A mesma história, só que separadas por um grande abismo.
Nos Estados Unidos e na França, duas mulheres grávidas são atazanadas por outras duas mulheres malucas. Nas duas versões, a original francesa e o remake americano, um acidente de carro tira de cena o pai da criança e deixa a futura mamãe viúva e com depressão pré-parto. Meses depois, sozinha em casa e bem mais barriguda, a vítima que se chama Sarah nos dois filmes, tem a noite interrompida por uma estranha que bate em sua porta. Também nas duas versões, a invasora não tem nome, sendo identificada simplesmente como “A mulher”. Do lado de fora, a estranha revela detalhes da vida da moradora, depois de perceber que a mentira que ela estava contando para tentar entrar na casa, não colou. Nos dois filmes, a polícia é chamada, mas no remake por alguma razão, Sarah não diz que a estranha do lado de fora a chamou pelo nome, mas não importa. Mesmo enfatizando a agressividade e a persistência da mulher em se achar no direito de entrar na casa, nenhuma das forças de segurança civis dos dois países leva a ameaça a sério e mais tarde na mesma noite, as mulheres entram nas casas.
Desde o início, A Invasora é muito mais violento do que Perigo Na Escuridão. Pela primeira vez eu acho que compreendi as versões hollywoodianas para certas histórias européias, porque vendo o original novamente, com toda aquela carnificina, eu aceito a necessidade que algumas pessoas tem (até eu senti isso) de acompanhar basicamente o mesmo filme, só que com um tratamento mais respeitoso. A Invasora faz parte de uma certa febre que tomou conta do cinema francês na década passada, em que filme de terror era sinônimo de torture porn. Dessa leva, filmes como Alta Tensão, Frontier(s), Calvaire e Mártires (esse último sendo algo de difícil ingestão, até para os mais acostumados entre nós), eram produzidos com muito mais do que a simples intenção de chocar, mas mesmo que suas narrativas fossem boas, a banalização da brutalidade era o que permanecia conosco ao final do filme. A cada novo filme lançado, a impressão era que uma disputa estava em andamento, para que o mais recente superasse o anterior em categorias desonrosas como quantidade de sangue, nível de sofrimento dos personagens principais e números de países em que foi banido. A Invasora já ia longe demais antes de ser assistido, porque existem certas situações, mesmo neste tipo de produção, que não são apropriadas para mulheres prestes a dar a luz. Perigo Na Escuridão, portanto, tem muita serventia, não só para os mais sensíveis, como para os veteranos do terror, mesmo que isto signifique dar o final que os nossos estômagos pediram logo após ver o original, e fazer esse final ser uma porcaria medrosa, que nos faria voltar resignados ao final sem misericórdia, ao filme de melhor qualidade.
Um bom modo de colocar distância entre as duas versões logo no começo, para que o público soubesse instintivamente qual delas precisaria de mais preparação emocional, foi colocar Sarah no comando absoluto do filme por 15 minutos. A francesa não é muito simpática, rejeitando de maneira áspera a companhia de terceiros naquela noite de Natal. Ela não é o tipo maternal, então não era uma questão de querer ficar sozinha curtindo a barriga. Com a hipótese de um parto induzido no dia seguinte, é uma surpresa desagradável que o quarto do bebê ainda não esteja pronto. Sarah americana é uma fofa! Ela também não está bem e também recusa os convites para a ceia, mas mesmo depois do acidente está claro que ela ainda quer ser mãe. Mesmo depois do que acontece com a Sarah original, eu não tenho essa certeza sobre ela. Sarah remake tem direito a amigos e planos para o futuro. É como se ela tivesse a obrigação de nos conquistar, principalmente porque o seu sacrifício será menor, bem menor. Sarah francesa não precisa disso, já que seu destino irá cuidar de nos ligar a ela mesmo que não gostemos dela.
As vilãs dos dois filmes estão em universos completamente diferentes. A atriz francesa Béatrice Dalle, com aquela voz de quem não faz mais nada na vida além de fumar, é uma das maiores razões do sucesso de A Invasora. Sua interpretação é sem precedentes e sem sucessão. As motivações de ambas são as mesmas, elas querem tirar o filho da mãe, mas somente la femme não brinca no serviço, não possui misericórdia, tem tanto ódio quanto a sua vítima e quer ser a mãe do bebê em segundo lugar, porque em primeiro ela quer machucar quem apareça na frente. A outra intrusa é quase uma diplomata. Ela é capaz de matar para alcançar o objetivo, mas também possui a sensibilidade para oferecer alternativas razoáveis para o seu pedido. A vilã americana é um ser humano ruim, a francesa, é Jason Vorhees.
Tanto o original quanto a refilmagem são repletos de twists que nos enchem de esperanças. Após o confronto inicial, que é bem mais violento e quase fatal na versão francesa, as grávidas se refugiam no banheiro e suas bolsas estouram. A criança vai nascer a qualquer momento. Visitas chegam nas duas casas, mas somente na versão americana elas são aguardadas. A versão francesa, consegue te fazer esquecer que Sarah ainda possui uma rede de apoio. Os personagens extras de maior impacto, são a segunda patrulha policial que havia sido prometida, para checar se a “doida que batia na porta” voltou para incomodar a moradora. Nos dois filmes, as invasoras são sortudas, porque as visitas só aparecem para atrapalhar as grávidas, mas os policiais de Perigo Na Escuridão são um absurdo, até para padrões estabelecidos em slashers dos anos 80. O final do remake, é diferente do original e a escolha feita pela vilã, diminui todo o propósito do filme e o duplo sentido do título em francês e inglês, mas o final de A Invasora é tão perturbador, que a refilmagem se torna uma espécie de consolo.