Um escritor de sucesso, precisa escapar da fã número 1.
Baseada em um livro de Stephen King, Louca Obsessão é uma das melhores adaptações de um trabalho do autor. Dirigido por Rob Reiner e atuado por gente muito competente, o filme fantasiosamente-biográfico conta a história do encontro duradouro e brutal entre um ídolo literário e sua maior fã, quando ele se encontra fisicamente vulnerável e a tiete está em uma posição dominante. Não só isso. Ela não bate bem das ideias. No segmento tortura dentro do gênero terror, o que não faltam são filmes difíceis de serem assistidos, não só pela violência extrema, mas porque ela quase sempre não tem base ou é justificada por motivos superficiais, fazendo do filme um esforço preguiçoso e ruim. A tortura em Louca Obsessão vai de emocional a física, deixando marcas profundas no público e embora ela nunca seja aceitável, a fonte do terror, que se chama Annie e parece uma professora do primário, é uma mulher complexa que acredita que tem todo o direito de fazer o que precisa, para manter o homem da sua vida ao lado dela. O filme acompanha a natureza bipolar de Annie, alternando momentos de muita ternura com episódios de pura crueldade, mantendo com o público uma relação clássica de abuso, o que nos mantém fiéis ao filme mesmo nas cenas mais difíceis, tendo em mente a esperança de cenas/dias melhores.
Paul Sheldon é um escritor de sucesso. Não é exatamente como Stephen King, que pela escolha do estilo de escrita e pelo sobrenome do personagem, o colocou em uma categoria diferente da sua, mas se trata de um cara de sucesso internacional. Paul alcançou a fama com a personagem Misery, estrela de uma sequência de romances água-com-açúcar de época, desses que seriam vendidos em bancas de jornal por aqui. Misery é uma verdadeira mina de ouro, mas jamais garantiria um Pulitzer para Paul e ele já está em uma idade em que um legado respeitável sobrepõe fama e dinheiro, então o livro que está terminando agora, mesmo sem título, segue um rumo completamente diferente, deixando a popular Misery para trás e sem escrever usando fórmulas certeiras de sucesso. No entanto, sem abandonar completamente suas tradições, Paul segue o ritual pós-término de obra, que infelizmente já é conhecido pelos seus admiradores e sai da cabana onde sempre se hospeda, durante uma nevasca perigosa, para voltar para casa com o manuscrito na mão, quando o seu carro capota e ele sofre um acidente terrível. Seria fatal, mas para a sorte dele, a ex-enfermeira Annie Wilkes estava por perto e possui o tipo físico de quem consegue carregar um adulto nas costas, pela neve fofa, por um caminho longo. Paul é resgatado e Annie tem uma chance única de estar perto do maior ídolo. Para sempre, se ela conseguir.
Ela diz que nenhum dos telefones funcionam e que as estradas estão fechadas por causa da neve. Não todas, somente as que levam aos locais importantes, como um hospital ou uma delegacia. Paul passa semanas confinado em uma cama na fazenda de Annie, sem conseguir mover a maior parte do corpo e dependendo dela para tudo. A dor intensa é combatida com remédios que ela fornece. A reabilitação é lenta, mas permite que Paul obtenha informações para usar de contrapeso as suas impressões e decidir se ele é um paciente ou um prisioneiro de Annie Wilkes. Para nos tirar um pouco do quarto de hóspedes e fazer o filme respirar ares mais leves, entra em cena o Xerife Buster, um personagem maravilhoso que não existe no livro. Septuagenário e com um senso de humor inabalável, Buster trabalha talvez pela primeira vez na carreira, em um caso policial sério, com o desaparecimento do famoso escritor.
Apesar de ter recebido um Oscar pelo papel, Kathy Bates não precisava de um prêmio para convencer ninguém de que sua atuação foi brilhante. Como um personagem tão familiar no papel de vítima, com carinha de anjo e desvantagens físicas diante de vilões clássicos, como a idade, o sobrepeso e o sexo, consegue convencer como a encarnação do capeta? Annie é tão imprevisível, fazendo o impossível para agradar Paul em um momento, e explodindo de raiva por besteira alguns segundos depois de uma maneira tão agressiva, que não existe cena segura no filme. Um gênio perspicaz quando necessário, mas uma camponesa ingênua na maior parte do tempo. A diferença intelectual entre Annie e Paul é visível, mas nunca causa pena, porque ela está sempre em vantagem, sempre com o poder nas mãos. Resta esperar que ele saiba enrolar a anfitriã tão bem quanto ela o enrola, e rezar para continuar vivo entre um chilique e outro.
O grande desafio, superado na minha opinião por Rob Reiner, foi criar uma atmosfera de tensão contínua e história em movimento constante, sendo que os personagens principais passam a maior parte do tempo em apenas um cômodo da casa. Quando Paul fica forte o suficiente para sair do quarto, é uma agradável mudança de cenário, mas o ritmo continua tão frenético quanto antes. Reiner não era o cara das cenas de ação elaboradas, como a desengonçada sequência do acidente de carro aqui mostra, mas uma cena muito especial no filme, que você irá saber identificar se já o assistiu, me fez rebobinar várias vezes a fita de v.h.s. na época, pela qualidade técnica. Foi também uma cena que me fez “esquecer” Louca Obsessão por um tempo, porque é muito forte, elevando (ou diminuindo) Annie a uma posição no terror reservada somente para os mais cruéis vilões no cinema. Paul tinha planos para abandonar de vez uma pessoa que Annie ama mais do que a ele… Misery, e eu não preciso dizer que a escolha do momento para a aposentadoria da personagem que ele criou, foi a pior possível. A doida vai usar todo o tempo que tem com o escritor para convencê-lo a mudar de ideia.