Que 2017 não termine sem falarmos um pouquinho de Romero.
O cineasta George Andrew Romero morreu em julho, enquanto este blog passava por um período de hibernação, então na época não houve um texto/velório para dizer adeus ao pai do apocalipse moderno. Eu pensei em fazer uma lista com seus filmes em alguma espécie de ordem de relevância, mas acredite, dezembro no Muito Molho já está cheio de listas e a ideia era pomposa demais para um cara que ignorava a própria importância na história do cinema. O rei dos zumbis, um dos diretores mais influenciadores, com alguns dos filmes mais imitados e refeitos no terror, era também um trabalhador sem frescuras, que ousava no comentário social em um filme, para depois se agarrar a um trash, indo de Kubrick à Zé do Caixão sem perder a determinação e o carinho pelo que fazia. Não existia economia de dedicação em seus filmes.
O escolhido para esta despedida (que não é definitiva, porque com certeza falaremos do homem novamente) foi Show de Horrores. Um trash cheio de charme e sem nenhuma gota de amadorismo, que homenageia os comics de terror dos anos 50. O filme é uma antologia e geralmente estes possuem um diretor e um escritor para cada história, mas aqui Romero dirige tudo com roteiro original de Stephen King, que segue a linha sobrenatural para contar cinco histórias diferentes, além de uma introdução que só é concluída no final do filme. Uma coisa que a dupla criativa aqui deixa bem clara, é que um tributo de verdade aos quadrinhos de terror antigos, precisava ter histórias simplórias e bem bregas. Com o material criado por King sendo fiel à fonte, Romero mostra toda a sua competência para desenvolver os contos e causar medo em um público de qualquer época e faixa etária. O que assustou o escritor e o diretor na infância não tinha a necessidade de ser adaptado e foi respeitado em toda a sua pureza. Trash com orgulho!
A primeira história, “Dia dos Pais”, é sobre gente rica fazendo riquices. Na data em questão, Tia Bedelia está voltando para a mansão da família, como faz todos os anos por culpa. À sua espera estão os familiares esnobes, que não tiveram nenhum problema com a morte do patriarca pelas mãos de Bedelia. Todo mundo lucrou. Só que neste ano, o velho retorna em versão já zumbificada para comemorar o feriado com todo mundo. A segunda história traz o próprio Stephen King como protagonista e ele prova que como ator, é um ótimo escritor. Ele faz um caipira que desencadeia uma verdadeira invasão alienígena, após descobrir e brincar com um meteoro que caiu em sua propriedade. Este é o mais fraquinho dos segmentos, porque apesar de ter um final com potencial, não é muito assustador e tenta ser engraçado com base na “interpretação” de King. Que pelo menos tenha servido de lição ao diretor, já que nunca foi uma boa ideia envolver demais o escritor nos filmes que trabalham com o material dele.
A terceira história tem Ted Danson e Leslie Nielsen que sempre fazem papéis cômicos, só que aqui estão enrolados em uma trama de adultério e vingança. Nielsen é o marido traído que força Danson, o amante, a fazer um passeio com ele por uma área deserta, para que Danson descubra o que aconteceu com Becky, a esposa. Em “A Caixa”, um monstro atormenta a vida de muita gente, mas encontra outro monstro, maior e sedento por sangue. A última história, é sobre um magnata recluso, detestável e maníaco por limpeza, vivendo sozinho na cobertura do próprio prédio. Do alto da sua torre, ele enxerga e trata todos como insetos, até que os insetos se unam contra ele. Este episódio é o mais emblemático do filme e é também o mais difícil de assistir, sofrendo ou não de catsaridafobia.
Eu amei a linguagem de quadrinhos que invadia o filme de vez em quando, principalmente porque não era firula. As caixas de diálogos interrompiam cenas longas e forneciam informações necessárias de forma prática e rápida. O filme também usa cores berrantes em cenas chave, e isso bem antes de Dick Tracy (1990) de Warren Beaty fazê-lo. Uma das histórias tem dois pombinhos sofrendo o mesmo destino nas mãos de um psicopata, antes do maravilhoso The Vanishing (1988) utilizar um enredo muito similar. Outra tem plantas dominando o mundo, antes de Fim dos Tempos (2008) de Shyamalan. Esse era Romero, sempre um cara que ditava novas tendências. Agora que o Natal se aproxima, eu percebo que o meu bom velhinho se foi, com seu rabo de burro, seu talento para inspirar outros diretores e um amor invejável ao trabalho, independente de fama ou reconhecimento. Ele se vai mas ficam os filmes e esse texto foi apenas um simples agradecimento por todos eles, já que George estará sempre aqui. Bênça Vô!