Em uma área rural do Quebec, um vírus testa a velocidade de pessoas saudáveis.
Réal, um dos sobreviventes, pula na frente da tela e nos dá um susto enquanto recupera o fôlego. Antes que a gente se dê conta de que não é todo dia que vemos idosos correndo desesperados, ele volta a correr porque logo atrás estão a esposa e os dois filhos adultos, bem mais rápidos do que ele e loucos para matá-lo. Já Céline pára o carro em uma rua, liga o rádio e aumenta bem o volume. Ela consegue a atenção que quer e sai do carro sacudindo o facão na cara de um contaminado, porque ela perdeu a família inteira e quer revanche, com quem ela encontrar no caminho praticando o canibalismo. Vézina, que perdeu a esposa e os filhos, sabe que a vizinha e a filha dela paradas no meio do campo estão infectadas, mas ele não resiste a vontade de se aproximar para prestar socorro, naquele mundo solitário onde a humanidade está acabando.
Logo do Canadá, a capital mundial da cordialidade, vem este semi-Extermínio, semi-Madrugada dos Mortos filme sobre a violência como novo estilo de vida. Tudo o que sabemos sobre as razões e as dimensões do problema, é o que os personagens puderam observar desde que o surto começou, ou seja, não muito. Algumas pessoas viram cães raivosos minutos após uma mordida, outras levam dias. Não há uma explicação definitiva para o que está acontecendo e andar em uma direção não é mais seguro do que andar na direção oposta. São vários personagens e acompanhamos um por vez. Como se o filme fizesse um giro, as histórias de cada um reaparecem e avançam até que eles se encontram, para seguir o filme juntos. É um cenário que também lembra alguns dos melhores episódios de The Walking Dead, isso antes da série que não vai acabar nunca, perder toda a dignidade.
Cheio de sustos e com um humor que não tem tempo ruim para acontecer, como nas piadas contadas à beira da morte e no magnífico Demers, um personagem sem noção da própria inconveniência ou do que está acontecendo na cidade/país/planeta, Les Affamés ou Ravenous como está sendo distribuído, é um deleite para os fãs de terror. A narrativa é conduzida no ritmo certo, com poucas cenas contando muita história, deixando tempo para que o público descanse, mesmo que simbolicamente a pausa seja feita em uma cadeira de espinhos, já que ninguém relaxa nas poucas vezes em que os sobreviventes andam pelas florestas sem serem atacados por um bando de infectados. Barulho os atrai, mas em muitas ocasiões eles chegam do nada e em alta velocidade. A maquiagem típica para zumbis não foi utilizada, porque não é o caso de mortos-vivos aqui, então às vezes é difícil saber se uma pessoa está só gripada ou irá desenvolver a doença. Qualquer curativo é motivo para desconfiança.
Se Ravenous gastou com alguma coisa, foi com figurantes. Poucas são as cenas de ação em que somente um ou dois contaminados são o problema. Existe um sentimento forte de comunidade bem presente entre os doentes e é bem interessante que eles mantenham parte da inteligência. Para fazer parte de verdade de um grupo raivoso, todos precisam se desfazer do que era importante na “vida anterior”. O filme ilustra isso com os infectados se livrando dos bens materiais, enquanto as pessoas sadias carregam o que for preciso para manter a sanidade. O filme é cheio de pilhas de objetos do dia-a-dia, aumentando o tempo inteiro e deixando claro que esta guerra está sendo vencida pelo pior lado.
Falado em francês e estrelando um bando de desconhecidos com cara de gente comum, Ravenous é tenso, totalmente imprevisível e capaz de arrancar um sorriso até quando a situação é muito séria, com piadas típicas de pai. Como os infectados se comunicam por gritos desesperados, até quando não os vemos, podemos escutá-los e é sempre assustador. O filme tem muitas situações que se repetem o tempo inteiro, da correria eterna em busca de um lugar seguro, que nunca chega, à mesma pegadinha do susto com o mesmo mané como protagonista. Nunca cansa, nunca enche. Sempre entretém.