A passagem de um cometa, muda para sempre a vida de 8 amigos.

Eu adoro filmes de ficção científica, que usam as mais recentes ferramentas de edição e computação gráfica, para aproximar o público de uma realidade fora de alcance, como aqueles que se passam em outros planetas, ou para mostrar uma fantasia de vida futura, onde todo um mundo é construído a partir da imaginação de um autor. Mas ficções científicas feitas sem grana, dificilmente ficam atrás de superproduções em termos de criatividade, porque precisam se esforçar ainda mais para fazer o público acreditar no que está acontecendo e no que pode acontecer, sem o auxílio de efeitos visuais caros e elaborados. O roteiro precisa ser infalível, os atores, corretos para o papel e bem ensaiados, o argumento precisa ser uma viagem na maionese cujo ponto de partida é sempre a ciência, como Primer, O Predestinado, ou se nos contermos aos exemplos no terror, Triângulo e Crimes Temporais.

Seguindo a tradição dos filmes mencionados acima, Coherence é um “entorta cérebro” muito bem feito, com o poder de continuar alterando as expressões faciais do público após o término, sobre realidades paralelas que, por conta da passagem de um cometa, entram em convergência e criam um caos de infinitas e catastróficas possibilidades, para um pequeno grupo de pessoas participando do que deveria ter sido um simples jantar entre amigos. Em um filme como este, onde a atenção deve ser completa e cada porção de informação é relevante, deixar a improvisação tomar conta das falas é um risco que poucos permitiriam. O diretor James Ward Byrkit no entanto, quebrou algumas das regras básicas do primo pobre da ficção de terror, porque confiava na originalidade da história e da própria habilidade em trazer seus atores das nuvens, de volta ao ponto. Ele conseguiu carregar de realismo um filme fantasioso, ao fornecer além de uma ideia geral da história, apenas breves instruções diárias aos atores, do que seriam o objetivo principal de cada personagem em uma cena. Eles só precisavam respeitar os limites de ações e reações de cada pessoa que interpretavam, dentro de cada situação.

 

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O filme começa com Emily chegando de carro sozinha no jantar. Ela tenta segurar Kevin no celular o máximo que pode, até que a tela do aparelho dela quebre do nada. Desde o princípio dos créditos a gente percebe uma falta de equilíbrio naquele relacionamento, como se Kevin não estivesse tão entusiasmado quanto Emily. Assim que ela chega na casa dos amigos, alguns deles a informam sobre Laurie, a ex de Kevin que vai participar do jantar na companhia de outro amigo em comum. Esta deveria ser a parte do texto em que eu digo algo como: “mas isso não é importante! E daí que Emily vai ser obrigada a jantar ao lado da mais bela e bem sucedida ex do seu atual, quando o relação com Kevin não é das mais sólidas? O filme tem problemas mais sérios”. Acontece que em uma noite como a que está para se desenrolar, o ciúme, o sentimento de derrota e remorso que se acentuam em Emily são de extrema importância, já que do início ao fim do filme, ela é a única que vai realmente permanecer conosco. O desconforto que ela sente, com a presença de Laurie, com a eventual ausência de Kevin e com o tratamento piedoso de alguns amigos, são ingredientes que irão pesar bastante na balança, assim que o que é certeiro na história deixar de ser garantido e o que é errado também deixar.

Entre as dietas, os negócios, as futilidades e as coisas sérias, o assunto que domina o jantar é a passagem do Cometa Miller. Na trama, existe um histórico documentado de um incidente anormal, ocorrido por causa de outro cometa quase cem anos antes. O consenso é que as pessoas de um determinado local na época, foram bastante afetadas pelo evento. O irmão de um dos convidados do jantar, que aparentemente é um entusiasta da astrofísica, sugeriu cautela e atenção para aquela noite. Então quando a luz cai no bairro, o público já sabe que o cometa é o responsável. A surpresa era o quanto aquele corpo celeste ficaria criativo, na hora de detonar com o nosso senso de realidade e com a vida dos personagens. Se começamos em vantagem em relação aos oito amigos, sabendo que algo ruim estava para acontecer bem antes deles, o filme logo coloca personagens e público no mesmo patamar, quando destrói pouco a pouco a tentativa de colocar um chão feito de informações definitivas, para que se tenha onde pisar antes de cada nova revelação. Os convidados do jantar saem da casa para testemunhar o breu que tomou conta da rua e avistam uma única residência iluminada há algumas quadras de distância. Não é nada demais, eles andam um pouquinho, olham para cima e o cometa é lindo, depois voltam para a casa que naquela altura já estava cheia de velas acesas e só. Mas a pequena atividade já era um erro gigantesco.

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Assim que a energia é reestabelecida com um gerador, uma série de acontecimentos inofensivos mas inexplicáveis surgem como uma avalanche. Um bilhete amigável deixado do lado de fora na porta, fotos numeradas dos convidados em uma caixa, diferentes cores de varetas luminosas e de repente todos começam a entender que o cometa abriu um leque de futuros possíveis e a vida de ninguém naquela casa pode voltar ao normal. Coherence então descende em uma espiral de desconfiança, paranóia e péssimas decisões, acentuadas pelo número (que nunca para de crescer) de realidades em que as mesmas ações podem estar acontecendo. Eu não quero revelar muito mas é bom ressaltar que, em diferentes linhas do tempo, o filme somente explora as possibilidades de resultados para o grupo a partir do jantar, ao invés de viajar demais e perder o controle do enredo, proporcionando possibilidades de vidas completamente distintas das originais. A falta de sinal de celular para todos, é apenas uma inconveniência, já que estar incomunicável naquela situação não faz diferença nenhuma. Não se trata de uma cabana no meio do nada, não é esse tipo de terror. Sem monstros mascarados, sem possessões, sem vilões. Não há como pedir ajuda para o que está acontecendo.