Adaptar jogos de terror-sobrevivência para o cinema, não deve ser um trabalho fácil, ainda mais quando a experiência com o console se baseia em menos narrativa e mais indução de pânico, com uma sucessão de sustos em ambientes onde o jogador propositalmente enxerga bem pouco. A tarefa fica mais complicada se o filme é produzido depois que uma verdadeira franquia já foi estabelecida, porque são múltiplas histórias diferentes e dificilmente veríamos um filme para cada uma delas. Recentemente, saindo um pouco do terror, testemunhamos a salada decepcionante que foi Uncharted (2022), que teve a proeza de alienar fãs e o restante do público com um filme de ação genérico e sem inspiração, mesmo usando uma porrada de referências dos jogos. Não deveria ter levado o nome porque não tinha nada a ver com a essência de Uncharted, uma coleção tão divertida e cinematográfica. Mark Whalberg não é o Sully!! Terror em Silent Hill também tinha o potencial para levar um boicote quando foi lançado, mas o longa não me decepcionou em nada e não foi porque eu não havia jogado nenhuma de suas diversas sequências. É diferente quando se entende o que o universo daqueles jogos representa. 

Aqui, a cidade abandonada é que é a alma do negócio. Não há tanta necessidade de reproduzir as vítimas dos jogos. Não importa quem seja escalado para os papéis, porque qualquer um perdido ali está ferrado! Depois de quase duas décadas, a fotografia dá alguns sinais de desgaste, ou seja, dá para perceber que os personagens estão por vezes em um estúdio, na frente de uma tela verde e não sempre em Silent Hill, mas Silent Hill está completamente presente no filme. Ainda que coberta por cinzas, é impressionante o quanto a cidade inteira, que não é um amontoado sem-vergonha de casinhas, parece ter cor e personalidade. A ambientação é perfeita, mostrando que é impossível que aquele lugar volte ao normal, com vida, por mais que muitas construções tenham sido preservadas, ao mesmo tempo em que transforma qualquer caixa de correio ou parquímetro em um vulto, quando a cena não pede que a protagonista interaja com alguém.

Falando nela, se houvesse um prêmio Vorhees para mães imprudentes, Rose teria ganhado de lavada naquele ano. Ela decide pegar a estrada um dia, acompanhada da filha Sharon (interpretada por aquela atriz mirim de todos os filmes de terror do início dos anos 2.000), atravessando diversos estados americanos sem avisar ao marido, em direção a Silent Hill, considerada uma cidade fantasma após um incêndio devastador que ainda queima o local depois de algumas décadas. Está tudo interditado, só que esta é uma informação que a mãe nota 10 não possui, já que saiu de casa na surdina e sem um plano concreto, porque a filha, adotada, menciona a cidade em episódios cada vez mais frequentes e perigosos de sonambulismo. Qual é a primeira coisa que acontece quando elas chegam no local, que é de difícil acesso, proibido e deixando poucos rastros da própria passagem? Elas se envolvem em um acidente e se separam!

Rhada Mitchell e Laurie Holden, que adoram um terror, estão no filme respectivamente como a mãe da criança desaparecida e a policial que esbarra nelas. Que bom que quando Rose perdeu quem mais precisava proteger, tinha alguém com uma arma por perto, porque se existe algo indispensável em um terror-sobrevivência é alguém que saiba atirar. Se o problema fosse somente recuperar a criança e sair da cidade, seria o jogo e filme mais chatos do mundo, mas em intervalos de tempo com precisão britânica, a escuridão substitui as cinzas e criaturas demoníacas ganham as ruas. Os confrontos são sempre com vilões diferentes, que possuem designs bastante criativos, como se houvesse um esforço descomunal para torná-los memoráveis. Escola, hotel e hospital abandonados, são mais do que locações onde o mal desperta. Se em um jogo eles representam fases a serem eliminadas, no filme são parte da história e cruciais para ajudar a desvendar um grande e terrível mistério. Do outro lado deste inferno, está o pai da criança com seu próprio parceiro policial, procurando desesperadamente pela família e garantindo ótimas cenas investigativas por todo o filme, em duas dimensões diferentes.

Eu acho que o negócio é desencanar mesmo do medo de que, algumas vezes, o público sinta que está assistindo a um gameplay. Não é como se narrativas peculiares fossem uma novidade para qualquer cinéfilo. De vez em quando, alguém atravessa um poço em chamas, se equilibrando em estruturas enferrujadas, ou usa uma corda para ir do ponto A para o ponto B. O legal é que essas ações são filmadas sem a fanfarra de produções similares, ou seja, como se fossem atividades naturais. É uma série de tarefas a serem cumpridas, utilizando o auxílio de pistas e até mapas, mas sem perder a conexão com um público que não participa ativamente da história. Se o filme te faz temer uma sirene, mesmo que você não esteja de posse de um controle, é porque ela não tocou para anunciar uma nova batalha para um gamer. Ela tocou o número apropriado de vezes para um filme, avisando o que está para acontecer sem ser repetitiva. Respeitando o material a ser adaptado, mas também o meio para onde ele será transferido, os realizadores desbloqueiam certas habilidades, como a de mostrar os encontros com os vilões como uma recompensa, que acontece ao final do que seria cada missão, ao invés de uma maneira de manter a audiência com medo, como num terror normal. Com direito à musiquinha de combate e tudo!

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