Iniciante mirim surpreendendo pelo profissionalismo? Temos! Astro de ação que não decepciona no papel dramático? Temos! Tema apocalíptico sob uma direção com potencial tanto para o sublime quanto para o desastre cinematográfico? Temos! Comportamentos constrangedores que são parte de um ritual que ninguém explica? Temos! É o caminho familiar, mas o que não temos é um twist, já que este é um Shyamalan sem spoilers, e também não temos a excentricidade chata de alguns personagens, porque o tema é muito sério, talvez este seja o filme mais sério do diretor, então se alguém se empolga sobre qualquer assunto, outra pessoa já corta o barato dela e tudo volta ao normal. O normal, no entanto, consiste em convencer as pessoas de que o mundo está com os dias contados, sem prova ou indício algum, com a melhor das hipóteses sendo apenas uma morte devastadora e a pior sendo a total destruição do nosso planeta.

Batem à Porta não demora muito para empolgar, porque a história se move muito rápido, deixando adendos para serem inseridos nos diversos flashbacks por todo o filme. O mérito da direção, é que o trabalho de M. Night nos leva a eliminar desde o início a linha que separa mocinhos de bandidos, com uma ideia que parece simples na superfície, como era vendido no que o trailer se permitia revelar, mas que dissimuladamente surpreende quem só enxerga poder nos números de cada lado do conflito, ou no tamanho de Dave Bautista, um ator escalado exatamente para passar a impressão de ser invencível. Somos mantidos também em cima de um muro por muito tempo, sobre para qual lado torcer, com base em fatores sólidos, como o histórico notório do diretor, que inclui o mundo completamente fabricado de A Vila… e a fantasia inquestionável de A Dama na Água. As atuações são super convincentes dos dois lados, o dos intrusos que aparecem na cabana, com suas personalidades pés-no-chão, aliada a uma crença absurda e nenhuma vontade de cumprir com obrigações que juram não terem requisitado… e o lado dos invadidos, um casal homossexual com uma filha pequena e antecedentes de hostilização contra eles, duvidando do povo que aparece na casa com toda a educação, exigindo um ato violento para ir embora. Não podemos declarar apoio incondicional a nenhum deles, sem saber que versão de Shyamalan estamos recebendo aqui!

Na história, Andrew e Eric estão passando as férias com a fofíssima Wen, a filha que eles adotaram, em uma cabana próxima a um lago, quando quatro estranhos, duas mulheres gentis e dois homens, um baixinho invocado e um gigante dócil, batem na porta pedindo para conversar com a família. Como não há sinal de celular, os suspeitos carregam armas medievais improvisadas e a situação inicial já é inaceitável, é claro que Andrew e Eric não permitem a entrada, mas a casa acaba sendo invadida e com excessão da criança, a família é amarrada. Os créditos de abertura do filme, mostram desenhos assustadores em superfícies inadequadas, como contas de luz, provas escolares, cardápios de restaurante e documentos de trabalho, como se a inspiração artística além de sinistra, não pudesse esperar o conduzido arranjar uma folha de caderno. São papéis de uso de diferentes profissões, porque o chamado veio para pessoas que não se conheciam, que não são religiosas, vivendo em diferentes partes do país. Eles estão lá para garantir que uma escolha monstruosa seja feita, bem ao estilo de Sofia, porque o tempo se esgota. O casal precisa decidir quem da família será sacrificado para impedir o fim do mundo. Em intervalos de tempo tenebrosos para todos, os quatro perguntam ao casal se eles já tem uma resposta ao pedido do universo. A cada não, uma praga é lançada no mundo pelo grupo e seus efeitos são assistidos no noticiário.

O filme é muito tenso e isso ainda precisa ser celebrado quando, tirando os flashbacks e a televisão, a locação é praticamente uma e a dinâmica entre os personagens não muda muito. Pedido feito… pedido negado… praga…repete! O diretor sempre foi ótimo para criar imagens impressionantes e duradouras e eu chamo a atenção para uma série de catástrofes em particular, envolvendo aviões caindo do céu, como uma chuva demoníaca que se acontecesse de verdade, colocaria o mundo inteiro no chão e na terapia por muito tempo, senão para sempre. Eu devo admitir pelo menos, que esperava outras incidências deste tipo de coisa, acontecendo através das eras. Outros sacrifícios sendo exigidos de gente comum de tempos em tempos, com desastres reais da nossa história, ilustrando a justificativa dos invasores. Também teria sido ótimo, um elo de conexão além da coincidência entre os cavaleiros do apocalipse (termo usado no filme, que Shyamalan poderia ter deixado de fora, por ser óbvio) e as oferendas, ou entre os quatro invasores mesmo, encarregados da suposta missão divina, já que se trata de um cineasta obcecado por exemplos e motivos. Pode ser que uma explicação detalhada não fosse a melhor ideia, ou que ninguém quisesse desviar muito do livro no qual a história se baseia, ou mais uma pegadinha de M. Night, subvertendo as expectativas de gente como eu, que acha que o conhece super bem.

É ousado e poderia ser controverso, usar um casal gay como alvo para o abate, mas o que o filme mostra em termos de vítimas e mártires, é que nunca se poderia requisitar fé e dedicação de pessoas que não se importam com o próximo. Inocentes morrem pelo filme todo e o diretor está tão empenhado com o respeito por eles, que se recusa a mostrar a conclusão em diversas cenas muito violentas. Não há nenhuma vontade de chocar o público. Papai Eric, que se acidentou durante a invasão à casa, começa a ver coisas que podem ser sobrenaturais ou o resultado da batida na cabeça, mas geram dúvidas e ganham pontos para o grupo inimigo. O trabalho do papai Andrew, que não é a toa um advogado de direitos humanos, é manter o companheiro na realidade. Algo simples, como a existência deles, já os torna suscetíveis ao ódio de estranhos e aquilo tudo só pode ser uma armadilha, porque a meta dos invasores só é atingida, se a morte de um membro da família, vier pelas mãos de alguém da própria família. Andrew não é um homem de fé, como Eric sempre foi. Ele não entende a possibilidade, como excelente pai e marido, de os dois serem os alvos do sacrifício que salvará a humanidade, pelo simples fato de serem completamente dignos dele.  

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