Um found footage um pouco difícil de engolir, enquanto a protagonista não absorve a severidade da punição, que pode cair sobre ela caso seja pega, após ter cruzado a fronteira do Irã ilegalmente, com o intuito de violar ainda mais leis. A confiança em excesso vem da auto-imposta missão, de continuar o trabalho arqueológico do pai, que tão entusiasmado quanto a filha, dedicou a vida a encontrar a lendária Pedra Filosofal de Nicolas Flamel. Mesmo com aquele espírito extrovertido de uma youtuber, Scarlett é uma estudiosa de história e alquimia, cheia de qualificações para a pouca idade, documentando em vídeo sua busca, caso tenha algum sucesso e ainda corra o risco que o pai correu, de ter o trabalho considerado fantasioso. Se o único problema pela frente fosse a descrença dos profissionais da área, ela só precisaria lutar pela reputação e não pela própria vida, como acaba acontecendo.
O filme tem como personagens, uma seleção nada casual de gente super especializada, que além das habilidades necessárias para uma expedição arqueológica de valor inestimável, possui acesso a locais restritos, ou conhecidos com acessos, como se toda a sorte do mundo estivesse a disposição. Talvez seja querer demais um pouco mais de veracidade de um terror descompromissado, mas é um certo esforço não questionar que uma das maiores descobertas da história, possa ser o fruto da teimosia de apenas uma pessoa e de muita sorte de um grupo que mal se conhece, ao invés trabalho de séculos de equipes bem maiores de cientistas e estudiosos, passando adiante o conhecimento por meios acadêmicos, por terem acesso a materiais que Scarlett, uma professora universitária (não aluna) só consegue arriscando a própria vida. O importante é que, se você como eu, deixar a chatice de lado para curtir o filme, é que a irritação provocada pela personalidade da jovem, diminui na mesma medida em que a persistência dela leva a revelações interessantes, que impulsionam o filme para um caminho que vale a pena.

Se o plot tem falhas, elas podem ser desculpadas por uma vantagem histórica da própria produção. É a primeira vez que um filme tem a permissão do governo francês, para usar as famosas criptas subterrâneas de Paris, um lugar macabro e mais do que apropriado para o terror, como cenário para o desenrolar da história. É engraçado porque é como se fosse algo do tipo: “olha só essa pista… certamente só pode significar tal coisa… se estivermos errados vamos morrer, mas… e aí, bora pra catacumbas?”. É uma ambientação meio forçada, mas se existe ou não um motivo legítimo para o grupo parar naquele lugar, o que interessa é que os restos mortais que vemos, ossos, caveiras… tudo é real e este tipo de coisa precisa ser valorizada. Sem o artefato mítico como o MacGuffin, eles poderiam ser apenas alguns turistas perdidos, já que qualquer passeio mais invasivo e sem supervisão ali, já garante um filme de terror. Mesmo com placas de identificação em vários dos túneis, sem um guia, a desorientação é uma certeza e o clima sombrio seria o suficiente para desesperar qualquer perdido. Sem contar que se trata de uma construção incerta, que já passou por desabamentos e que cidadãos nem sempre bem intencionados, utilizam as passagens subterrâneas para todo o tipo de atividade. A narrativa nem precisaria da segurança dos meios sobrenaturais para provocar medo no público, mas, como deixar espíritos de fora em um filme no maior cemitério do mundo?
O ritmo é bom, definindo com uma curta investigação as personalidades do grupo e os preparativos para a incursão no subterrâneo. Antes que a aventura comece de verdade, ou seja, antes que eles cheguem na entrada clandestina de um local único, que não poderia ser replicado em estúdios com facilidade, contratos são firmados e fica decidida como seria a partilha de objetos de valor, caso sejam encontrados ao redor da pedra de Flamel. A edição é mais do que decente, principalmente quando o estilo documental ganha diversos ângulos para trabalhar, assim que todos os personagens, entre especialistas e entusiastas, ganham câmeras embutidas na roupa. Assim Na Terra… parece ser dividido em episódios com focos diferentes, com o primeiro sendo a reportagem, o segundo a exploração e o último o terror, que mesmo batido e seguindo algumas fórmulas, é bastante eficiente. É como se diretores diferentes “pegassem o volante” da história a partir de um certo ponto e mudassem o rumo, mas sem que as transições sejam completamente perceptíveis ou que o filme perca a nossa atenção, já que os temas diferentes ultrapassam as sessões as quais pertencem vez ou outra.

De acordo com a trivia do filme, o diretor John Erick Dowdle, que sempre foi mais terror do que qualquer outro gênero na carreira, quis recriar sem muito alarde ou sem que o plano fosse evidente, os diversos infernos da Divina Comédia de Dante, já que tinha a melhor paisagem para o feito à disposição e o resultado é um filme apavorante e com boas ideias. A melhor delas é forçar os personagens a fazer a inversão do caminho seguido, quando chegam no ápice do perigo… e ainda inverter o caminho mais uma vez, quando se percebe um erro fatal. Que tortura! É como “A Última Cruzada” de Indiana Jones, só que bem mais macabro, com um forte impulso da compreensão do desconhecido e recuperação do passado da humanidade, e sem nenhuma vergonha do elemento mágico encaixado na história, para apimentar a aventura. Claro, os personagens aqui não são tão carismáticos quando Harrison e nem todos os diretores podem ser Spielberg, mas também não há tanta ambição assim nesta produção.