Bonitinha, mas ordinária!
O logo da Warner aparece sobre uma tempestade que se forma no horizonte. É quase uma personalização especial para o filme, feita bem antes disso se tornar modinha. Só que isto está longe de ser a maior ousadia do filme. Mas… antes de mais nada, por que não apenas colocar “A Semente do Mal” no titulo, já que a tradução literal confere e não lembra o nome de um filme pornô? Colocar o título em português deste filme no blog, é meio que o equivalente a sujeitar os leitores ao gemido do Whatsapp. Bom, que seja, o que realmente interessa é que Tara Maldita (aff) foi o primeiro a ter uma criança no papel de vilã e melhor, sem ter que fazer dela uma pessoa possuída ou uma alienígena, em uma época em que monstros mutantes dominavam o mercado cinematográfico. Tudo o que se vê é consequência das escolhas da menina, sem interferências de algo extraordinário.
O começo do filme mostra o pai militar tendo que deixar suas meninas para retornar à base, como exigem seus superiores que se preparam para a possibilidade de uma nova guerra. Por um bom tempo na casa será apenas a mãe Christine e a pequena Rhoda, que desde o início tenta dominar todas as cenas em que está, alternando momentos em que explode de raiva como uma criança comum, apesar da raiva ser quase sempre infundada, e momentos em que se apresenta como o retrato da perfeição, como uma criança que nunca existiu. Se com hábitos de educação antiquados e emoções tão exageradas que chegam a incentivar a desconfiança, ela não consegue roubar uma cena, ela busca outra abordagem, uma mais perigosa e tenta novamente.
Os Penmark, como é conhecida a família de Rhoda, moram em um condomínio do qual a senhora Monica é proprietária e ela é apenas um dos maravilhosos e enriquecedores personagens secundários neste filme imperdível. Fascinada por psicologia, diagnósticos e assassinatos, ela é ironicamente cega quando o vilão de uma história real não tem a aparência correta. Outro grande personagem é o pai de Christine, um respeitado autor no campo da criminologia e para ele, uma criança-problema é sempre um produto do ambiente em que foi criada. Em defesa do vovô, a convicção que ele possui é baseada em sua própria vida. Ele sabe que hereditariedade não pode ser o ponto de partida para a maldade.
Parte do que faz Rhoda parecer tão falsa, é que ela tem a ideia de que enquanto parecer tão adorável quanto um desenho antigo de criança, ela pode se safar de qualquer coisa. Mas um desenho é só um desenho e o desejo de uma mãe em possuir uma filha perfeita só funciona de forma abstrata. Na realidade, todos queremos que nossos filhos cometam gafes, que evoluam aos poucos com os próprios erros, que se metam em encrencas que a vizinhança toda fica sabendo, que não saibam todas as respostas… que dividam o que têm com os amigos, que chorem de forma embaraçosa, que sintam, que tenham coração. Christine sabe que sua filha é diferente e não é só porque ela nunca se suja. Rhoda nunca erra e se esforça demais para parecer imaculada, em uma idade em que seus únicos pensamentos deveriam focar em amigos, doces e brincadeiras.
Durante um piquenique organizado pela escola, um menino morre afogado. O mesmo menino que tinha ganhado uma medalha alguns dias antes por algum feito, de uma forma justa. A morte é classificada como um acidente, mas de alguma maneira, a professora e os pais do menino acabam aparecendo na casa de Christine, que naquela altura, procura por uma confirmação para o seu pior pesadelo. Afinal de contas, relações humanas requerem humanidade, com todas as suas imperfeições e Rhoda chama a atenção de muita gente ao seu redor, por ser cuidadosa com futilidades e negligente com coisas que realmente importam, como a morte de um amigo. Quando suspeitas tímidas começam a surgir, é o início da queda da máscara de Rhoda. Mas o que Christine pode fazer? O que qualquer mãe pode fazer?
Nos anos 50, quando A Criatura da Lagoa Negra (1954), O Abominável Homem das Neves (1957), A Bolha (1958) e muitas outras aberrações vindas do espaço ou de uma experiência científica malsucedida, deixaram muitas crianças sem dormir, Tara Maldita apavorou os pais, quando revelou que qualquer lar, por mais bem ajustado que fosse, poderia abrigar um monstro. Christine poderia ser a melhor mãe do mundo, e ela chega perto, lendo para Rhoda dormir, sendo firme mas amorosa e repreendendo a menina quando ela vê que o comportamento está errado, mas não faria a mínima diferença. Para a menina que não sente nada mas quer tudo, uma pessoa pode ficar viva enquanto não a ameaça, ou quando Rhoda não herda nada com a morte, sem culpa ou remorso. Este foi o filme que deu insônia nos adultos, porque tinha um monstro de carne e osso.
Tara Maldita é um filme sério, atualíssimo e com ótimas interpretações, que garantiram merecidas indicações ao Oscar para três das atrizes principais. Apesar de ser antigo, ele não é de época, então a discussão sobre psicopatia nata versus psicopatia adquirida, era bem recente e polêmica. O filme é tão pesado, que depois de vários desfechos a la Senhor dos Anéis – O Retorno do Rei (muito bem construídos, a propósito, para mudar o verdadeiro destino dos personagens a cada 5 minutos), um narrador invade os créditos finais para apresentar o elenco, para deixar Patty McCormack, brilhante no papel da menina, fazer um gesto gracioso e sorrir com sinceridade pela primeira vez para a câmera, em um desfile de atores que serve como um alívio pós-choque (principalmente depois da “última cena de verdade”), dizendo “Viu gente? É só um filme! É tudo de mentirinha, crianças ainda são fofas!”.