Um repórter recebe um chance única com um convidado centenário.
Na época do lançamento, eu me lembro de ter visto uma entrevista com o diretor Neil Jordan, dizendo que queria que os efeitos especiais no filme tivessem o efeito contrário de um clássico como E.T. – O Extraterrestre. Quando você vê a bicicleta de Elliott cruzando o céu na frente daquela lua gigante, é um evento inesquecível, mas é obvio que aquilo é uma fantasia. Sob a supervisão de Stan Winston, os truques de Entrevista parecem fáceis de serem realizados, com o objetivo de indicar que não são ilusão e sim, parte do cotidiano de uma espécie que não é a nossa. Cortes e câmeras bem manejadas, maquiagem e computação discreta, para conseguir efeitos sem fanfarra em uma história que tenta remover o glamour da vida eterna. No final das contas, esta é uma história em que vampiros são os protagonistas em todas as áreas, de vilões a mocinhos, de depressivos a inquietos e se não houver simplicidade no uso dos seus poderes, nós humanos podemos não nos importar com eles.
Com toda a segurança para criar novas regras dentro de um universo tão familiar e explorado repetidas vezes, a autora Anne Rice escreveu As Crônicas do Vampiro, uma série de livros sobre o tema, iniciada nos anos 70 com Entrevista Com o Vampiro. A verdadeira saga para ser usada como referência no assunto. Anne descarta alho, água benta e estacas no coração, mas impõe leis como não beber sangue de mortos e o ritual que transforma humanos em vampiros. Nem tudo possui uma explicação, as coisas são como são e acabou. A autora, que também é a roteirista do filme, se safa de fornecer explicações, porque não há tanta necessidade para elas, só que muita liberdade e voz de decisão, incentivaram Rice a falar publicamente e de forma desrespeitosa, sobre seus sentimentos em relação à escolha dos atores. Quando os maiores galãs dos anos 90 mostraram que estavam à altura da tarefa, e que a direção de Jordan superou as expectativas da autora, ela acabou mordendo a própria língua. É um filme bem atuado e muito bem dirigido.
Tom Cruise interpreta Lestat, uma egocêntrica e fria máquina de matar, sem muito interesse em questionar a própria existência, que aceita o convite sensorial de Louis, interpretado por Brad Pitt, e o mata, para depois lhe dar a vida eterna. É Louis quem conta a história dos seus dois séculos de vida para um repórter deslumbrado dos dias de hoje, e a tarefa de narrador é dele, porque é um personagem que rejeita a cultura vampiresca, como se não fizessem parte dela e também porque rockstars não narram a própria história e Lestat é a estrela aqui! Não porque Cruise era o mais bem pago na época, mas porque ao contrário de Louis, Lestat adora ser um vampiro. A diferença moral entre os dois é gritante, porque Lestat é um “eterno” adolescente que se diverte caçando e sem problemas em matar mais do que precisa para se alimentar. Já Louis é um adulto, com total compreensão das consequências dos seus atos e respeito pela vida. Por outro lado, o criador é o cara que não nega a própria natureza predatória, enquanto a criatura passa anos recorrendo ao sangue de animais e fingindo que ainda é humano.
Não sabemos exatamente quando Louis cai na real e abandona sua versão sobrenatural do veganismo, já que é importante que o personagem não seja visto em cenas de banquetes sangrentos, mas é muito bem trabalhada desde o início, a ideia de que o casamento entre os dois vampiros está destinado ao fracasso. Lestat até tenta e consegue segurar Louis por alguns anos, adicionando de uma maneira monstruosa outro membro à família, mas todo mundo sabe que filho não garante um relacionamento de sucesso. A história que está sendo contada ao repórter nunca parece entediante, mesmo que implique a noção da repetição em vidas que não deveriam ser, mas são muito limitadas, com o foco central sempre nas refeições. Ainda assim, quando estes seres eternos sofrem mudanças, o filme recebe um pouco mais de informações sobre origens e tradições. Louis passa tanto tempo obcecado pelas razões e os significados de sua espécie, que isto se torna a principal necessidade do filme, por um tempo. A maior reviravolta da vida de Louis, sempre terá sido sua transformação de uma raça para outra e o que ele acaba constatando, com ou sem conhecimento, com ou sem companhia, é que não importa quanto tempo passe, pois ele será o mesmo sujeito desencantado e solitário de sempre. A eternidade não provoca uma mudança de personalidade e não faz bem a ninguém.
Filmes de terror nos acostumam a conceitos padronizados de heróis e vilões e os vampiros são sempre um mal a ser combatido, mas em Entrevista não só não existe ninguém à altura dos vampiros, como não está claro de maneira definitiva se eles são os monstros porque os mortais são os mocinhos. Humanos não tem voz no filme, a história não é sobre eles, portanto as nossas normas não se aplicam. Se existe combate, ele é feito entre semelhantes poderosos e falando nisso, quantas imagens fantasmagóricas vemos aqui. Criaturas geralmente tão sedutoras, não tem medo de dar medo, se mostrando tão assustadoras quanto a própria morte. Por mais que seja uma história não tradicional sobre um assunto do terror, ainda é terror. O maior feito da direção é nos fazer ficar deslumbrados com o que estamos vendo, como o repórter da história fica, mas sempre do lado de fora de festa. Se ela é boa ou ruim, a gente só observa. O filme possui uma porrada de mortes, afinal de contas, os rapazes precisam comer e algumas matanças são mais elegantes do que outras, mas em qualquer uma delas, não existem dúvidas de que este é um mundo à parte e gente é gado.