sobre a última vez em que, ironicamente, se sentiu segura. Mais apropriado ainda, é os realizadores da série fazerem como muitos gamers fazem, quando alcançam o momento do acidente de Joel, que é parar o jogo principal, jogar o DLC (como estes materiais complementares são conhecidos) e depois voltar para o principal. Por isso este capítulo está exatamente nesta posição da linha do tempo, porque já faz sentido para os jogadores há alguns anos.

Na série, o flashback vai além do que já conhecíamos, mostrando as escolhas limitadas de uma jovem rebelde, que sempre viveu dentro de uma academia militar. Em compensação, perdemos a “narrativa atual”, limitando a interação entre Joel e Ellie neste episódio ao comecinho e ao finalzinho dele. Apesar do bate e volta entre os diferentes shoppings, dar bastante dinamismo ao DLC, não é um grande problema ficar só no passado neste episódio, porque no presente daquela mini-história, Ellie tinha que dar conta de uma dúzia de homens armados, se esquivando de uma porção generosa de Clickers. Não dava para espalhar balas e flechas pelo chão nesta adaptação, para que a menina nunca se encontrasse desprovida de munição, vocês estão me entendendo? Uma coisa interessante, que me fez lembrar dos episódios de Kansas City, é dita por um oficial, encarregado de disciplinar a molecada que será o futuro da Fedra. “Eu não me importo com as opiniões de ninguém”, ele desabafa. “Se a gente cair, as pessoas da Zona de Quarentena irão morrer de fome ou matar umas as outras”. Ele não está errado, mas nem todos os órfãos criados ali, estão dispostos a ter uma vida militar durante o fim do mundo. Riley, a melhor amiga de Ellie, que havia fugido da academia por buscar um caminho alternativo, retorna na surdina uma noite para rever a amiga e dar a ela uma madrugada inesquecível. É o primeiro breve abandono a ser reparado na vida de Ellie, mas não antes de uma conversa necessária e algumas confissões esclarecedoras.
Quando a gente fala em fidelidade, na transferência dos ambientes do jogo para a vida real, este é o episódio modelo. É engraçado como me lembra até um musical, que é a única coisa live action que eu consigo me lembrar, com uma aparência semelhante à desenho animado. O cenário que as meninas percorrem, atravessando os topos dos prédios, convenientemente da mesma altura e próximos o suficiente, para que as perninhas consigam saltar sem dificuldade, grita West Side Story ou algo assim, na minha cabeça. Agora, a reprodução do shopping onde Ellie e Riley passam uma noite de aventuras, que inclui fliperama com moedas infinitas, carrossel e aquela invenção magnifica da humanidade que é a escada rolante, ficou uma verdadeira obra-prima da adaptação. Os objetos, as lojas, a cor das paredes, o piso descascado, está tudo lá, mas é a fotografia que tira o meu fôlego. A geografia é outra, já que eles obviamente tinham que usar um centro de compras já existente, mas a sensação é tão familiar, que só reforça a ideia de que as ambientações dos episódios, formam em conjunto um personagem à parte. A gente sente falta de Joel, apesar de gostar de ver Ellie tão sorridente, sem se preocupar se a pessoa que está com ela, quer realmente estar com ela. Eu adorei os easter eggs do episódio, mas o melhor foi a lanterna da menina falhando e exigindo uma chacoalhada, que era o que a gente precisava fazer com o controle, toda vez que o mesmo acontecia em um lugar escuro. Somente um infectado neste breve conto, mas é o suficiente, para nos manter tensos em uma atmosfera de falsa alegria e para causar estragos fatais, que marcarão Ellie para sempre.

8 – WHEN WE ARE IN NEED – (Ali Abassi)
No penúltimo episódio da temporada, existe uma certa menção aos tempos de infância, quando sua mãe colocava a comida no prato e respondia à sua pergunta inevitável com “é carninha”. Uma explicação que você aceita, como aquela porção de alimento que precisa estar no prato, sem que a procedência dela seja da sua conta. Ao mesmo tempo, é este episódio que irá provocar um amadurecimento na marra. Existem monstros neste novo mundo que, contaminados por um fungo devastador, perderam o controle de suas ações e vontades, mas os mais perversos dos vilões, são os que sabem exatamente o mal que estão fazendo e não se importam. Com Joel novamente em segundo plano, pelo menos até despertar de vez com sangue nos olhos, David é a co-estrela deste segmento. Tanto na pele do ator Scott Shepherd aqui, quanto na voz e na captura de movimentos no jogo, do melhor dublador americano da atualidade, Nolan North (que infelizmente não foi escalado para um papel qualquer na série, bem como Annie Wersching, a voz da Tess ou W. Earl Brown, a voz do Bill), David é o rei do marketing pessoal, se apresentando inicialmente, tanto no jogo quanto na série, como a possível solução para os problemas de Ellie. Um homem razoável e pacífico, que só quer o bem e o que é justo para todas as partes. Como o pastor de uma pequena comunidade, tentando sobreviver a mais um inverno sem as facilidades do mundo antes de 2003, ele faz de tudo para manter a reputação de provedor bem sucedido, para os que desconhecem viver uma dieta canibal. É o que ele faz por interesse próprio, no entanto, o que sempre fez, até antes da pandemia, que fazem de David o personagem mais assustador de The Last of Us.

Gravemente ferido, Joel sai de cena, nos permitindo jogar pela primeira vez como a Ellie, que é mais baixa do que todos os inimigos, bem mais fraca e ainda precisa enfrentar uma tempestade de neve para sobreviver. O dever do episódio oito, não é mostrar o quanto ela é capaz de se virar sozinha, porque a gente sabe que ela é inteligente e repete, com limites, o sucesso do gameplay na série, contra homens tão fortes quanto Joel. Com o que deveria ter sido a simples troca de um veado morto por antibióticos, se desenrolando numa busca descabida por vingança, por parte de uma comunidade diariamente torturada, When We Are In Need, nas mãos de Ali Abbasi, diretor do maravilhoso Holy Spider, enfatiza que mulheres até podem ser tão hábeis quanto os homens, mas sozinhas e tão jovens enfrentando grupos grandes deles, deveriam possuir sim, protetores altruístas ao redor, sem embaraço algum, como qualquer criatura em severa desvantagem física. Ellie é assertiva e cuidadosa, fazendo tudo o que foi treinada para fazer, mas não sejamos ingênuos, porque a gente sabe que isto não é o suficiente para menina alguma. É um capítulo da história feito pra nos fazer pensar, em quantas vezes este tipo de coisa aconteceu, neste mundo sempre sob perigo e no nosso mundo sem cordyceps também. No final das contas, o que conta para os sobrevivente e para os inocentes é a sorte mesmo.
Quando Troy Baker (a voz de Joel) aparece no papel de James, um dos capangas apavorados de David, com a cara abatida, barbudo e cansado, eu cheguei a pensar…”Caramba, e se…?”. O trabalho de Baker como Joel, é absolutamente perfeito e neste ponto da carreira, a fisionomia do ator se assemelha muito a do personagem do jogo, o que me fez sonhar um pouquinho, mas Pascal também é um ótimo ator e tão próximo do fim da temporada, ele já consolidou sua versão de Joel, nas nossas mentes e corações exigentes. Ashley Johnson, que fará uma participação especial no próximo episódio, também foi a Ellie perfeita do jogo, mas Bella Ramsey faz um trabalho tão cheio de vigor e comprometimento, principalmente neste episódio, que também se torna preciosa, até para quem já tinha a interpretação de ouro da Ashley como referência. O encontro de Ellie com David é indispensável para a recuperação de Joel, que se ergue violentamente como poucas vezes foi permitido na série, para não assustar os telespectadores. Porém, esta versão que imita direitinho falas e sequências do jogo, recebe uma repaginada ainda mais traumatizante para a menina, especialmente no confronto final do restaurante em chamas, onde David ignora o próprio ferimento e avança sexualmente para cima de uma adolescente apavorada, já que o live action pode permitir que vilões sejam ainda mais cruéis, sem se preocupar em passar a impressão errada para o público.

9 – LOOK FOR THE LIGHT – (Ali Abbasi)
Abbasi dirigi também este que fecha a primeira temporada e toda a história do jogo original. O cara é bom, mas o episódio é muito curto, pior, é imperdoável que o único infectado apareça apenas na sequência de flashback, que finalmente explica porque Marlene não deixou nenhum Vagalume matar Ellie, quando ela foi mordida. Anna está em trabalho de parto, enquanto é perseguida por uma contaminada. A Runner é implacável, invadindo o esconderijo onde Ellie bebê está com a mãe, com uma força assustadora, mas não precisava ter outro momento igual no episódio, em matéria de combate. Quantas vezes nos jogos, que propositalmente é insuficiente em munição, escolhemos burlar o inimigo, preservando o pouco que temos e caminhamos vagarosamente ao lado de infectados que não enxergam? Eu pergunto, qual era a dificuldade, com tudo o que foi realizado até aqui, de reproduzir algum aspecto do túnel, pelo qual os protagonistas precisam passar para chegar no hospital dos Vagalumes? Não precisava ser idêntico, simulando um alagamento no local que resultaria em um quase afogamento, já que sinceramente, não há nada de errado no modo como a série mostra Joel e Ellie sendo encontrados. Eu entendo que aquela sequência de ação, seria um inferno ou impossível para a produção. Agora, um ambiente escuro qualquer, cheio de Clickers e Bloaters que Joel e Ellie evitam, atravessando o caminho obrigatório em silêncio e em pavor, não seria nem pelos gamers, seria pelo restante do público, que merecia ver mais infectados na série. Apesar de que uma cena dessas nos deixaria em pânico também, sem saber o que aconteceria, pelas variadas possibilidades como escolhemos enfrentar a missão no jogo.

Joel e Ellie estão em Salt Lake City, seguindo uma pista vaga sobre o último refúgio dos Vagalumes. A porção do jogo que os realizadores escolheram reproduzir aqui, passou por algumas modificações, mas nada que comprometa o sentido dos acontecimentos, ou o quanto a narrativa respeita o material original. A conduta e até a personalidade dos dois parece ter sido invertida, nessas semanas de convivência na estrada, depois dos eventos do último inverno. Joel que até então era um homem de poucas palavras, está tentando quebrar a tensão no ar com algumas piadas de tiozão. Ele não é engraçado, mas o fato de que ele tenta ser, chama muito a atenção. Ellie está calada, o que chama ainda mais a atenção. Alguma coisa ficou perdida lá atrás, uma parte muito importante daquela presença, que costumava ser curiosa e imperdoável com seus comentários sarcásticos. Sabemos que é mais do que parte da puberdade aflorando e dói pensar que o crescimento dela, não precisava vir acompanhado de uma depressão. A boa notícia é que exatamente quando acreditamos que a perdemos para o trauma, tanto no jogo quanto na série, a girafa aparece e como sempre é um momento mágico, mas sem fazer milagres. Existe agora uma seriedade em Ellie, mesmo que o contato com a pureza novamente, faça ela sorrir com a alegria de antigamente. Quando Joel diz que ela não tem obrigação de seguir com o plano, que eles podem dar meia volta e morar juntos na vila do Tommy, fica evidente que a jornada os aproximou, mas também que eles estão em compassos diferentes.
Eu tenho um problema tão grande com o segundo jogo, que não sei se terei o mesmo entusiasmo para assistir a uma segunda temporada, se houver uma. Para mim, The Last of Us termina aqui, sem que a decisão de Joel na conclusão da história, se torne algo controverso. Sem contar que a parte 2, lançada no Playstation 5 em 2020, apresenta uma narrativa tão bagunçada e sem sentido, que nem os upgrades na jogabilidade e nos gráficos, foram suficientes para me fazer curtir o negócio. Para qualquer pai, pai de verdade que ama incondicionalmente, se surgir algum dia a escolha entre o próprio filho e o resto da humanidade, eu sinto muito, mas a humanidade que se dane! Não é nem uma decisão conflitante, mesmo que este episódio nos faça experimentar a polêmica, dramatizando excessivamente as perdas do lado inimigo. Para propósitos de uma discussão imparcial, como meros observadores da história, vamos deixar de lado os dois especialistas dos dois primeiros episódios, dizendo que não há cura para o que acaba acontecendo no mundo. Deixemos de lado também que não se trata de zumbis, que por design são eternos. Nossos infectados, quando não morrem em poucas semanas, evoluem em diferentes estágios e tudo o que sofre alterações deste tipo, eventualmente expira. É só se fechar em uma comunidade pacífica, como a do Tommy, ficar longe de glúten e esperar a poeira baixar, porque The Last of Us nunca foi sobre salvar a humanidade. A história é sobre salvar apenas uma pessoa e que bom que pelo menos o Joel de Pedro Pascal, deixa a sutileza do Joel eletrônico para trás e confessa para a menina, que não foi o tempo… foi ela quem o curou. Apesar de que, quando o jogo e a série terminam, o que fica é o desejo de que Ellie saiba algum dia, que não precisava ser teoricamente valiosa, para ter valor. O cara que havia adquirido uma aversão tão grande à paternidade, a ponto de não permitir que o nome de Sarah fosse mencionado perto dele, não só aprendeu a ser pai novamente, como voltou a gostar deste papel. A verdadeira salvação, é a da humanidade particular.

CONCLUSÃO:
Poderia ter sido melhor, com certeza, mas eu não esperava que tivesse sido assim tão bem feito. Além de um pouquinho mais de ação e de terror, uma menção maior ao gameplay, teria sido muito apreciada. Era só fazer a menina atravessar um rio qualquer, em cima de uma tábua de madeira com o Joel guiando, que já estaria ótimo para mim. Eu acho que colocar diretores diferentes nos episódios, tem muitas vantagens como visões únicas de diversos pedaços da história, mas parece que isso também gerou uma certa falha de comunicação. Existe um quebra de ritmo entre os episódios, que é discreta, mas está lá. Outra coisa, digamos por exemplo… e se tivesse sido combinado com todos os diretores de utilizar o mesmo enquadramento, nas cenas em que Joel precisa dar suporte físico para a Ellie subir em alguma coisa? Como parte da mecânica de colaboração entre os personagens, o gesto de Joel de juntar as mãos em cima do joelho, para a menina colocar o pé e ser elevada, é repetida com tanta naturalidade, que na última parte do jogo, assim como é reproduzido no último capítulo da série, Joel fica na posição e Ellie não “aparece”. O impacto no jogo é forte, quase como o equivalente a uma quebra da quarta parede, porque não é um glitch… é literalmente um NPC distraído demais com a própria melancolia, para fazer o que foi programado. Isto deveria ter o mesmo impacto aqui de alguma forma, mas não tivemos esta referência combinada entre os profissionais dos outros capítulos. Pode parecer uma besteira, mas não é só porque acontece o tempo inteiro no jogo, ou seja, não é parte do pedido acima sobre mais gameplay nesta adaptação. Eu não quero ficar reclamando de coisas pequenas, porque não quero parecer ingrata, já que estou realmente muito feliz com o resultado deste trabalho. Eu posso não concordar com algumas escolhas artísticas, mas aprecio que elas existam, porque agora são, pelo menos para mim, dois meios diferentes de assistir a uma história que eu sempre amei. Está evidente que foi uma produção feita com o coração e com um coração gamer muito satisfeito eu digo, parabéns!
