A casa mais assombrada da América.

Ligada diretamente a uma famosa e bem sucedida empresa fabricante de armas, a mansão Winchester é há muitas décadas uma atração turística, por ser considerada uma peça arquitetônica única e pelas supostas visitas do além, que teriam começado a aparecer quando as espingardas se mostraram eficientes ao ponto do massacre, durante a Guerra Civil Norte-Americana. A casa em constante mutação, já inspirou programas de tv em formato de documentário, com foco especial no sobrenatural e agora, finalmente, é a vez do cinema de explorar a história do local, só que adicionando tanta ficção que a história real fique em segundo plano. Eu não posso chamar de novidade interessante, porque se já é lenda não pode ser novidade, mas ter o espírito ignorando o assassino e colocando a culpa no fabricante do instrumento letal, é raro em filmes deste tipo. Talvez culpa seja um pouco forte, então digamos que os espíritos que apareciam na propriedade, queriam se certificar de que a responsabilidade não seria limitada a quem puxa o gatilho.

No filme, onde entre vivos e mortos os motivos são confusos e as ações mais ainda, mas tudo é íntimo demais para ser questionado, a diretoria da companhia Winchester decide ser prudente e contratar os serviços de um psiquiatra, para determinar a saúde mental da maior acionista da empresa. De acordo com os sócios, a obsessão de Sarah Winchester em reformar a casa 24 horas por dia, é algo sem explicação plausível, e que oferece um grande risco à integridade da companhia. Entra em cena o Dr. Eric Price, um psiquiatra drogado com um passado trágico, que fica encarregado de avaliar a senhora Winchester e chegar ao diagnóstico certo, que é o que daria credibilidade para remover Sarah da diretoria. Só que quem escolheu Eric foi Sarah, talvez porque acredite precisar dele no interminável projeto da casa, ou talvez porque este personagem fictício, mas cético, seja a maior necessidade em um filme sobre espíritos com uma história já conhecida e com o público já convencido do sobrenatural.

WINCHESTER 1

Martelos e serrotes durante todo o filme, já avisam que a casa é o personagem principal. Empreiteiros e pedreiros estão trabalhando quando Eric chega, trabalhando quando Eric começa a ver coisas assustadoras e trabalhando também quando Eric salva uma vida, porque a reforma não para. Sarah seria a rainha do puxadinho, porque o negócio só aumenta, chegando a 100 cômodos durante a visita do médico, no entanto, a excentricidade da dona não fica só no tamanho da propriedade. O local é enorme e belíssimo, mas possui janelas com vista para outras janelas, escadas que não levam a lugar nenhum, portas que abrem para a parede e gabinetes que servem de passagens de um cômodo para outro. Assim que uma construção sem pé nem cabeça fica pronta, outra já começa a ser modificada ou demolida, em uma metamorfose sem fim. Sarah revela a Eric que a não faz nada por vontade própria, seguindo apenas as instruções dos espíritos que foram vítimas do produto que enriqueceu a família dela. É uma motivação bizarra para uma tarefa bizarra, mas é mais tenebrosa do que a realidade cheia de remorso e luto da verdadeira Sarah de 1906 e eu tenho que ficar quieta, porque quando vi o trailer eu fiquei com a impressão de que mudar cômodos como se a casa fosse um cubo mágico, seria a solução da dona para confundir e conter os fantasmas. Então, motivo idiota por motivo idiota, eu aceito o inventado por outra pessoa.

 

Winchester, o filme, falha nos exageros, como por exemplo, o modo como a dona da casa se apresenta visualmente. Eu entendo que a mulher real era uma reclusa e meio sombria, mas precisa perambular pelos corredores tarde da noite, com aquele véu na cabeça e uma vela na mão, parecendo ela mesma uma assombração? Se não fosse interpretada pela Helen Mirren, seria facilmente confundida com uma vilã genérica de terror. Falando na Helen, é de doer, mas pela primeira vez eu não acreditei nela, ou em ninguém. Em um filme cheio de atores competentes, nenhum deles convence muito, assim como vários aspectos do filme deixam a desejar, incluindo o médico saindo da cama de madrugada para investigar um barulho, em uma casa onde a reforma é constante e barulho não deveria chamar a atenção. Ele ainda fica se escondendo de empregados e moradores que estão sempre circulando, como se fosse um criminoso e tivesse invadido a casa. Agora, nada se compara a ter que aturar os sustos repentinos por todo o filme, sempre num volume ridículo e quase sempre sem propósito.

WINCHESTER 2

Mas nem tudo são espinhos no filme. Eu gostei das sessões de terapia entre Sarah e Eric, que deixam de ser profissionais para irem direto ao ponto do filme. Sarah precisa que Eric acredite no que ela diz, menos para continuar no controle da companhia e mais para um motivo muito mais nobre, afinal, o filme se apoia na ideia de que a herdeira de muitas mortes rejeite o próprio negócio apesar de desfrutar do luxo que ele proporciona. Outra coisa bem legal é o principal fantasma do filme, que aparece na maior parte do tempo sem sustos e engana todo mundo de uma maneira muito bem feita, mesmo sem inovar. Tendo a fama de casa mais assombrada do país, eu realmente esperava um roteiro mais cuidadoso em sua homenagem, principalmente por ser dos criadores de O Predestinado. Aguardo uma refilmagem, porque o original aqui não é imperdível.