Uma descrição literal de eventos brutais da Segunda Guerra Mundial.
A razão pela qual eu evito dramas históricos é a mesma pela qual eu evito torture porn. Medo é interessante, gente sofrendo não, ainda mais se o propósito do filme for excitar o lado sádico de uma parcela do público de terror (ou do público da sofrência). Pela promessa de que nenhum filme seria vetado neste blog, eu me aventuro de vez em quando na categoria “Sangue e Entranhas”, encontrando alguns filmes que eu poderia ter passado a vida inteira ser assistir e filmes que, apesar de serem difíceis de encarar, são sustentados por uma boa história, ou uma narrativa divertida e um clima de faz de conta, ou o tópico importante do Propósito. Men Behind The Sun, ou o bagunçado título em português se você preferir, não é exatamente um terror de violência gratuita e sim um drama histórico que cai para o gênero terror, pelo retrato sem censura de atos cruéis não encarados como violência pelos causadores, se tornando inevitavelmente gratuitos pela natureza “tentativa e erro” de qualquer experiência científica. Ele está mais para A Paixão de Cristo do que para O Albergue.
O filme começa com uma frase que diz: “Amizade é amizade, história é história”, ou seja, a guerra já acabou há décadas e agora nós somos aliados, parceiros comerciais e até unidos como irmãos por um ocidente que nos confunde uns com os outros, mas não é por isso que eu vou fingir que o que aconteceu não aconteceu. Por um momento na história da humanidade, as portas do inferno, que se abrem de tempos em tempos nos lugares mais diversos, estiveram localizadas no nordeste da China. Era o final da Segunda Guerra Mundial e o Japão tomava uma surra, quando resolveu apelar para soluções catastróficas, como a utilização de armas químicas que precisavam ser testadas. Dentro da área ocupada pelos soldados da terra do sol, uma seção era tão protegida no meio de tudo, que uma cerca isolava o local até dos soldados rasos japoneses. Os prisioneiros que chegam são bem variados em vários aspectos, inclusive nacionalidade, não obedecendo ao padrão militar dos capturados em combate, mas têm em comum o desprezo dos seus algozes. Ninguém é visto como um ser humano, todos são cobaias.
Existem vários filmes sobre a participação japonesa na segunda grande guerra como Pearl Harbor, Um Canto de Esperança e se eu não me engano, a Angelina Jolie dirigiu um filme sobre um atleta olímpico sofrendo em um campo de concentração, nas mãos de um oficial japonês com tendências psicopatas. São filmes pesados, que deixam uma marca no público, como qualquer filme sobre qualquer guerra, mas Men Behind The Sun é especial, de uma maneira bem mórbida. Primeiro, há o uso de cadáveres verdadeiros em várias partes do filme, às vezes como objetos de cena e às vezes como verdadeiros personagens, como no caso da autópsia real de um menino, mostrada para servir a um personagem mirim que havia sido morto. O filme também não se acanha em mostrar o que os realizadores dos outros filmes sobre guerra deixaram de fora, para preservar a paz de espírito de quem assiste e suas próprias reputações. Em certas sequências, Men Behind é tão trash que deveria ser cômico, mas nunca é. A representação dos resultados de algumas experiências é tão grotesca, que eu não estou certa de que o que estamos vendo é biologicamente possível de acontecer.
Men Behind The Sun é também, ao contrário de outros filmes com o mesmo tema, uma produção semi-profissional. O diretor T.F. Mous passou anos coletando informações sobre os eventos do campo de pesquisas 731 e tentando convencer o governo a permitir que ele realizasse o filme. O orçamento era baixo demais para as ambições da produção, então todos os efeitos são práticos e até que bem feitos, com destaque para a cena em que um gato vivo é jogado em uma vala cheia de ratos. Para solucionar a falta de grana para as cenas de combate, imagens de arquivo muito mal conservadas ilustram o que estaria acontecendo no sul do país, enquanto os experimentos rolavam no norte. Não dava pra mostrar a construção do local, ou as circunstâncias da captura dos prisioneiros, então um narrador usa um mapinha para explicar algumas coisas. Mas todas as limitações técnicas, ou a falta de experiência de qualquer cineasta sem o apoio de uma indústria especializada, tentando não perder a mão de uma narrativa que precisa ser fiel aos fatos mesmo sem possuir grande parte dos registros históricos, foram suficientes para diminuir o impacto e a importância deste filme.
T.F. Mous mostra que sabe o que está fazendo, mesmo tendo tão pouco ao seu favor, quando posiciona os invasores como as estrelas do filme. O objetivo não era diminuir o valor de seus compatriotas, ou o filme nem seria feito; ele queria que a gente enxergasse além do inferno. Era pra gente tentar entender as condições que propiciam uma abertura para as trevas para início de conversa. As consequências da tortura para os inimigos são óbvias, mas os efeitos da desumanização são sentidos tanto por adversários temporários quanto por afeiçoados milenares. As duas últimas cenas finais, uma com a bandeira japonesa e outra com o mais recente japonês, mostram muito bem estes dois lados dos danos de uma guerra.