Ao redor de uma fogueira na praia cheia de crianças, o tiozinho conta que há exatamente cem anos, um erro de cálculo, facilitado por uma neblina densa e persistente, causou um naufrágio matando todos os tripulantes de um navio, na costa daquela cidade. O que o tiozinho (que seria canceladíssimo nos dias de hoje) conta pra molecada, quando o relógio está prestes a bater meia-noite é que assim que outro nevoeiro chegar à cidade, os espíritos sairão do fundo do mar em busca da maldita fogueira, que eles confundiram com um farol e que os fez bater com o navio nas rochas. No entanto, agora que Antonio Bay está para completar cem anos, seus moradores descobrirão que a história verdadeira do naufrágio é muito mais bizarra e que a vingança não vai ser contra um elemento da natureza. 

Eu nunca soube se isso era intencional, mas John Carpenter tem um talento enorme para transformar seus filmes em representações de pesadelos. Os personagens podem estar à beira da morte, mas agem como se não acreditassem completamente no que está acontecendo, ao mesmo tempo em que tiram conclusões certeiras com pouca ou duvidosa informação, como se intuição fosse igualmente confiável. Seus fantasmas não desaparecem na tela como aqueles em outros filmes de terror. Eles são desavergonhadamente sem mistério e as vezes até desastrados. A bruma que deveria ser a desculpa perfeita para camuflar qualquer chegada e saída, não é rápida o suficiente para os espíritos afobados, que preferem sair de cena dando um passinho para o lado, bem ao estilo de Michael Myers em Halloween (1978), se escondendo atrás de algum arbusto. Como é especial e única, a sensação de flutuação e angústia que Carpenter passa, nos dizendo que tem sempre alguém à espreita com aquela câmera sinistra que ele segura na mão.

Neste filme, o diretor e escritor foi um pouquinho mais abusado do que o de costume. São três Scream Queens para o nosso deleite, duas delas são a rainha Janet Leigh (Psicose) e sua filha, a princesa Jamie Lee Curtis (Halloween“s”). Na história temos pescadores, um padre, uma locutora de rádio, uma forasteira, vários moradores, mas a estrela do filme é a própria cidade. Pelo baixo orçamento, não dá para mostrar muito dela, ou tantos figurantes quanto seriam necessários, mas quem teve a infelicidade de ver o remake de 2005, feito com tecnologia mais avançada, imagens de drone e o cacete a quatro, pôde constatar que não é sobre o que você consegue com mais dinheiro, é sobre como se usa o que está disponível sendo um verdadeiro mestre do terror e não alguém que parece ter lido sobre o gênero em um manual. Sim, é exatamente isso. Meu Deus, como a versão mais recente é desinteressante! Cheia de clichês e sem coragem ou coração.

 A névoa de 80, brilha e se move com um certo constrangimento. Para quem confere o efeito nos dias de hoje, fica difícil manter a seriedade em alguns momentos, até que uma maravilhosa sequência de perseguição, nos mostra que algumas reputações no cinema são absolutamente justificadas. Qualquer um de nós que viva para assistir e assista para viver, enxerga na hora que as ruas são cenários reaproveitados de outros clássicos dos anos 70, só que isso não faz muita diferença. É até melhor que as ruas estejam vazias, porque a atmosfera é de abandono. Do alto do farol, onde também fica a estação de rádio, a locutora narra o movimento do nevoeiro sobre a cidade, que com vontade própria e contra qualquer vento, deixa claro que não é um fenômeno natural. Três personagens fogem de carro, costurando o caminho com base nas orientações vindas do rádio, literalmente se esquivando do inescapável. A tensão é inegável e todo o tempo que se passou desde o lançamento do filme é completamente esquecido. A rádio vai tocar somente coisa brega e instrumental? Sim! A mocinha vai contemplar o nada com cara de bolinha, enquanto o cadáver se mexe fora do foco atrás dela? Claro! A população verá os acontecimentos sobrenaturais como meras inconveniências, até que seja tarde demais? Com certeza! É um clássico… fique quieto e receba.

Eu falei sobre os sustos? Ninguém dá sustos como John Carpenter! Nós os sentimos mais do que os personagens, porque são inesperados de verdade e não são banais. A gente até ri! Durante vinte e quatro horas, enquanto uma cidade inteira planeja festividades, o diretor nos mostra uma história sobre prestação de contas, pagamento de dívidas e reparação. Jamie Lee, no papel da forasteira, ou seja, na pele da pessoa com menos ligação possível com os eventos que provocam o dia do julgamento, chega até a se culpar pelo que está acontecendo, tadinha! “Eu atraio coisas ruins”, ela diz e bom, conhecendo a carreira dela, sabemos que mentindo ela não está, mas desta vez, mesmo que a contagem regressiva pareça ter sido acionada pelo ato desonesto do padre, ou pelo empregado da loja consumindo o produto sem pagar, ou ela mesma flertando descaradamente com o estranho que lhe deu uma carona, o que realmente importa é que, a história verdadeira da fundação do local e não a versão maquiada para manter a falsa imagem, seja revelada na íntegra para todos os que moram naquela cidade.