Quem cochilou no carro da patrulha?
A polícia Turquia deve andar em bandos, porque vemos uma van do departamento e não um carro estacionado do lado de fora do restaurante. Aparentemente, um chamado é sempre tão sério que exige a dupla de praxe e a assistência que já chega junto no mesmo veículo. São cinco homens esperando pra comer, em um estabelecimento que não deveria ser tão suspeito, mas com a insistência em mostrar os cozinheiros trabalhando e os detalhes no preparo das carnes, fica impossível não questionar a procedência da comida. Em uma conversa descontraída na mesa do local, duas coisas chamam a atenção: uma é o modo depreciativo, porém engraçado e inovador com o qual o diretor decide retratar os homens turcos, quebrando o estigma dos machões religiosos, com histórias sobre zoofilia e travestis. A outra coisa é que um dos homens não está bem, sentado em outra mesa e afastado dos amigos com o pensamento longe, incomodado com algo que ainda não compreende. Encrenqueiros apesar de modernos, eles acabam saindo sem comer do restaurante onde eram os únicos fregueses, mas quando o amigo isolado surta sozinho com um ataque de pânico, fica claro que um pouco menos de truculência com o garçom não teria feito diferença.
Baskin faz parte de uma recente onda turca de filmes de terror, com suficientes títulos de diferentes diretores com diferentes estilos, para puxar o tapete do reinado japonês e quem sabe, ter seus originais refeitos por Hollywood em breve. Alguns destes filmes fazem tanto sucesso domesticamente, que viram verdadeiras sagas com três ou mais continuações, geralmente obedecendo a linguagem dos antecessores, mas com histórias completamente diferentes (notem que eu não disse originais). O acervo de terror só nesta última década é tão volumoso e variado, em termos de tipo e de qualidade, que a impressão que fica é que o país investe muito no gênero e que eu estou perdendo o meu tempo esperando a estreia e assistindo apenas ao material vindo dos lugares habituais. Talvez seja o momento de dar voz aos nossos irmãos do Oriente Médio, para descobrir quem são os monstros do folclore deles e como eles escolhem exorcizá-los na tela.
Mesmo com tanta vontade de se expressar, com uma cultura tão rica e imponente, é importante que este mercado saiba conversar com o público internacional. O sucesso regional é lucrativo e sustentável, mas por que não sair da bolha, onde somente os semelhantes se entendem e ser mais ambicioso ou convidativo com o seu trabalho? No caso de Baskin, é muito legal que a produção primeiro pegue emprestado do ocidente para depois mostrar o que está fazendo, com as influências de filmes como Renascido do Inferno e Cidade dos Sonhos, em uma manobra que indica admiração pela arte do outro lado do mundo, e oferecendo em troca com muita naturalidade outra visão sobre um conjunto de trabalhos que se respeita. Principalmente, porque o enredo do filme, que já não é dos mais concretos, se desenrola de uma maneira muito incomum, até mesmo para os padrões, imagino eu, daqueles que falam a mesma língua do filme. A falta de uma explicação conclusiva para os eventos na história, pode desagradar os que preferem narrativas com bases lógicas, mas a boa notícia é que esta preferência não é cultural e a melhor notícia é que para o restante do público, esta é a razão para que o filme funcione tão bem.
Cinco policiais como protagonistas, ou seja, homens de casca grossa, acostumados com encrencas repentinas, armados e nem é como se eles estivessem isolados do mundo. O chamado ao qual eles atendem é de outra unidade policial, em uma região próxima, então são mais personagens da mesma profissão treinada para servir e proteger no local. Não seria o cenário perfeito para que as portas do inferno se abrissem e engolissem os personagens de uma só vez, mas como diz o interessante líder religioso, em uma das mais sangrentas e intensas representações de um culto satânico que eu já vi em filme: “o inferno não é um lugar físico, que se possa visitar. Ele nos acompanha aonde quer que vamos”. Um casarão antigo no meio do mato, que serviu como um departamento de polícia por algum tempo, segundo os mais experientes do grupo, é o ponto de onde a chamada havia sido feita. Os mesmos policiais da antiga, se lembram de histórias desagradáveis sobre o local e pelo exterior da casa, é plausível que seja uma construção real. É só quando eles entram e se deparam com uma arquitetura subterrânea improvável para um prédio do Estado, que o número de homens armados parece pouco. Onde está a equipe policial que solicitou o apoio? É claro que eles descem até o último degrau que a enorme escadaria declinante possui e com certeza eles se separam, porque o lugar é enorme! O que eles acabam encontrando, é o que muitos filmes de terror somente sugerem, sem nenhuma economia em violência e depravação.
O único momento em que Baskin não é tenso, é quando os personagens estão cantando um hit local dentro da van, rindo e brincando, como se não houvesse nenhuma preocupação no mundo. A história é linear o suficiente para que a gente consiga acompanhá-la sem problemas, mas toda vez que o perigo fica insuportável para um dos personagens, nós retornamos com ele para um ponto mais seguro do filme, que serve como uma alucinação temporária, mais fácil de se lidar do que a realidade. Ou seria o contrário? Eu não sei! Não sei o que o vilão realmente quer, ou se os sapos que vimos o tempo todo no filme são menções bíblicas. Eu sei que o terror não tem fim, mas não tenho certeza sobre em que ponto ele começou. Desde Suspiria de Argento eu vivo procurando interpretações de sonhos em filmes e acredito que tenha encontrado um pesadelo e tanto em Baskin, com uma direção cheia de simbolismos e cuidadosa tecnicamente. Eu sugiro atenção para certos posicionamentos de câmera, planos-sequência, transições de cenas e para a edição de som, mesmo que eu ainda não tenha certeza se a soneca é individual, coletiva ou se estamos acompanhando a viagem do personagem certo.