Esta é uma produção bastante incomum da Netflix Coreia do Sul, que entre diversas coisas esquisitas, decide através de teatro e animação, contar a história de como Buda derrotou um monstro de uma realidade paralela, removendo os olhos da criatura e trancando cada globo em uma caixa mágica. A ordem, dada com a doçura de um líder, não um chefe, era para que seus discípulos escondessem os objetos amaldiçoados em extremidades opostas do planeta. “Certifiquem-se de que os olhos jamais se juntarão novamente”, disse o rei do viva e deixe viver da espiritualidade asiática. Este é o problema! Sidarta Gautama pode ter sido o mais iluminado para derrotar o demônio, mas as instruções aos seguidores deveria ter sido terceirizada. Alguém como um gerente regional do budismo, cumpriria essa tarefa melhor do que o CEO, colocando o medo necessário na galera, para que esse medo fosse aumentado através dos milênios, nas conversas entre os monges e espalhado pelo mundo, evitando que os olhos que eram a verdadeira fonte do poder do mal, fossem encontrados, ou mesmo procurados por alguém. “Se vocês mexerem nessa m****, eu vou ficar sabendo. O chefe enxerga tudo e me passa. Se eu pegar, além de justa causa, vocês vão se ferrar!” – diria o gerente, com seu cavanhaque, sua gravata de gosto duvidoso e sua atitude tóxica, salvando o mundo. 

Catorze anos se passaram desde a descoberta de uma das caixas mágicas, contendo o olho vermelho, porque o povo não sossega com um pedido educado, mas felizmente nada de ruim aconteceu. O objeto é indecifrável e a reputação do arqueólogo responsável pelas buscas, ficou arruinada. Agora, estamos na época de uma tal lua vermelha e isto aparentemente muda as coisas. O olho preto está sob a proteção de um monastério, mas somente um escolhido do local sabe disso. Por mim, o objeto estaria no fundo do oceano, ao invés de um lugar de fácil acesso, mas o que eu sei sobre essas coisas? A cada dia o olho vermelho, que possui vontade própria e a habilidade de encantar seu próprio guardião, se aproxima do outro olho. Essas movimentações são percebidas e uma sequência de eventos colocam um aprendiz, que além de novato ainda cumpre um voto de silêncio, na busca por um ex-monge que também cumpre uma sentença auto-imposta, depois de abandonar a religião. Antes mesmo de encontrar o antigo superior, o estagiário perde o olho negro em uma estação ferroviária lotada. Pelo menos desta vez, o filme fornece a pessoa certa para a função, porque o gerente não resolveria nada e iria berrar adoidado, um monge na ativa iria rezar, mas o ex-monge Seonhwa, que sempre enxergou muito mais do que um homem comum, saberá qual será a melhor estratégia corporativa. Tá bom, eu paro com a palhaçada.

A Oitava Noite é um filme com regras nada firmes e uma edição muita confusa. O vilão que é apenas uma parte do corpo, poderoso e podre a ponto de possuir e apodrecer gente inocente, percorre uma distância que nunca fica clara, em busca do objetivo. Paralelamente à história principal, policiais investigam os corpos deixados para trás, que nunca saem da mesma jurisdição. É como se o olho vermelho não viajasse quase nada, quando deveria pela gravidade do encontro, ter atravessado pelo menos um oceano. Em um determinado momento, fica estabelecido que vilões e mocinhos precisam encontrar “uma xamã virgem”, que é a mesma moça que roubou a caixa mágica do novato mudo. O vilão ganha esta corrida, aparecendo na porta da donzela, mas ainda tínhamos uma hora e meia de história pela frente, então ele fica do lado de fora e continua apodrecendo a galera e esperando os mocinhos encontrarem a jovem também. Eu cheguei a pensar, que eram necessários diversos hospedeiros para carregar o olho, sendo um por dia e justificando o título, só que o que a gente percebe, tanto no final quanto no começo do filme, é que essa era uma condição inexistente para a profecia se cumprir. Mas deixando esta baguncinha de lado, o fato de que o monge aprendiz quebra acidentalmente o voto de silêncio, desencana e começa a falar novamente, depois volta a ficar mudo e pede para ser libertado do voto que já quebrou, me diz que a montagem deste filme tem sérios problemas. 

Um aspecto do qual eu não posso reclamar aqui, é a evolução do relacionamento entre os dois heróis da história. Um deles sabe tudo, inclusive o passado do jovem que o acompanha. O outro está adorando descobrir o mundo pela primeira vez, desde que saiu do monastério, se entupindo de fast food e tentando ser prestativo. Ele não entende nem a serventia do objeto que deveria ter protegido melhor, mas é um discípulo obediente, que não fica enchendo o mestre com perguntas depois que começou a falar. O mais velho é um poço de arrependimento e preocupação, o mais novo, permanece fiel ao vegetarianismo e à recomendação do antigo superior, que é a de permanecer ao lado de Seonhwa em todas as decisões. Sua obediência não o deixa questionar tarefas, mas a lealdade ao líder é testada quando fere os princípios da fé. Um é agressivo, o outro, inocente e estas duas armas tem suas serventias, nos momentos apropriados. Apesar de que, é tanto vai e vem nesta história, que não dá para fazer estas afirmações com muita segurança, quando elas não se sustentam o tempo inteiro.

É de terror, apesar de não ter o medo como base, mas não é exatamente um filme, é um “dorama”, com tanta treta e conexões mirabolantes, dando suporte à narrativa principal, que realmente parece mais uma novela reestruturada para caber em duas horas. Eu digo que não é assustador, porém existe uma cena que poderia ter sido a coisa mais tosca do mundo, mas por ser tão inesperada e grotesca, provoca um sentimento de impotência diante de um vilão, que até aquele momento e depois dele, continua nos mantendo na ignorância sobre a extensão de seus poderes. O que ninguém sabe, ninguém estraga, certo? O filme é divertido, cheio de personagens carismáticos e com mais de uma reviravolta surpreendente, que é em partes iguais, super interessante e sem pé nem cabeça. Completamente imprevisível, mas é mais pela inabilidade de seguir os próprios padrões pré-estabelecidos, do que por um roteiro bem elaborado. São tantas invenções e mudanças nos acordos dentro do filme, que em várias situações, ficamos como o novato do monastério, sem a mínima idéia do que é preciso ser feito para impedir o fim do mundo. É uma lambança doida, que eu acompanhei interessada e intrigada do início ao fim, porque consegue ser agradável e, mesmo com os problemas… coesa! Não dá para recomendar para ninguém, nem para impedir ninguém de assistir. Sinto muito, mas vocês estão por conta própria neste aqui. Eu dou uma de Gloria Pires e lavo as minhas mãos.