Do imaginário coletivo para os livros, depois para o cinema e de volta ao coletivo.

O filme se baseia em histórias de uma série de livros lançados com o mesmo nome nos anos 80. As narrativas vindas do folclore norte-americano, tão recontadas em tantas partes do país por muitos anos, a ponto de ser impossível determinar a autoria de qualquer uma delas, foram reunidas e ilustradas nestes livros, que se tornaram registros históricos e servem de referência para diversos filmes de terror e séries de tv. Histórias Assustadoras utiliza alguns dos contos menos famosos, ou menos explorados destes livros, com uma história principal como ponto de partida, que seria a do descobrimento do livro em questão, que se torna aqui um objeto sobrenatural a ser combatido pelos mocinhos, e com uma cidade e seus habitantes como elo de ligação entre as histórias.

No começo, quando não há ainda uma cena assustadora e o terror não é evidente, nós vemos o cotidiano de uma cidade, que nem se fosse em qualquer outro filme adolescente, poderia ser considerada típica, de tão sombria que a atmosfera está. É Halloween, mas isso não tem nada a ver, já que nem mesmo o Natal é só sobre o aniversariante. A população de Mill Valley, Pennsylvania em 1968, com suas pichações antigovernamentais, seus jovens autodestrutivos e suas relações familiares que continuam acanhadas mesmo sem uma fratura exposta, são cínicas demais para uma cidade tão pequena. A Guerra do Vietnam é uma assombração real que paira sobre o lugar, mas não elimina ameaças mais comuns como o horror do abandono, do bullying e das fantasias da noite das bruxas confeccionadas com muito amor, mas pouca aptidão. Com um clima constantemente pesado, você pensaria que as pessoas seriam mais unidas, mas a norma é o cada um por si, até que o perigo exija esforço em equipe, então, se é terror que o povo precisa, terror os Mill Valleyanos… Valleyenses terão!

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Uma mansão abandonada contendo um histórico vergonhoso, é invadida no Halloween por um grupo de adolescentes que fugia do valentão da cidade. Há muito tempo, uma das moradoras da casa que vivia reclusa, assustava a molecada da época com histórias arrepiantes que ela contava e eles ouviam, através das paredes. Sarah, a criança maltratada de décadas atrás, podia até ser uma amadora, mas suas aspirações literárias eram sérias e ela registrava seus contos em um livro escrito a mão, que é encontrado e levado pelo grupo. Sarah, que nunca havia deixado o próprio quarto, muito menos saído da casa, parecia de uma maneira sobrenatural ter um vasto conhecimento da cidade e do futuro do local, porque assim que Stella, a jovem do grupo de 68 que também gosta de escrever, começa a ler o livro roubado, as histórias mais se configuram como narrações de eventos contemporâneos, com direito a nomes e locações exatas, do que como invenções sem conexão com a realidade. Stella vê conhecidos dela no livro, assim como a prova de que a tinta que escreve os acontecimentos é fresca e que a fantasia está se transformando em realidade. As histórias de terror estão se concretizando na vida dos adolescentes e não há outra alternativa senão a resolução de um grande mistério.

Ao invés de transformar o filme em uma antologia tradicional, com curtas sem conexão que formam um longa completo, o diretor André Ovredal de Autópsia de Jane Doe (2016), em conjunto com a produção e roteiro de Guillermo Del Toro, resolveu que o início de cada curta seria apresentado na primeira parte e o desenrolar de cada um seria integrado ao filme, como com o rapaz que tem um histórico de vandalismo com o espantalho, bem antes do boneco ganhar vida, ou do jovem que se sente sufocado pela mãe, ou do outro com fobias em relação à comida, antes mesmo do livro ser encontrado, como se os contos adaptados fossem na verdade pessoais para os personagens. As histórias são tão curtinhas, que eu acho que não demarcá-las foi uma solução boa, para que elas não fiquem como um bando de acontecimentos aleatórios e irrelevantes no decorrer do filme. A transferência fiel do livro para o cinema, ficou a cargo das ilustrações dos vilões, que se transformaram em monstros apavorantes e memoráveis no cinema. Considerando que Del Toro é um apaixonado por monstros, eu estranho que este filme não foi feito mais cedo na carreira dele, porque o material era muito rico, com criaturas fascinantes e ele deve ser fã há algum tempo. Um desses monstros, que se multiplica pelos corredores de um hospital, se movendo com a maior fofura do mundo em uma cena extremamente claustrofóbica, vai virar um ícone, eu tenho certeza, assim como o fauno foi em outra época.

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Com monstros que são uma extensão dos medos das vítimas e seriedade com temas que não vemos muito no gênero, Histórias Assustadoras consegue ser um filme de Halloween fora de época, sem que isto seja um problema e também consegue ser um terror com e para adolescentes, que mesmo aglomerando as assombrações, não diminui a importância de nenhuma vítima, ainda que uma delas seja um personagem desagradável, dando um toque realista de perdas múltiplas em uma comunidade pequena e o impacto que isso causaria no mundo real. Boa fotografia, saturando as cores nas cenas noturnas, bem ao estilo de Del Toro, personagens bem escritos e vilões com potencial para virarem bonecos em miniatura nas mãos de colecionadores, complementam um filme bom que funciona de dia e de noite, mas que poderia ser melhor, porque a adaptação sofre com a distribuição de tempo. A história que liga as demais no filme, poderia ser mais curta e dar lugar para mais uma adaptação, com outro vilão e vítima, mas tudo bem. Pelo que o final mostra, eles estão guardando contos na manga para possíveis continuações.