Invasores de Corpos? Eles Vivem? A Coisa?
Wyatt surpreende o amigo de longa data Christian na rua um dia, depois de muito tempo sem vê-lo. Eles estão bem na frente do apartamento de Chris e Wyatt tem uma mala de roupa nas mãos, mas não há constrangimento quando um convida o outro pra dormir lá se for preciso. É só por alguns dias, porque Wyatt já comprou a passagem de ônibus para sair da cidade, mas Chris está feliz por ver o amigo e por ajudá-lo em um momento de crise. Ele nota que Wyatt não está bem e nós também, mas não é porque no banheiro, ele despeja a cerveja da garrafa e a troca por água. Os dois não se veem há algum tempo, então a gente até pensa que Wyatt não queria fazer desfeita recusando a bebida, mas é muito mais do que isso. Pode ser o hábito que Wyatt adquiriu de ficar intrigado com tudo o que vê pela frente, ou a falta de trabalho, ou o recente término do namoro, ou a invasão alienígena silenciosa que apenas ele e outras poucas pessoas no mundo perceberam.
Seguindo o caminho de outros filmes sobre aliens que ficam na surdina, substituindo as pessoas ao redor do protagonista, até que ele não consiga mais negar que o bicho tá pegando no mundo inteiro, They Look Like People é um prazer para assistir, mas extremamente diferente dos filmes que usa como referência. Em todos os outros, a invasão é oculta da maioria da população por algum tempo. Eu diria o primeiro terço do filme. Depois vem a realização do perigo e em seguida o plano de contra-ataque ou de fuga. Neste filme, somente uma pessoa consegue ver o que está acontecendo e por mais que Wyatt receba ligações com instruções de outros que já estão trabalhando em uma resistência à ocupação, e que o público veja o que Wyatt vê, não fica claro de imediato se as visões são verdadeiras.
O diretor de Quando as Luzes se Apagam estava no Youtube há não muito tempo, quando ainda era um diretor de curtas, respondendo graciosamente questões de fãs sobre o que ele considerava importante para qualquer trabalho audiovisual. Cuidados com o áudio, ele disse, é algo que muita gente joga para segundo plano, mas é crucial para atribuir qualidade a um filme. É a diferença da obra amadora para a profissional, segundo ele. Som, em They Look Like People, é um dos aspectos mais importantes, tanto é que eu achei que fosse um erro de principiante quando em uma cena, mesmo que minúscula no início do filme, coloca dois personagens falando ao mesmo tempo e impossibilitando o entendimento da fala mais importante. Não era um erro. O som ambiente desaparece quando os rostos se deformam na frente de Wyatt. Um áudio de auto-ajuda aparece pelo filme inteiro, sem revelar o dono mas revelando dependência no instrumento. Zumbido de insetos com a aproximação do inimigo, diálogos ditos sem consciência que machucam quem escuta. A noção que eu não consegui descobrir se está correta, de que algumas vezes as falas e os movimentos labiais não correspondem e uma trilha sonora falsamente apocalíptica. Muita atenção ao som, por favor!
O outro aspecto que faz deste pequeno filme um grande sucesso, é como ele retrata a retomada do relacionamento entre Wyatt e Chris. Apesar de estarem afastados deste a graduação na faculdade, o reencontro que começa um pouco desajeitado e tímido, rapidamente mostra um vínculo tão forte que surpreende em uma relação que não é de sangue. Chris é quem acolhe, se preocupa, tenta descobrir a melhor maneira de ajudar o amigo (por não conseguir ignorar que algo está muito errado) e é também quem levando uma vida normal, distrai Wyatt do terror que ele está vivendo. Em contraponto, descobrir a melhor maneira de dizer a um amigo-irmão que a vida dele e de todos está em perigo, sem parecer um maluco, é parte da agonia diária de Wyatt. É como se os dois vivessem em dimensões paralelas, que o filme vai aos poucos transformando em uma só.
Até Wyatt desconfia de que o que ele acha que está acontecendo, pode não estar realmente acontecendo. Entre duas explicações possíveis para um fenômeno, a mais simples é provavelmente a verdadeira, certo? O cara vive tendo pesadelos e as ligações que recebe, dos que dizem que ele é um dos “poucos sortudos que conseguem sentir os alienígenas”, só são feitas de madrugada, geralmente após um pesadelo. O problema está lá fora ou está dentro dele? Eu julgo minha experiência com um filme de terror, pela minha necessidade de escrever sobre ele quando ele termina e o texto deste aqui é uma verdadeira manifestação pós-filme. Eu percebo que o resultado da dúvida não é tão importante quanto a jornada que ela está proporcionando. Em uma das ligações, Wyatt recebe uma data, um horário e uma sequência de acontecimentos que irão dar início a uma grande batalha entre o bem e o mal. Só nos resta esperar.
Eu adorei o modo como They Look Like People pegou uma ideia super batida no terror e contribuiu criativamente, ao invés de apenas explorar o conceito. Isso é tão raro. Quando um humano vira um alien, não é apenas uma questão física e/ou presente. Toda a essência da pessoa, até o histórico de vida dela muda. O ponto alto do filme, o mais tenso (e normalmente, os mais insuportáveis entre estes são os que geram uma certa tristeza) é quando o elo entre Wyatt e Chris é posto a prova. As transformações que substituem humanos por criaturas demoníacas são sempre assustadoras, mas nada se compara à batalha entre a fé no amor e a mente em estado de alerta máximo. Pode soar meio religioso, mas graças a Deus, a fé vence!